Já é Carnaval cidade. Esse clichê já pode ser repetido em Salvador desde o último sábado (23), com a realização do Fuzuê, na região da Barra. E ainda temos pela frente ao menos sete dias de folia de Momo. Do sábado anterior ao Carnaval até a Quarta-Feira de Cinzas, a capital baiana teve apenas um dia sem festas oficiais, a segunda-feira. É o começo do ano para boa parte da população, que espera o Carnaval passar para colocar em prática o planejamento realizado ainda no ano anterior.
Politicamente, a edição de 2019 não parece muito propícia a polêmicas. O prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM), e o governador Rui Costa (PT) estão em clima de paz e dividirão os holofotes na entrega da chave ao Rei Momo nesta quinta (28), quando oficialmente começa a festa. O protagonismo tende a ser do prefeito, porém, ao que parece, o governador optou por não criar mais tensões na relação entre ambos. Em muitos anos, é o primeiro Carnaval da paz entre os dois grupos políticos que disputam o poder na Bahia.
A festa, todavia, não deve passar sem discutir temas relevantes. O Carnaval de 2019 é o primeiro em que a lei de importunação sexual está em vigor e há uma crescente força de movimentos como o “Não é Não”. A iniciativa é louvável e deve ser aplaudida. Porém precisa ter resultado prático e, infelizmente, não depende apenas das pessoas envolvidas para consegui-lo. Homens, principalmente, precisam perceber que assédio é muito mais do que um crime. É um desrespeito ao convívio social, algo muito custoso para qualquer civilização.
A violência contra a mulher não é apenas mimimi ou um simples agendamento da mídia. Quando não se coíbe práticas que no passado eram menores, a exemplo do beijo roubado, se cria uma sociedade inepta a lidar com as consequências desse machismo estrutural. O consentimento não é apenas necessário. É imprescindível. Exigir menos que isso nos torna tão abjetos quanto quem pratica o ato. E isso não é algo que sempre esteve presente. É resultado de uma profunda reflexão sobre nossos próprios papeis sociais.
Outro tema que precisa estar presente é o debate sobre racismo, tão estrutural quanto o machismo. E o ato envolvendo o empresário Crispim Terral, policias militares e um gerente da Caixa Econômica Federal ter acontecido em uma agência que fica no circuito mais tradicional da festa pode ser um símbolo. A sociedade é preconceituosa. É racista. E falar sobre isso é tão importante quanto combater a violência contra mulher e a importunação sexual.
No Carnaval, temas pesados podem ser discutidos com a leveza da presença do Momo. Bebamos à vontade, pulemos à vontade e nos divirtamos à vontade. Porém não nos esqueçamos que os problemas não vão sair da pauta. E que, na “Quinta-Feira de Cinzas”, quando tudo tiver voltado ao normal, não continuará sendo não, o racismo continuará sendo crime e ainda teremos muito o que melhorar.
Por Fernando Duarte