A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara pode votar nesta terça-feira (23) um projeto de lei que autoriza os estados e o Distrito Federal a legislarem sobre a posse e o porte de armas de fogo em caso de defesa pessoal, práticas desportivas e de controle de espécies exóticas invasoras.
O texto chegou a entrar na pauta do colegiado na terça-feira passada (16), mas a votação foi adiada por um pedido de vista (mais tempo para análise).
Segundo deputados governistas, o prazo para as vistas só se encerra na quarta-feira (24) — já que o regimento exige duas sessões do plenário da Casa e, na última quinta-feira (18), não houve sessão. O projeto, contudo, já consta como terceiro item da sessão da CCJ desta terça, marcada para as 14h30, conforme informações de Elisa Clavery, Isabela Camargo e Luiz Felipe Barbiéri, da Globo News.
De autoria da presidente da CCJ, deputada Caroline de Toni (PL-SC), a proposta foi aprovada no fim do ano passado na Comissão de Segurança Pública.
Segundo o substitutivo adotado no colegiado:
- a lei local sobre o tema estará sujeita à apreciação das assembleias locais;
- a autorização para posse ou porte de arma não pode tratar de armas ou munição proibidas por lei nacional;
- as autorizações valem apenas para o território e só podem ser concedidas a quem “comprovadamente” residir
- no estado. Segundo o projeto, a comprovação será feita por meio de comprovante de endereço válido ou declaração de residência.
- Segundo a proposta, o estado ou o DF deve comprovar “declaração de componente cultural e tradicionalista no uso de armas de fogo” e, ainda, a capacidade de fiscalizar quem possui a arma por meio de um sistema de controle integrado ao Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública (Sinesp).
Inconstitucionalidade
Na CCJ, os deputados não avaliam o conteúdo dos projetos, mas sim a admissibilidade de uma proposta — ou seja, se ele é constitucional ou não.
Desde a última semana, parlamentares contra e a favor do texto discutem dois artigos da Constituição para embasar opiniões divergentes.
Quem é a favor da proposta, aponta o artigo 22 da Constituição, que diz que “compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de material bélico”.
Contudo, um parágrafo do mesmo artigo acrescenta que “uma lei complementar pode autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”.
Já parlamentares contrários ao projeto citam o artigo imediatamente anterior, que diz que “compete à União autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico.”
É também por conta do artigo 21 que ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e interlocutores do Ministério da Justiça avaliam como inconstitucional a proposta.
Ainda segundo interlocutores da pasta, a discussão é apenas uma forma da oposição fazer um aceno para apoiadores armamentistas — ainda que a proposta não tenha viabilidade efetiva de avançar.
Discussão
Ao apresentar o projeto, a deputada Caroline de Toni disse que a mudança é necessária já que “o novo governo federal vem impondo fortes limitações a este segmento de armas de fogo”.
Segundo a parlamentar, as limitações são um “retrocesso normativo” e as iniciativas para barrá-las são “bem-vindas, desde que promovidas pacificamente, e dentro da legalidade”.
Relator do texto, o deputado Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP) argumenta, em seu parecer, que “realidades distintas nos vários estados da federação demandam essas análises específicas conforme as localidades, as quais serão deliberadas com maior eficiência se realizadas nos respectivos Poderes Legislativos dos Estados e do Distrito Federal”.
Contrária à matéria, a deputada Laura Carneiro (PSD-RJ) cita o artigo 21 para justificar que o tema é “matéria exclusiva da União”.
“Está lá no art. 21 que compete à União, exclusivamente — não pode delegar a ninguém —, autorizar e fiscalizar a produção e o comércio de material bélico”, afirmou.
O deputado Chico Alencar (PSOL-RJ) disse que a proposta “é muito equivocada”.
“Essa ideia torta e torpe que defende que cada cidadão tenha uma arma, o que vai levar a agregar mais violência à violência real já existente”, disse. “É uma disputa política menor que acha que, com o poder da arma de fogo, resolve-se a questão estrutural da violência.
‘Consequências negativas’
Além da inconstitucionalidade do texto, o Instituto Sou da Paz argumenta que em países em que é possível adotar legislações estaduais sobre o tema, os efeitos para segurança pública são negativos.
Nos Estados Unidos, uma dessas consequências é o aumento no número de armas roubadas. Segundo o instituto, estudos que se dedicam à origem de armas roubadas identificaram que a maioria dessas são fornecidas em estados onde o acesso de armas é menos restrito.
“Além dos impactos sobre a circulação geral de armas de fogo no país e sobre indicadores criminais, permitir que as unidades da federação adotem diferentes normativas relacionadas à posse e ao porte de armas acrescenta um fator de grande complexidade à fiscalização dessas regras e ao cotidiano do policiamento, dada a natureza do livre trânsito entre divisas estaduais”, afirma o Sou da Paz.
Um estudo de 2022 de pesquisadores das faculdades de direito e políticas públicas de Stanford mostra que a aprovação de leis que flexibilizam o porte de armas estão associadas a um aumento de 35% nas armas roubadas.
“Em outras palavras, em um período em que se roubavam 3 armas antes da lei, passam para 4 armas que migram para mão do crime após esta flexibilização ao porte”, diz nota técnica do instituto.