O Conselho de Sentença do 4º Tribunal do Juri do Rio de Janeiro condenou nesta quinta-feira (31) os ex-policiais militares Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz pelos assassinatos da vereadora Marielle Franco (PSOL) e de seu motorista Anderson Gomes. Réus confessos, eles foram sentenciados após 2.423 dias do crime.
Como foi o julgamento
O juri durou dois dias. Nesta quinta-feira os promotores do Ministério Público, os advogados da assistência de acusação e da defesa dos réus defenderam suas teses aos jurados. O MP pediu a condenação máxima de 84 anos por todos os crimes que Ronnie Lessa e Élcio de Queiroz respondem.
O promotor de Justiça Fábio Vieira classificou como “farsa” o depoimento de Lessa e Élcio diante do júri, na noite desta quarta-feira, e afirmou que os réus não estão arrependidos, mas sim tristes por terem sido pegos. Os promotores do Ministério Público também destacaram o sangue frio com que o ex-PM relatou o crime.
— Na verdade, eles não estão com sentimento de arrependimento, estão com uma tristeza de terem sido pegos. Estão arrependidos? Não. Porque isso vai beneficiá-los de alguma forma. Isso é uma característica do sociopata. Ele não tem emoção em relação aos outros, não tem sentimento, não valores, não tem empatia — afirmou Fábio Vieira.
O advogado de Ronnie Lessa destacou a importância da delação dada por ele, no qual indicou Chiquinho e Domingos Brazão como os mentores.
— Se não fosse a colaboração de Ronnie Lessa, nunca teriam chegado. Ronnie não confiava nas instituições do Rio de Janeiro. Ele tinha um certo temor em falar essas questões e, evidentemente, isso não ser levado para frente. No julgamento de hoje, eu peço a condenação de Ronnie Lessa, mas que ele seja condenado de uma forma justa. Que ele responda à medida de sua culpabilidade — afirma o advogado Saulo Carvalho.
Já os defensores de Élcio de Queiroz buscam reduzir a pena do réu confesso defendendo que ele não tinha conhecimento prévio do crime ou a motivação para o homicídio. Segundo a advogada, Queiroz acreditava que apenas Marielle seria morta por Lessa ser um “exímio atirador”, e não que poderiam haver outras vítimas.
— Que seja condenado na medida de sua culpabilidade. Ele assumiu os fatos, ele narrou os fatos, fala a verdade, o que é obrigatório porque, se não, o acordo pode vir a ser cancelado. Ele tem compromisso de falar a verdade. Mas ele tem que ser responsabilizado de acordo com a sua culpabilidade — disse Ana Paula Cordeiro.
Famílias e amigos revisitaram o crime em 13 horas de juri
O primeiro dia do juri aconteceu 2.422 dias após 14 de março de 2018, quando Marielle e Anderson foram mortos no Estácio, Zona Norte do Rio. Detalhes marcantes de todo esse tempo foram revisitados pelas famílias e amigos das vítimas. Diante do Fórum do Tribunal de Justiça do Rio, manifestantes de movimentos sociais se juntaram a parentes das vítimas em um protesto, carregando faixas e girassóis. No lado de dentro, nove testemunhas prestaram depoimentos, alguns comoventes, cheios de lembranças.
O momento do crime
Única sobrevivente do ataque ao carro onde estavam Marielle e Anderson, a assessora Fernanda Chaves relembrou o que aconteceu na noite do crime, no Estácio, bairro da região central da cidade. Os três tinham saído de um evento na Lapa e seguiam para a Tijuca, na Zona Norte.
— Estava tarde, era noite. Estava vazio. Anderson dirigia bem, tranquilamente. O carro era muito escuro, muito microfilmado. Eu e Marielle conversávamos sobre o dia, sobre o ato, evento que tinha acabado de acontecer. E aproveitávamos para falar sobre o dia seguinte, uma reunião importante que ela teria — iniciou Fernanda. — Eu estava muito ensanguentada, muito suja de sangue e comecei a pedir ajuda, a gritar por socorro; “Ajuda, ajuda. Liga para uma ambulância”. Essas pessoas se aproximaram. Uma mulher ofereceu ajuda. Vi uma mulher atravessando, vindo com um bebezinho pequenininho de colo. Essas lembranças sempre foram difíceis e confusas porque eu não enxergava direito. Meu corpo inteiro ardia. Eu não tinha certeza se tinha sido atingida ou não. Eu olhava para a Marielle lá dentro e queria acreditar que ela estava viva. Que ela… Imaginei que ela pudesse estar desmaiada. Como eu saí tão inteira dali, não queria admitir que ela pudesse estar morta.
O choque
Por 45 minutos, Marinete Silva, a mãe de Marielle, descreveu os momentos ao lado da filha, desde o nascimento, e contou como a morte impactou a família.
— Cada vez mais dói, dói muito. Perder uma mãe, como a Luyara perdeu, nunca passou em nossa mente o que aconteceu com a minha filha. É uma falta, um vazio, um coração que tem um pedaço que foi arrancado covardemente, injustamente, naquele noite — disse. — Fico imaginando que alguém foi pago para matar minha filha.
Dona Marinete, a certa altura, pediu para fazer um adendo:
— Eu não estou aqui para falar da Marielle enquanto parlamentar, enquanto símbolo de resistência que essa mulher é hoje para tanta gente no mundo. Estou aqui como uma mãe que sofreu esses anos todos com a falta da filha.
Motivação surpreende
A viúva de Marielle, a vereadora Monica Benicio (PSOL), disse ter ficado surpresa ao saber que a morte da vereadora tinha sido uma execução. Ela se emocionou ao relembrar o que aconteceu:
— A assassinato da Marielle, a notícia da morte dela, quando vem com a confirmação da execução e não como uma tentativa de assalto, tinha também em si esse requinte de crueldade, da surpresa, da dúvida, porque a Marielle no geral era uma pessoa que se dava bem com todo mundo.
Impacto na família
As palavras de Ágatha Arnaus, viúva do motorista Anderson Gomes, emocionaram o plenário. Ela lembrou que o filho do casal tinha 1 ano e 7 meses quando o crime aconteceu. Na sessão, o Ministério Público mostrou um vídeo de Anderson tomando conhecimento de que seria pai, com brincadeiras e risos entre o casal em meio ao anúncio da gravidez. Ághata desabou.
— A primeira coisa que Arthur fez foi falar “papai”. Eu não sei se o Arthur tem toda a compreensão do que aconteceu (morte do pai). Ele viveu uma vida com uma mãe destruída. Ele (Anderson) perdeu todos os Dias dos Pais, as festas da família — contou. — O pior momento que vivi com meu filho foi seis meses depois da morte do Anderson. O Arthur precisou passar por uma cirurgia, e eu estava sozinha com ele. Foi a primeira vez que eu estava sem o Anderson em um hospital com meu filho. Os médicos falavam para eu me preparar, porque a situação era frágil. O Anderson era a pessoa que sempre dizia que tudo ia dar certo. Eu achei que fosse perder a família que eu construí; eu não ia aguentar.
A investigação
O investigador da Polícia Civil Carlos Alberto Paúra Júnior contou como foi a etapa do trabalho da Polícia Civil comandada pelo delegado Giniton Lages, que, por sua vez, está sendo investigado no Supremo Tribunal Federal. O policial diz ter ficado responsável por localizar o carro usado no crime, que, segundo os réus, foi levado no dia seguinte à execução para ser desmontado numa oficina em Rocha Miranda, na Zona Norte.
— Participei ativamente. Eu fazia parte do núcleo que investigou o veículo utilizado nas mortes das vítimas. É importante informar que chegamos à DH da capital uma semana após o crime. Tínhamos imagens do veículo e a placa. Neste momento, o Doutor Giniton separou a investigação em núcleos. Eu fiquei no núcleo de investigação desse veículo. Nós precisávamos saber de onde esse veículo partiu e para onde esse veículo foi. Minha parte foi oficiar a CET-Rio para pegar todas as informações de todos os veículos que transitaram no Centro da cidade naquele momento — contou. — Nós no começo não queríamos informar a placa à CET-Rio. Porque senão ia vazar muito a informação.
A arma
Testemunha esperada no Tribunal do Júri, a perita Carolina Rodrigues trabalhou na reprodução do duplo assassinato. Ela não compareceu à sessão pessoalmente, mas, em vídeo enviado, assegurou que a arma usada no dia do crime era uma HK MP5.
— Fui responsável por todo o procedimento técnico pericial da reprodução. Na questão da arma nós já tínhamos informações sobre uma suspeição de que era a MP5 pelos exames de balística realizados — disse ela. — No tempo em que os disparos foram realizados, no dia da morte da vereadora, e com o carro em movimento, a gente não conseguiria aquele tipo de perfil aglomerado de disparos em tão pouco tempo com uma pistola intermitente, por exemplo. Teria que ser uma pistola com kit rajada. Tenho convicção de que foi uma submetralhadora disparada no modo automático.
Férias após o ataque
Em seu depoimento, Guilhermo Catramby, delegado da Polícia Federal que entrou no caso Marielle Franco em 2023, frisou que Ronnie Lessa era alinhado a um “extremismo de direita” e que tinha fortes laços de amizade com Élcio de Queiroz. Para ilustrar essa relação, que incluía convivência entre as famílias dos dois, o delegado mencionou passeios feitos pelos amigos e, em março daquele ano, uma viagem internacional:
— Ele levou o filho de Élcio para a Disney e, depois, passaram o carnaval em Angra dos Reis, passeando de lancha.