No que depender da fiscalização dos gastos de campanha, as eleições de 2022 têm tudo para serem conturbadas. Na última quinta-feira (15), a Câmara dos Deputados aprovou aumento de quase três vezes no Fundo Eleitoral para o ano que vem. O valor, que é de R$ 2 bilhões, deve saltar para R$ 5,7 bilhões, se os senadores concordarem.
Cerca de 70% do valor do fundo são fiscalizados pela Assessoria de Exame de Contas Eleitorais e Partidárias (Asepa), um setor do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) que conta com apenas 22 analistas. A equipe é responsável por examinar e assinar os pareceres das contas de campanha e dos partidos políticos.
Em caráter reservado à coluna, técnicos do TSE alertaram para o risco de não haver fiscalização eficiente dos gastos de campanha em 2022. Isso porque o aumento nos valores do Fundo Eleitoral não virá com aumento na equipe da Justiça Eleitoral – nem em Brasília, que cuida das campanhas presidenciais, nem nos estados.
Em 2015, já havia essa preocupação. Na época, o então presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Dias Toffoli, encaminhou para o Congresso Nacional projeto de lei propondo criação de 273 cargos efetivos para a Justiça Eleitoral nos estados, com lotação exclusiva nas unidades de fiscalização de contas. Também estavam previstos 302 cargos comissionados para esses setores. Mas a proposta paralisou no Congresso e não seguiu adiante.
Na época, o motivo da apresentação do projeto de lei foi o valor do Fundo Partidário, que triplicou em 2015. Era de R$ 365 milhões e passou para R$ 915 milhões. Segundo a justificativa do projeto, o valor do Fundo Partidário aumentou em 470% entre 2009 e 2015. Já os gastos de campanha cresceram 207% entre 2008 e 2014.
O ministro Gilmar Mendes, do STF, já tinha alertado para o risco de aumento galopante do Fundo Eleitoral a partir da decisão tomada pelo plenário do Supremo de proibir as doações de empresas a candidatos. Na sexta-feira (16), o ministro lembrou esse fato em sua conta no Twitter.
“Em 2015, quando o STF proibiu a doação de PJs nas eleições, alertei para o risco de inflação exorbitante do fundão. Ao invés, deveríamos fortalecer a fiscalização dos gastos de campanha (historicamente frágil). Em um sistema complexo, não há fórmulas prontas e nem almoço grátis”, escreveu Mendes.
O sistema de fiscalização da Justiça Eleitoral preocupa também a OEA (Organização dos Estados Americanos), que costuma acompanhar as eleições no Brasil. Em relatórios produzidos em 2018 e em 2020, o órgão recomendou reforço nas equipes de fiscalização de contas. “Na época, o Fundo Eleitoral era de R$ 2 bilhões. Imagina agora”, disse à coluna um técnico do TSE.
“O modelo de prestação de contas e a sua revisão apresenta importantes dificuldades e ineficiência. Esta situação se deve ao fato de que os recursos humanos para a fiscalização das contas ainda são insuficientes considerando o volume de trabalho. Isso explica, em parte, as demoras evidenciadas no julgamento das contas de processos eleitorais anteriores”, diz o relatório da OEA do ano passado.
Em 2018, a OEA fez alerta semelhante. “Apesar do aumento dos recursos públicos destinados a financiar campanhas eleitorais no Brasil, a equipe que fiscaliza o repasse e a utilização de tais fundos não foi ampliada. O fortalecimento do controle dificultaria a entrada de dinheiro de origem desconhecida na política e, por conseguinte, a corrupção eleitoral e tráfico de influência, o que poderia promover o restabelecimento da confiança da sociedade brasileira no sistema politico”, afirmou a OEA há três anos.