“Este é um espaço de liberdade e estamos garantindo o princípio de pluralidade nesta audiência”, disse a presidente do STF, Cármen Lúcia, ao abrir a audiência com mais de 20 especialistas, no plenário da 1a Turma da Corte, para defender e apresentar argumentos sobre diferentes posições a respeito da descriminalização do aborto até a décima segunda semana de gravidez.
O tom do discurso da ministra, com apelo pela tolerância e respeito, também dominou a fala de outros ministros e autoridades que foram convidadas para acompanhar a discussão. “Todas as opiniões são dignas de serem ouvidas e acreditadas. Ainda que para depois divergir. Só é possível divergir se conhecer”, destacou Cármen Lúcia.
Relatora da ação que pede para que a interrupção da gravidez deixe de ser crime, a ministra Rosa Weber, que convocou a audiência, afirmou que a escolha dos mais de 40 participantes repeitou o princípio da pluralidade de pontos de vista. “Falar de democracia constitucional sem compreender os valores fundamentais que a viabilizam é incidir em mera retórica e indesejáveis palavras vazias”, reforçou a ministra, ao defender que o conflito pode enriquecer o debate, sem que haja necessidade da violência de ordem física ou verbal. “No lugar da violência, instituições e regras. Tenho certeza que ao final dessas audiências esta Corte estará enriquecida e preparada para julgar [a ação]”, disse.
O ministro Luiz Roberto Barroso reforçou o apelo. “As democracias contemporâneas são feitas de votos, direitos e razões. As cores da vida tem as cores das lentes por quais se olha. Cada um nessa vida tem o direito de viver de acordo com as próprias convicções”, afirmou.
Ao longo de todo o dia de hoje (3), mais de 20 especialistas da área de saúde, cientistas e representantes de entidades de direitos humanos vão se revezar no plenário da 1a Turma do STF apresentando diferentes posicionamentos e argumentos sobre o assunto. Nesta próxima segunda-feira (6), o debate será retomado com representantes religiosos e de entidades de direitos humanos.
Apenas depois dessas exposições a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, vai se manifestar sobre a descriminalização do aborto. Sem prazo pré-definido, a expectativa de assessores da Corte é que o parecer seja entregue em até 10 dias.
O vice-procurador-geral da República, Luciano Maia, que substitui a procuradora-geral na audiência, exaltou a decisão de colocar o tema em debate com especialistas de diversas áreas. “O tema revela que o papel de uma corte constitucional é lembrar que um direito posto só o é porque o povo naquele momento assim o aceita. Aqui se discutirá a presença do Estado na vida privada. É um tema de imensa responsabilidade e por isso esta corte se agiganta para caber tantas correntes que aqui irão se pronunciar”, disse. Maia ainda destacou o fato de o tema ser relatado por uma ministra e ter o debate sob o comando de uma presidente da Corte mulher.
Com o parecer da PGR, Rosa Weber concluirá seu voto, que será submetido ao plenário do STF e julgado pelos 11ministros que integram a Corte.
O início das exposições no primeiro dia de audiência foi feito pelo Ministério da Saúde. Ao declarar que não defenderá um aspecto do debate, a diretora do Departamento de Vigilância de Doenças e Agravos não Transmissíveis e Promoção da Saúde, Maria de Fátima Marinho de Souza, apresentou números em tom de alerta.
A especialista afirmou que “apesar de todo o esforço do ministério, a carga do aborto inseguro é extremamente alta. Temos elevado número de interrupção da gestação. Uma em cada cinco mulheres já fez aborto neste país. Por ano, há um milhão de abortos induzidos no país”. Maria de Fátima ainda destacou outras estimativas que apontam que esses procedimentos, de forma insegura, resultam em 250 mil hospitalizações por ano, 15 mil complicações, sendo 5 mil extremamente graves com risco de vida, e outras 203 mortes por ano.
“É quase uma morte a cada dois dias. Essa carga gera superlotação, dificuldade de lidar com as complicações, traz para o SUS [Sistema Único de Saúde] sobrecarga evitável e gera custos humanos e financeiros”, alertou. A médica ainda acrescentou que são as mulheres mais pobres, jovens e negras que mais sofrem as consequências “por não terem acesso aos processos que, ainda ilegal, são mais seguros”. Segundo ela, o aborto ilegal é a terceira principal causa de mortalidade materna. Com informações da Agência Brasil.