terça-feira 22 de outubro de 2024
Campos Neto, está do comando do Banco Central desde 2019 - Foto: Manoel Ventura/O Globo
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domingo 20 de outubro de 2024 às 11:30h

Campos Neto, da relação ruim com Lula aos convites para se candidatar

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Segundo reportagem de Manoel Ventura, do O Globo, faltando dois dias para a posse de Lula da Silva (PT) para o seu terceiro mandato, Roberto Campos Neto se dirigiu ao hotel onde o presidente eleito estava hospedado e que se transformara numa espécie de QG do petista antes dele voltar ao Palácio do Planalto. Era o primeiro encontro entre os dois e o futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, também estava presente.

A conversa de meia hora foi interrompida algumas vezes por assessores, não deu liga e azedou de vez a relação pelos próximos dois anos. Nomeado por Jair Bolsonaro (PL) em fevereiro de 2019, Campos Neto foi à reunião com a sensação de já haver uma situação posta de antagonismo com o Banco Central autônomo, aprovado dois anos depois. O presidente do BC se apresentou, disse a Lula e a Haddad que sempre teve autonomia na instituição e que era preciso ter essa mesma liberdade dali em diante. Defendeu equilíbrio das contas públicas e a institucionalidade do país, diz Manoel Ventura, na publicação do jornal neste domingo (20).

Lula falou pouco. Esperava menos discurso — ou “menos aula”, como confidenciou depois a um interlocutor. Haddad tentou contemporizar. Disse que Campos Neto era novo e com pouco conhecimento de política, mas não o convenceu. O que se seguiu àquele encontro foi uma relação tensa, difícil e com críticas duras e frequentes. Lula nunca engoliu não poder indicar (e demitir) o presidente do BC e vê Campos Neto como “bolsonarista”. Em junho, em entrevista a uma rádio maranhense, chegou a chamá-lo de “adversário político e ideológico”.

“Eu acho que demorou um tempo também para eles entenderem o que é autonomia”

Campos Neto, em defesa do seu trabalho no Banco Central

Nem mesmo o churrasco do fim do ano passado de Lula na Granja do Torto foi capaz de apaziguar a relação. Campos Neto foi ao encontro com todos os ministros, mas a falta de entrosamento ficou clara. Acabou a maior parte do tempo próximo a Haddad, com quem também mantém relação tortuosa. O ministro da Fazenda se queixa das observações que Campos Neto faz sobre a política fiscal — por vezes apontada como causa importante dos juros elevados. O presidente do BC já frisou em entrevistas que o país precisa de “um choque fiscal” para derrubar os juros — hoje a taxa Selic definida pelo BC está em 10,75%

— Eu acho que demorou um tempo também para eles entenderem o que é autonomia, o que significa isso e que, no final das contas, nenhum Banco Central quer subir juros. A gente quer trabalhar com juros o mais baixo possível — se defende Campos Neto, lembrando também que subiu os juros para 11,75% em 2022, pleno ano eleitoral.

Campos Neto, está do comando do Banco Central desde 2019 – Foto: Manoel Ventura/O Globo

São dois os principais argumentos apresentados pela esquerda para questionar a imparcialidade de Campos Neto no comando do Banco Central. O primeiro deles, a votação com camisa da Seleção Brasileira em 2022, o uniforme preferido dos apoiadores de Bolsonaro na eleição em que foi derrotado por Lula. Reservadamente, agentes do mercado e diretores de grandes bancos também viram o ato como uma escorregada.

Ele interpreta a situação como um ato privado e não público, e diz que não achava que isso poderia ter conexão com a forma de atuar no BC, justamente porque ocorreu depois de uma sequência de subidas de juros. Avalia, contudo, que poderia ter agido de maneira diferente.

O segundo episódio se deu em junho, quando o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, promoveu um jantar para Campos Neto no Palácio dos Bandeirantes, após o presidente do Banco Central ser homenageado com uma medalha na Assembleia Legislativa. Foram cerca de 60 convidados, entre empresários, banqueiros e políticos.

Entre um cardápio com carne, salmão e massa, Tarcísio discursou orgulhoso da amizade que mantém com Campos Neto e chamou o amigo de “extraterrestre” por, segundo ele, ter uma inteligência acima da média. A reunião tirou Lula do sério porque, a partir dali, saíram as especulações de que Campos Neto aceitara ser ministro da Fazenda de um eventual governo Tarcísio, caso seja o nome da direita para as eleições de 2026. Os dois são amigos próximos, numa relação que começou por conta das viagens que o então ministro da Infraestrutura do governo Bolsonaro fazia pelo mundo para vender ativos brasileiros.

O presidente do BC ajudava a compor a apresentação de slides que Tarcísio faria no exterior, com dados e detalhes sobre a situação do país. Foram dezenas desses encontros que fizeram os dois se aproximarem e estenderem essa relação para o campo pessoal. Os encontros entre os dois hoje são frequentes. As famílias também passaram a conviver juntas.

Convites para vida política

Não é de hoje que especulações ocorrem sobre uma possível entrada do presidente do Banco Central na política. Presidente do PP, o senador Ciro Nogueira chegou a sugerir que ele fosse o sucessor de Bolsonaro em caso de vitória da direita, em 2022. Mesmo com o insucesso, Nogueira segue em campanha para convencê-lo da ideia.

Por enquanto, Campos Neto nega a intenção. A família preferiu não se mudar para Brasília — o acordo inicial com a mulher e os filhos, aliás, eram apenas quatro anos na capital do país. Tempo que precisou ser ampliado quando a autonomia foi aprovada e o manteve no cargo até 2024. Está em São Paulo um dos seus hobbies preferidos: surfar em uma piscina de ondas instalada na Fazenda Boa Vista, condomínio exclusivo onde tem casa.

“Não sou candidato a nada”

Campos Neto, sobre ingresso na política

— Não decidi o que vou fazer. Decidi o que não vou fazer. Eu não vou estar no mundo público. Isso vocês podem me cobrar depois. Não sou candidato a nada, não vou trabalhar em nenhum governo. Vou para o mundo privado.

A sólida carreira de Campos Neto no mundo financeiro foi construída desde quando se mudou para os Estados Unidos, depois de passar a infância no Rio. Fez a graduação e o mestrado em economia na prestigiada Universidade da Califórnia (UCLA). Anos depois, voltou então para o Brasil para trabalhar no banco Bozano Simonsen, posteriormente comprado pelo Santander. No banco, começou na mesa de operações e galgou posições até liderar a tesouraria, última área em que trabalhou antes de ir para o BC.

“Não vou trabalhar em nenhum governo. Vou para o mundo privado”

Campos Neto, sobre futuro após deixar presidência do Banco Central

Em 2022, ele não planejava fazer parte de um governo, quando passou a integrar um grupo liderado por Paulo Guedes para montar um plano de governo para algum candidato, sem necessariamente saber quem poderia comprar aquelas propostas. Primeiro, se aproximou de Luciano Huck. Quando o apresentador desistiu da corrida presidencial, Guedes viu em Jair Bolsonaro uma forma de deslanchar as suas ideias.

Esse grupo se reunia todas as quartas-feiras no Leblon, na Zona Sul do Rio, onde Guedes mora. O trabalho cresceu e Campos Neto passou, ele próprio, a sediar em sua casa em São Paulo, toda quinta-feira, reuniões para discutir um programa para crédito e temas do mercado financeiro. O plano estava pronto quando Bolsonaro venceu as eleições e deu início à transição de governo, em Brasília. Com uma apresentação de baixo do braço, Campos Neto levou os projetos que julgava importantes ao então presidente do BC, Ilan Goldfajn, que à época se imaginava que permaneceria no governo. Mas Ilan não topou.

Daquele grupo de Guedes, Campos Neto era o que mais acompanhava o dia a dia do mercado e dos juros por conta do seu cargo de tesoureiro — função estratégica para qualquer banco, pois uma das atribuições básicas do cargo é buscar rentabilidade e liquidez para aquela instituição financeira. Além dessas credenciais, havia um simbolismo. Roberto Campos, o avô, foi um dos criadores do Banco Central do Brasil e era um defensor ferrenho do BC independente, com mandatos fixos para seus diretores, o que seu neto vivenciaria décadas depois.

Estilo próprio

O anúncio de Campos Neto para a chefia do BC foi uma surpresa para grande parte do mercado financeiro. Não era um nome, por exemplo, com experiência no setor público ou ligado a escolas de discussão macroeconômica no país. Mas foi uma surpresa que não contaminou o mercado, que havia comprado Paulo Guedes e suas indicações para a equipe econômica.

O novo chefe do BC logo tratou de circular pelo setor financeiro e imprimir um estilo próprio de gestão. O antecessor Ilan o aconselhou a não se preocupar muito com o lado político, porque geralmente os governos têm pessoas que cuidam diretamente disso. Na segunda semana rodando pelo Senado antes de sua sabatina, descobriu que não ia conseguir ter esse isolamento. Havia um calhamaço de projetos do BC para serem negociados e a articulação política do governo à época patinava. O governo estava às turras com o então presidente da Câmara, Rodrigo Maia.

Campos Neto foi então, ele próprio, negociar seus projetos. Conhecia Maia porque os dois cresceram no mesmo condomínio na Barra da Tijuca, no Rio. Conseguiu dele o compromisso de votar os projetos de interesse do BC. A necessidade de negociar esses projetos o fez se aproximar de líderes, dos presidentes das duas Casas e de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Passou a atuar também como uma espécie de olheiro das extravagâncias fiscais. Não se acanha em procurar deputados e senadores para alertar sobre o que considera positivo ou negativo em determinados projetos.

Em algumas ocasiões, fez alertas diretamente a Bolsonaro. Nas discussões da emenda que liberou gastos para a pandemia de Covid-19 e que tinha como contrapartida segurar salários de servidores, a “bancada da bala” ameaçava colocar uma exceção para policiais nessa trava. Para a equipe econômica, isso iria abrir a porteira e implodir a Proposta de Emenda à Constituição. Foi a Bolsonaro e conseguiu do presidente o compromisso de que não haveria apoio a qualquer “furo” na PEC.

Campos Neto, negociou projetos desde 2019 – Foto: Manoel Ventura/O Globo

Na pandemia, mais uma movimentação de Campos Neto foi relevante. Na ocasião, foi procurado por empresários pedindo ajuda para compra da vacina da Pfizer. Relatou isso a um amigo que conhecia o CEO da empresa, Albert Bourla. Numa conversa por telefone, Bourla confidenciou que o governo brasileiro estava com dificuldades de fechar o contrato. A empresa pediu a Campos Neto uma conferência direta com Bolsonaro e ofereceu um contrato de 100 milhões de doses.

O chefe do BC combinou com Tarcísio e o então ministro das Comunicações Fábio Faria abordar o assunto com Bolsonaro de forma conjunta e delicada. O presidente foi comunicado e concordou em se reunir com o CEO da Pfizer, com a presença também de Paulo Guedes. No mesmo dia, o governo comprou a vacina, mesmo sem ministro da Saúde no cargo, já que a reunião ocorreu em um dos momentos em que a pasta estava sem comando em meio à pandemia. Campos Neto foi vacinado pelo então ministro Marcelo Queiroga logo depois, numa cena que viralizou porque o presidente do BC foi registrado quase sem camisa.

Em um outro momento que mostra um presidente do Banco Central com muito mais articulação do que o cargo pede, Campos Neto alertou em uma reunião ministerial no governo Bolsonaro que a “narrativa” ambiental do país estava ruim e era preciso resolver isso. Foi nesse momento que começaram a aparecer cartas de investidores internacionais demonstrando preocupação com a política ambiental do Brasil.

Bolsonaro, naquele momento, havia escolhido o vice Hamilton Mourão para cuidar dos projetos relacionados à Amazônia. Em oposição à “boiada” de Ricardo Salles, ex-ministro do Meio Ambiente, que contaminou muito a visão de grandes investidores sobre o Brasil, o BC adotou resoluções e normas voltadas para investimentos verdes.

– Foto: Manoel Ventura/O Globo
Tamanha desenvoltura fez ministros de Bolsonaro iniciarem uma operação para tentar trocar Paulo Guedes por ele quando o ministro resistiu à ampliação do Auxílio Brasil às vésperas da campanha presidencial. Mas a articulação não foi para a frente. Campos Neto disse aos colegas que tinha um pensamento parecido com Guedes e, além disso, devia lealdade a ele. Chegou a dizer ao então ministro que pediria demissão caso soubesse que ele seria apeado do cargo.

Tecnologia e a chegada do Pix

Campos Neto sempre teve um interesse especial dentro do BC: tecnologia e inovação. Já estudava o assunto desde os tempos de faculdade, e seguiu com isso em mente quando trabalhava no Santander. Esse interesse faz o avanço da tecnologia ser a principal marca de sua gestão, com o lançamento do Pix, do real digital e do open finance, entre outras aplicações.

Lançado em 2020 e já em desenvolvimento antes da chegada de Campos Neto, o Pix rapidamente se popularizou e gerou momentos tensos tanto na relação com os bancos quanto dentro do próprio BC. Alguns prazos, por exemplo, foram antecipados de 2024 para 2020. Foram dezenas de reuniões que tomavam o sábado da diretoria e dos técnicos. Havia divergências entre diretorias que precisavam ser arbitradas.

O sistema financeiro também não ficou feliz. O Pix reduziu muito o uso de cartão de débito, que chegou a pagar 1% da remuneração total do sistema e hoje representa menos de 0,2%. Foi uma erosão na margem especialmente das grandes instituições financeiras.

Mesmo no governo Lula, Campos Neto seguiu ativo politicamente. Pediu votos da oposição a projetos de aumento de receitas apresentados por Haddad, como o que trata da taxação de contas no exterior. Mais recentemente, ligou para senadores da oposição para abrir caminho para a votação de Gabriel Galípolo como seu sucessor.

“Eu acho que as pessoas vão ser bem mais, vamos dizer, tolerantes (com Galipolo)”

Campos Neto, sobre seu sucessor no cargo

A escolha de Galípolo foi discutida entre ele e Haddad em um almoço na Índia no início de 2023. Ali, o nome ganhou força, assim como uma indicação antecipada para a diretoria do BC como forma de estreitar as relações e acelerar uma transição no comando da instituição. Foi Campos Neto que sugeriu a nomeação de Galípolo antes da presidência em si — o que acabou ocorrendo, com a escolha para a diretoria de Política Monetária. Da parte de Haddad, foi também uma forma de quebrar o gelo e colocar alguém de sua confiança no dia a dia da autoridade monetária. Por vezes, Galípolo tentava desempenhar uma função de “meio de campo” entre o BC e o governo.

Essa sensação de harmonia entre os diferentes diretores, porém, foi quebrada com o comunicado do Comitê de Política Monetária (Copom) de 8 de maio. Houve divisão na diretoria do BC sobre o ritmo de corte da taxa de juros. O Copom decidiu reduzir o ritmo de corte da taxa Selic — que caiu 0,25 ponto percentual, de 10,75% para 10,50% ao ano. Foram cinco votos nesse sentido pelos diretores indicados por Bolsonaro. Os quatro indicados por Lula, porém, votaram por manter um ritmo de queda de 0,5 ponto percentual.

“O Copom rachou”. Foi uma expressão comum em rodas do mercado financeiro e de Brasília naqueles dias. Passou-se uma impressão de divisão política dentro do Banco Central, o que é ruim para a credibilidade da instituição e prejudica os preços dos ativos do Brasil.

Campos Neto considera, ainda de acordo com reportagem de Manoel Ventura, do O Globo, que Galípolo será menos cobrado sobre as relações com o PT. O economista participou da campanha de Lula, em 2022, e foi o número dois de Haddad na Fazenda até 23 de junho, quando deixou o cargo.

— Meu sucessor vai em vários eventos também no governo e eu acho que as pessoas vão ser bem mais, vamos dizer, tolerantes, porque vão entender que já teve esse teste. Tem que diferenciar o que é proximidade do que é autonomia.

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