A última semana das eleições presidenciais de 2022 deve ser marcada por uma guerra de mobilização nas redes sociais estimulada pelas campanhas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e de Jair Bolsonaro (PL). A disputa voto a voto tem motivado um exército de anônimos, que se junta aos famosos, na tarefa de influenciadores digitais. Eles seguem orientações das campanhas para ações que tentam furar a bolha, evitar abstenções e convencer indecisos. Em meio a isso, uma enxurrada de notícias falsas confunde eleitores e aumenta o alerta no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Uma das estratégias dos dois candidatos são as chamadas “missões do dia”, mensagens que determinam o que os apoiadores devem compartilhar em grupos de famílias ou em redes individuais. Podem ser vídeos, cards, pedidos para assistir a lives, definidos pelas campanhas como algo que dá resultado.
De um lado, há os bolsonaristas, que estabeleceram desde 2018 uma expertise de mobilização na internet, e se beneficiam de atividades bem coordenadas. De outro, apoiadores de Lula, com grupos orgânicos crescentes no WhatsApp, Telegram e outras redes, para dar capilaridade às mensagens da campanha petista.
Os brasileiros são um dos povos que mais usam redes sociais no mundo, são 3h34 por dia, segundo pesquisas. “As campanhas não têm conteúdo para isso tudo, por isso elas dependem da militância digital”, diz o sócio da Arquimedes, Leonardo Barchini, que faz consultoria com base em redes sociais. Ele diz que a estratégia das campanhas são ainda estruturadas a partir do que é feito para a TV. “Os meninos da rede são secundários, o que é um erro.” Para dar engajamento, afirma, a estratégia nas redes precisa ter coordenação e direcionamento, as mensagens repassadas por todos devem focar em determinados temas.
Barchini vê uma “maturidade tecnológica” na população, o que faz com que até as fake news tenham que ser mais “sofisticadas”. Bolsonaristas e petistas têm investido no “jogo sujo” nas redes, com ações que provocam pânico moral, usam desinformação e ataques pesados aos candidatos. Nesta reta final, bolsonaristas passaram a usar a narrativa de que o TSE censura o presidente e seus apoiadores. O pastor André Valadão, defensor do mandatário, simulou ter sido obrigado pelo TSE a se retratar a Lula; o tribunal negou a existência da sentença. Por outro lado, militantes petistas associaram Bolsonaro ao satanismo e à pedofilia.
O TSE aprovou semana passada a ampliação dos poderes do colegiado para determinar a remoção de notícias falsas e acelerou o prazo para que a ordem seja cumprida. Canais também podem ser suspensos.
Dificuldades
Uma das dificuldades do PT, segundo fontes, é a morosidade nas decisões para as redes, já que não há alguém com tanta influência sobre Lula, como Carlos Bolsonaro, que coordena os perfis do pai. As redes oficiais de Lula estão nas mãos do fotógrafo Ricardo Stuckert, o que causa mal-estar desde o início da campanha, já que ele privilegiaria a estética das fotos em vez de conteúdos com potencial de viralizar.
Recentemente, o deputado André Janones (Avante-MG) ganhou espaço na coordenação digital, mas tem mais liberdade de atuar em suas próprias redes do que nas do partido. Na semana passada, ele criou um grupo no Telegram, reduto bolsonarista, que já passou de 130 mil pessoas.
De lá, Janones comanda o exército de anônimos: manda vídeos, indica hashtags e quais mensagens devem ir para quais redes. “No Twitter bora focar nessa, mostrando que Bolsonaro foi pego na mentira”, disse no domingo, 23, após o presidente alegar que não tinha sequer fotos com Roberto Jefferson. “É guerra. Explodam. Agora.” O ex-deputado, que é aliado de Bolsonaro, foi levado para Bangu 8 após resistir à prisão com tiros de fuzil e granadas. Janones fez ainda uma live no meio da tarde para dar os “comandos” a cerca de 5 mil influenciadores das redes. “Lula não é um cara das redes, precisamos ajudar a preencher essa lacuna”.
André Janones, apoiador de Lula, aos influenciadores em grupo de Telegram
Mesmo não estando nesse grupo, o professor Rafael Oliveira, de 45 anos, recebe as mensagens das “missões” de Janones no WhatsApp. Elas chegam a um grupo criado há três semanas por uma mãe da escola de seus filhos. A descrição diz “Não é um grupo de debates ou discussão ou petista e, sim, contra Bolsonaro. É um grupo de guerra”. Outros tantos surgiram no País depois do resultado do primeiro turno. “Eu não sou conhecido, mas vou postando tudo no Twitter”, diz Oliveira. “Quando os filhos dos meus filhos perguntarem o que o vovô fez, quero que digam que eu tentei.”
Além dos anônimos, Felipe Neto, um dos maiores influenciadores do Brasil, se juntou voluntariamente à campanha de Lula no segundo turno, com vídeos diários. “Acho que houve um erro estratégico de não focar no digital e usar muito mais verba de campanha em TV. É muito difícil lutar contra uma máquina de ódio e desinformação da campanha de Bolsonaro”, disse Neto ao Estadão.
Do lado bolsonarista, o influenciador Pablo Marçal (PROS) entrou na campanha estimulando as “missões”. Suas mensagens no Telegram questionam os militantes se estariam atentos aos “comandos” para formar um “batalhão” e eleger Bolsonaro. Ao Estadão, ele disse que os influenciadores têm que trabalhar “com pequenos grupos dando atenção individual”
Marçal reuniu o presidente e outros nomes do bolsonarismo em uma live para 90 mil pessoas, que foi chamada de “treinamento”. “Peço que você deixe sua reputação um pouquinho de lado”, orientou. “Vamos evitar a perda da nação para esquerda, o jogo é baixo.” Neste fim de semana, a campanha do presidente também fez uma super live com apoiadores, de 5 horas de duração, que teve a participação do jogador Neymar. “O que me motivou a expor a minha opinião são os valores que o presidente carrega, que são bem parecidos comigo, com a minha família, com tudo que a gente preza”, disse.
A corretora de imóveis Cátia Francisco, de 40 anos, que mora em Santa Catarina, procura vídeos e mensagens que ajudem Bolsonaro e passa boa parte do dia repassando nas redes. Ela se diz “agoniada” com o segundo turno e mobilizada como nunca. “Minha irmã vai votar no PT, eu estou tentando fazer ela enxergar que só vai ficar pior. Mando tanta coisa que já virei chata”.
Pablo Marçal, apoiador de Bolsonaro, em live com influenciadores
A diretora do Laboratório de Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais, da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Raquel Recuero, diz que os políticos perceberam a relevância da capilaridade de conteúdos. “As redes precisam ser usadas para mobilizar pessoas e criar diálogos. A mídia só funciona quando as pessoas replicam um conteúdo publicado.”
Mas a grande exposição, diz, pode ter um efeito adverso. “Antes, quando as pessoas estavam fartas, tinham a opção de não ver o horário eleitoral. Agora está por tudo e a escalada da agressividade é cansativa. Há um risco da mobilização constante sair pela culatra e as pessoas se encherem e não quererem se envolver com a briga.”
Dinheiro na internet
Além das missões, os candidatos disputaram na semana passada a audiência em podcasts. Na terça-feira, Lula participou do Flow, onde Bolsonaro estivera meses antes e alcançou o pico de 573 mil telespectadores simultâneos. Janones e a campanha petista pediram que a militância impulsionasse a participação no programa. “Pode ser um evento tão crucial quanto o debate”, disse Janones. O recorde foi batido em poucos minutos e Lula passou de pouco mais de 1 milhão de espectadores durante a live. Na quinta-feira, porém, Bolsonaro participou do podcast Inteligência Ltda. e alcançou o 1,7 milhão.
Os podcasts apareceram como uma nova alternativa para as campanhas presidenciais para, além da oportunidade de falar com “nichos” de enorme audiência, a via costuma ser um “ambiente seguro” para os pré-candidatos. Diferente de formatos jornalísticos, que têm tempo delimitado e os entrevistados são confrontados, os podcasts e vodcasts – transmitidos em áudio e vídeo ao vivo na internet – se estendem por horas, dando tempo aos participantes para desenvolver teses com mais conforto.
Raquel Recuero, especialista em redes sociais da UFPEL
Os dois candidatos também disputam alcance em anúncios no YouTube e no Google. Apenas no dia seguinte à participação de Lula no Flow, a campanha de Bolsonaro investiu R$ 1,3 milhão em anúncios – o pico de investimento em publicidade do mandatário durante toda a campanha.
Dados da biblioteca de anúncios do Google mostram que os dois presidenciáveis, somados, gastaram aproximadamente R$ 25,7 milhões (R$ 16,1 milhões de Lula e R$ 9,57 milhões de Bolsonaro) com propagandas nas duas plataformas em 2022.