Em sua delação premiada, homologada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o ex-policial militar Ronnie Lessa disse que o delegado de polícia civil Rivaldo Barbosa de Araújo Junior vetou de acordo com a colunista Malu Gaspar, do O Globo, que o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) e do motorista Anderson Gomes ocorresse na saída da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, na região central da cidade.
O fato de Rivaldo Barbosa, então diretor da divisão de homicídios da Polícia Civil do Rio, ter sido alçado ao posto de chefe da Polícia “fatalmente deu mais tranquilidade para os executores durante a empreitada criminosa”, aponta o relatório da Polícia Federal.
“Jamais em hipótese alguma poderia sair da Câmara de Vereadores, ou seja, ela (Marielle) sendo seguida da Câmara de Vereadores e morrer tendo saído da Câmara de Vereadores, teria que ser a partir do endereço que logo depois o Macalé trouxe, que seria o endereço da Rua do Bispo”, contou Ronnie Lessa, em trecho da delação tornado público neste domingo por decisão do ministro Alexandre de Moraes.
Eleita vereadora do Rio de Janeiro pelo PSOL em 2016, com 46 mil votos (a quinta candidata mais bem votada do município), Marielle Franco teve o mandato interrompido por 13 tiros na noite de 14 de março de 2018, num atentado que vitimou também seu motorista Anderson Gomes
Edmilson da Silva de Oliveira, o Macalé, mantinha relação de amizade próxima, desde o início dos anos 2000, com os irmãos Chiquinho Brazão e Domingos Brazão, apontados como “autores intelectuais” do crime, ao lado de Rivaldo.
Marielle e Anderson foram executados em 14 de março de 2018, após deixar a Casa das Pretas, na Rua dos Inválidos, no Centro do Rio. Ao passar pelo bairro Estácio, na região central da cidade, o carro em que os dois estavam foi alvo de tiros disparados por um veículo que emparelhou.
Ao monitorar os passos de Marielle, Ronnie Lessa recebeu a princípio o endereço residencial dela, na Rua do Bispo, no bairro de Rio Comprido.
Segundo o relatório da PF, ele e Macalé foram a campo “observar todas as peculiaridades” do local. Para o ex-PM, no entanto, o local era de “difícil monitoramento”, uma vez que as condições de rua, como policiamento e dificuldade para estacionar veículos, “inviabilizava o desenvolvimento de uma satisfatória vigilância” da rotina da vereadora.
Ronnie Lessa aprofundou então a pesquisa sobre o rotina de Marielle e se deparou com um bar na Praça da Bandeira, mas também ficou insatisfeito com as condições do local, que inviabilizariam uma “tranquila execução”.
“Com o passar do tempo Lessa foi ficando impaciente com a falta de avanço na empreitada e resolveu buscar uma alternativa mais fácil: monitorar Marielle na saída da Câmara dos Vereadores. Entretanto, tal alternativa esbarrava na única exigência apresentada pelos irmãos Brazão, qual seja, aquela imposta por Rivaldo Barbosa, então Diretor da Divisão de Homicídios da PCERJ (Polícia Civil do Estado do Rio) e garantidor da impunidade”, afirma o relatório da PF.
Irritado, Lessa chegou a procurar Macalé para agendar uma nova reunião com os irmãos Brazão para que o veto à realização do crime no trajeto da Câmara de Vereadores fosse removido, sob pena de ele mesmo desistir de participar do crime.
Lessa, Macalé, Domingos e Chiquinho Brazão acabaram se encontrarando nas imediações do Hotel Transamérica, na Barra da Tijuca, “ocasião na qual foi estabelecido pelos irmãos que eles não poderiam passar por cima das ordens de Rivaldo”, aponta a PF.
Segundo relato da delação premiada de Ronnie Lessa, o conselheiro do tribunal de contas do Rio Domingos Brazão teria dito a Macalé em outra ocasião: “O Rivaldo é nosso”. E não só. Para os envolvidos no crime, com a atuação de Rivaldo na Polícia Civil, a DH (Divisão de Homicídios) “tava na mão”, “a Polícia Civil tava toda na mão”.
Ronnie Lessa fechou acordo de colaboração premiada com a PF e está detido na penitenciária federal de Campo Grande (MS) e responde a dez ações penais — entre elas, é réu por dois duplos homicídios e tráfico de armas.