Todos os dias partem dos portos de Vitória, São Luís e do Rio de Janeiro, cargueiros com toneladas e toneladas de minério de ferro. É o bem mineral que há tempos ocupa o topo da pauta de exportações brasileira e cujas vendas, no ano passado, renderam quase US$ 30 bilhões.
Mas ainda que o apetite global por minério de ferro continue quase intocável, as atenções agora estão em outras riquezas do subsolo, registra Marcos de Moura e Souza, em reportagem no jornal Valor.
Os chamados minerais estratégicos, ou minerais críticos – principalmente aqueles usados em baterias para carros elétricos, painéis solares, turbinas eólicas e em outros equipamentos e processos ligados à transição energética – se tornaram agenda obrigatória para economias desenvolvidas e para países ricos em recursos minerais.
Para os que estão no segundo grupo, como o Brasil, o momento é visto como o início de uma janela de possibilidades para mais atração de investimentos, mais arrecadação, empregos, novas pesquisas minerais e para a diversificação das exportações.
Passar, no entanto, de grande exportador de minério de ferro para um grande exportador também de lítio, de cobalto, de cobre, de níquel – alguns dos considerados estratégicos e ligados transição para energias limpas – é um desafio que demanda avanços cobrados há muito pelo setor mineral.
O primeiro é responder algo que parece simples. O que existe debaixo do solo brasileiro?
Enquanto o conhecimento geológico sobre minério de ferro e ouro, por exemplo, já está bem estabelecido pelo país, muito ainda a fazer em relação a minerais que apenas recentemente passaram a ser olhados com interesse econômico.
“O Brasil ainda tem seu potencial mineral subdimensionado, em especial para os grupos dos minerais críticos”, diz o geólogo Roberto Perez Xavier, diretor-executivo da Agência para o Desenvolvimento e Inovação do Setor Mineral Brasileiro (Adimb), que reúne mineradoras, entidades e órgãos governamentais.
Xavier continua: “O conhecimento geológico do território nacional ainda está em escala não compatível para a pesquisa mineral eficiente: o mapeamento geológico no Brasil está 60% na escala de 1:250.000”. É uma escala que permite conhecer apenas as grandes unidades geológicas, mas sem detalhes que ofereçam uma visão mais detalhada sobre essa faixa extensa do território. Ainda assim, as informações que estão disponíveis mostram um quadro positivo sobre o potencial geológico do país para os minerais estratégicos, entre eles cobre, lítio, níquel, cobalto, minerais de terras raras e grafita, diz o geólogo.
Em 2021, o Ministério das Minas e Energia publicou uma resolução que definiu 25 minerais como estratégicos para o país.
São três categorias. Uma com aqueles que são vitais para a economia, mas que são importados em grande quantidade. Estão nesse grupo, fosfato e potássio, usados como fertilizantes. Outra categoria inclui os minerais essenciais e que geram superávit na balança comercial. Entre eles, ferro, ouro e manganês.
A maior categoria é a de minerais usados em produtos e processos de alta tecnologia, muitos deles diretamente relacionados à transição energética. São 16 ao todo.
Numa tentativa de viabilizar com mais rapidez empreendimentos dedicados a minerais estratégicos, o governo criou uma política de apoio aos processos de licenciamento ambiental desses projetos. A iniciativa foi lançada no governo Jair Bolsonaro e mantida no governo Lula. Mas apenas 19 projetos foram até agora habilitados pelo programa.
Raul Jungmann, diretor do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), diz que além de apoio ao licenciamento e além de incremento no mapeamento geológico, o Brasil tem outros gargalos a resolver se quiser aproveitar melhor as chances desse novo segmento de minerais.
“Nós temos imensas possibilidades, mas existe o gargalo na pesquisa, existe um gargalo em termos de financiamento ao setor e existe um gargalo que é a ausência de uma política nacional de minerais estratégicos”, diz ele. “Essa é uma janela extraordinária para o Brasil e nós não temos um plano nacional de minerais críticos”, afirma Jungmann.
Uma resolução do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, republicada ontem com alguns ajustes no “Diário Oficial”, lista diretrizes do que o governo tem chamado de nova política industrial. Essas diretrizes foram discutidas no dia 6 em reunião do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI).
A que trata de descarbonização tem entre os objetivos “expandir a capacidade produtiva da indústria brasileira por meio da produção e da adoção de insumos, inclusive materiais e minerais críticos, tecnologias e processos de baixo carbono, com eficiência energética”.
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) é um dos órgãos que participam desse debate. Um grupo está trabalhando para avaliar ferramentas de crédito para incentivar o segmento dos minerais críticos.
A frase sempre repetida quando o assunto é transição para economia de baixo carbono é que essa meta só será atingida como o aumento da produção de minerais críticos.
Agência Internacional de Energia (IEA) estima que, a depender do cenários, a demanda por minerais que são usados em tecnologias de energia limpa vai dobrar ou quadruplicar em 2040. A agência sintetizou em um quadro alguns dos minerais críticos mais demandados por tecnologias de energia limpa. Cobre, por exemplo, aparece como chave em painéis solares, turbinas eólicas e baterias. Níquel, para geração de energia por meio de hidrogênio. Cromo, para energia geotermal.
Carros elétricos e baterias recarregáveis são as apostas com maiores dependências de minerais críticos, segundo o resumo da agência: alumínio, terras raras, níquel, cobalto, cobre e lítio.
No início do mês, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) aprovou a venda de duas minas no Brasil (Santa Rita, em Minas Gerais, de níquel; e Serrote, na Bahia, de cobre) para a ACG Acquisition Company, com ações na bolsa de Londres. Entre os grandes acionistas da ACG está o grupo Stellantis (que reúne Fiat Chrysler, Peugeot-Citröen e outras montadoras). A aquisição foi avaliada em US$ 1 bilhão.
No Brasil, investidores e mineradoras também apostam no potencial de área para exploração de lítio. A Sigma Lithium, empresa listada na bolsa do Canadá, com operação no Vale do Jequitinhonha, em Minas Gerais, é a companhia do setor do lítio cujo empreendimento está em estágio mais avançado no país. A empresa se apresenta como processadora de lítio que classifica como verde — por não usar químicas no processamento do mineral.
“Através de sua inserção nas maiores cadeias de fornecimento do insumo industrial de litio verde, o Brasil pode acelerar a modernização de nossa indústria de base”, diz Ana Cabral, CEO da companhia. Ela vê a Sigma no papel de catalisadora de um ecossistema industrial no Brasil que poderá usufruir da demanda criada pela transição energética, principalmente, no hemisfério norte.
Além da Sigma, outros projetos, também em Minas, tentam também avançar com vistas a atender ao novo mercado de baterias e de carros elétricos.
Baterias com lítio para veículos elétricos já foram chamadas por Elon Musk, da Tesla, como “o novo petróleo”. As maiores reservas do mineral estão no Chile (57,1%), Austrália (19,3%) e Argentina (14,3%), segundo dados do Serviço Geológico dos EUA compilados em um relatório da OCDE sobre matérias-primas críticas para a transição energética divulgado em abril.
O Brasil, no mesmo relatório, aparece entre os países com maiores reservas mundiais de níquel (12,4%), manganês (13,6%), terras raras (18,3%).
Uma amostra do interesse do potencial do Brasil em minerais estratégicos foi vista em Londres, em junho. Um evento sobre o tema ocorrido na Embaixada do Brasil mineradoras como Rio Tinto e Anglo American, empresas de trading, como a Sumitomo, investidores como a Universities Superannuation Scheme (com 82,2 bilhões de libras esterlinas de fundos sob gestão), além de empresas de tecnologia, fornecedores de equipamentos especializados, acadêmicos e consultores com expertise em minerais críticos.
“O interesse foi tanto que tivemos uma lista de pessoas que queriam participar”, lembra a advogada do escritório Aroeira Salles em Londres e presidente da Câmara de Comércio brasileira no Reino Unido. “A percepção aqui é que o Brasil tem um grande potencial na área de minerais críticos, mas talvez seja necessária mais divulgação”, diz Vera na reportagem de Marcos de Moura e Souza, no jornal Valor.
Bráulio Borges, economista-sênior é economista-sênior da área de macroeconomia da LCA Consultores e pesquisador-associado do FGV Ibre vê a demanda por minerais estratégicos como uma janela e um impulso renovado para o setor mineral brasileiro. Uma janela que tem relação direta com a eletrificação dos carros, mas também com a ideia de neoindustrialização que o governo tem tentando impulsionar e, de forma mais ampla, com as perspectivas pós-pandemia e por conta da guerra na Ucrânia de grandes economias buscarem fornecedores mais próximos de seus mercados. É o conceito de nearshroring que, ao menos em tese, daria vantagens ao Brasil como fornecedor para indústria americana e europeia em detrimento de países da Ásia.
Borges traça um cenário otimista. “O Brasil pode se beneficirar não só com a produção de minerais críticos, mas também investindo na produção de itens com maior valor agregado baseados nesses minerais.”
Ampliar o conhecimento geológico, criar mais ferramentas de financiamento, tornar mais ágeis processos de licenciamentos e dar saltos tecnológicos com recursos minerais são os velhos desafios do setor mineral que valem para o novo mercado dos minerais críticos.
Apesar do cenário otimista, Borges anota uma dose ceticismo em relação à capacidade o país surfar bem essa nova onda. “A gente tem uma boa oportunidade pela frente. Mas ao mesmo tempo a gente sabe que o Brasil não perde a oportunidade de perder oportunidades.”