Foi numa casa sem janelas, nem portas entre os cômodos ou água encanada na favela Cinco Bocas, na capital fluminense, que a artista e agora candidata a deputada federal Sol Miranda (PSB), de 32 anos, cresceu.
Conforme publicação no jornal O Globo, a atriz e gestora cultural, se define como “fruto de políticas públicas”. Afinal, ingressou na faculdade por meio da Lei de Cotas do Prouni e teve projetos apoiados por editais do governo de fomento à cultura.
Na Câmara dos Deputados, ela quer ampliar os programas sociais para prover a outros como ela oportunidades para também chegar lá.
Para Sol, as políticas públicas para as favelas são insuficientes e não são colocadas como prioridade nos debates. E também avalia que existe um número “insignificativo” de parlamentares que nasceram e cresceram nessas comunidades.
— A política é um espaço nosso também. Nos ensinaram que não. Mas ela está no nosso dia a dia, é parte da nossa construção — diz ela.
Pouco familiar ao perfil do Parlamento, a periferia está na origem de candidatos que procuram torná-la a identidade de suas campanhas.
A advogada Mayara Torres (PSB), de 27 anos, fazia campanha na Zona Sul de São Paulo, próximo à favela onde cresceu, quando um homem se aproximou e lhe deu um conselho: “quando você for panfletar, não fala que você é da periferia, não. Pega mal”.
Esse e outros comentários têm acompanhado seus comícios pelas ruas, mas ela nega mudar a postura. Seu objetivo é conseguir uma vaga na Assembleia Legislativa para levar as pautas da periferia ao plenário.
— Ser menina da favela faz parte da minha origem, eu não vou mudar isso. A política é que precisa de mais gente com “diploma de realidade” — afirma ela.
Mayara cresceu numa ocupação na Favela da Borracha, na periferia de São Paulo, ao lado da Vila Missionária, bairro onde a deputada federal Tabata Amaral (PSB) cresceu. Pela proximidade de local e pautas, as duas se aproximaram, e hoje fazem campanha juntas na região.
O distanciamento entre periferia e política ganhou um capítulo neste mês, quando o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) autorizou que Douglas Belchior exibisse uma foto de boné na urna eletrônica. O ministro Sérgio Banhos argumentou que o acessório faz parte de uma característica sociocultural do postulante à Câmara dos Deputados e não é apenas um adereço.
O caso chegou ao TSE por meio de um recurso apresentado pela defesa do candidato, que é militante do movimento negro e que este ano decidiu concorrer a uma vaga como parlamentar.
Quando apresentou o seu registro de candidatura, Belchior juntou ao processo uma foto em que aparece ostentando um boné de aba reta. Mas o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo (TRE-SP) barrou o uso do chapéu, por entender que se tratava de um mero “elemento cênico”.
Para Belchior, hoje candidato ao cargo de deputado federal pelo PT de São Paulo, o boné se transformou num “marcador social de perseguição da população negra”.
— É só a gente se lembrar de como o moleque da periferia é tratado na escola quando vai de boné, ou que o policial militar usa isso como elemento para (torná-lo) alvo de abordagem — diz Belchior.
Belchior tem 43 anos, é nascido em Suzano (SP) e criado na divisa entre Poá (SP) e Itaim Paulista (SP), no extremo Leste, onde mora até hoje. Professor de história, ele é o primeiro da família a se formar no Ensino Superior.
Ele diz que, como negro, da periferia e ativista, há risco permanente em sua atuação. Isso porque o Brasil é um dos países que mais criminalizam movimentos sociais. A Organização Global Witness apontou que 20 assassinatos de ativistas foram registrados no país em 2020, posicionando o Brasil como o quarto local mais violento no mundo.
Dois anos antes, a vereadora Marielle Franco, do PSOL, criada na favela da Maré (RJ), havia sido assassinada, num crime cujos mandantes são até hoje desconhecidos.
— Infelizmente não há uma novidade objetiva nos ataques que hoje acontecem contra lideranças de movimento negro e lideranças periféricas que radicalizam ou a profundam a sua atuação política, só que hoje o ambiente está mais extremo — diz.
O entendimento da favela como lugar exógeno às discussões sobre política virou polêmica na disputa presidencial dias atrás. Explicando seu plano econômico a uma plateia de empresários, o candidato do PDT Ciro Gomes disse ter feito um “comício para gente preparada” e colocou em dúvida a compreensão sobre os mesmos assuntos caso tivesse feito uma palestra em uma favela.
— É um comício para gente preparada, você imagina eu explicar isso na favela, né — disse Ciro.
A declaração foi criticada nas redes sociais, e Ciro culpou adversários pela repercussão negativa do episódio.