Escavações devem começar em breve com o objetivo de encontrar os corpos de até 40 soldados alemães que foram executados pela Resistência Francesa em junho de 1944.
O plano surgiu depois que, recentemente, um ex-combatente da Resistência quebrou oito décadas de silêncio para revelar como os soldados alemães foram mortos em uma floresta perto de Meymac, no centro da França.
Edmond Réveil, 98 anos, é o último sobrevivente da unidade local do grupo de resistência FTP (Francs et Tireurs Partisans) e testemunhou pessoalmente a execução em massa em um local chamado Le Vert.
Em um depoimento gravado, Réveil descreveu como seu destacamento de 30 combatentes escoltava prisioneiros nazistas quando veio a ordem para matá-los.
O comandante do destacamento, cujo codinome era Hannibal, “chorou feito criança quando recebeu a ordem”, lembrou Réveil.
“Mas havia disciplina na Resistência.”
“Ele pediu que voluntários cumprissem a ordem. Todo combatente tinha alguém para matar. Mas alguns de nós — e eu fui um deles — dissemos que não íamos fazer parte disso.”
“Era um dia terrivelmente quente. Nós fizemos eles cavarem suas próprias covas. Eles foram mortos e jogamos cal sobre eles. Lembro que cheirava a sangue. Nunca mais falamos sobre isso.”
Réveil, cujo codinome na guerra era Papillon (Borboleta), manteve o segredo por 75 anos, até mesmo de sua família.
Então, inesperadamente, em 2019, ele se levantou no final de uma reunião local da Associação Nacional de Veteranos e anunciou que tinha algo a dizer.
O prefeito de Meymac, Philippe Brugere, disse à BBC que foi como se um peso tivesse sido tirado da mente de Réveil.
“Ao longo dos anos, ele teve muitas oportunidades de contar a história, e nunca o fez. Mas ele foi a última testemunha [sobrevivente]. Foi um fardo para ele. Ele sabia que, se não falasse, ninguém jamais saberia.”
Antes que as autoridades locais pudessem tomar outras medidas, no entanto, veio a pandemia de covid-19.
Apenas algumas semanas atrás, o caso foi reaberto, e a história foi divulgada no jornal local La Montagne nesta terça-feira (16/05).
Historiadores franceses e alemães confirmaram a coerência dos eventos descritos por Réveil.
Pouco depois do Dia D, que ocorreu em 6 de junho de 1944, os combatentes da Resistência realizaram uma espécie de levante em Tulle, capital do departamento de Corrèze, durante o qual entre 50 e 60 soldados nazistas foram presos.
Mas, em 9 de junho, os alemães retaliaram o aprisionamento com o enforcamento público de 99 reféns.
‘Contra a violência’
Não muito longe dali, em 10 de junho, a divisão nazista SS Das Reich massacrou 643 pessoas na vila de Oradour-sur-Glane.
Réveil havia participado do levante de Tulle e depois se juntou ao grupo de escolta que se dirigia para o leste.
“Nenhum dos grupos da Resistência queria nada [com os prisioneiros]. Não sabíamos o que fazer com eles”, lembrou.
A certa altura, alguns dos prisioneiros — aqueles que vieram de países como a Polônia e a Tchecoslováquia — foram separados dos demais. Então, cerca de 50 deles que chegaram a Meymac em 12 de junho.
“Se um prisioneiro quisesse fazer xixi, ele precisava ser vigiado por dois de nós. Não tínhamos nada planejado quanto à alimentação. Estávamos sob as ordens de um centro de comando aliado em Saint-Fréjoux, e foram eles que deram a ordem para matá-los.”
Entre os prisioneiros, estava uma francesa que havia colaborado com a Gestapo (polícia secreta nazista). Nenhum dos combatentes da Resistência queria atirar nela, então eles sortearam para decidir quem faria isso e ela foi morta.
Nas próximas semanas, oficiais da Comissão Alemã de Sepulturas de Guerra (VDK) devem ir a Meymac. A primeira tarefa deles será usar um radar de penetração no solo para saber o local exato das covas.
Historiadores locais disseram que 11 corpos alemães foram exumados de Le Vert em 1967, mas as escavações pararam e nenhum registro foi mantido sobre o local exato em que isso ocorreu. Uma vez que o caso é muito sensível e, àquela altura, apenas 23 anos haviam passado desde a execução dos soldados nazistas, a operação foi envolta em segredo.
No entanto, um morador da região que era criança em 1967 lembra-se de ter visto as escavações e deu uma indicação aproximada de onde podem estar as covas de cerca de 40 soldados.
Réveil, que posteriormente se tornou ferroviário, está “um tanto impressionado com a demanda da mídia”, disse Brugère.
“Ele é um senhor muito gentil. Ele era contra a violência e, na Resistência, nunca disparou um tiro.”
“Tudo o que ele quer agora é que os soldados mortos sejam lembrados e que suas famílias sejam informadas de onde seus corpos estão. E que talvez um pequeno memorial seja erguido no local.”