A Câmara dos Deputados deve iniciar nesta semana as articulações em torno da PEC das Drogas, aprovada pelo Senado na última quarta-feira (17). O texto chegou na Casa na quinta-feira (18) e pode ter seu relator definido nos próximos dias.
O projeto cria um dispositivo no artigo 5º da Constituição Federal para criminalizar qualquer quantidade de porte de droga, mas deixa a cargo de juízes e da polícia a classificação de usuários ou traficantes. O texto é uma resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF), que julga a descriminalização do porte da maconha em pequenas quantidades.
A Corte discute liberar a quantia máxima entre 25g e 65g para ser classificado apenas como usuário. O tema já formou maioria no STF, mas a decisão continua travada após um pedido de vista do ministro Dias Toffoli.
“Na verdade, não se trata de criminalização. Porque a Constituição não tem um papel de definir o que é crime. Eu chamo isso de mandado de criminalização, ou seja, ela orienta a legislação ordinária no sentido de adoção de alguns conteúdos”, explica Clever Vasconcelos, promotor de justiça e professor de Direito Constitucional do Ibmec-SP.
“Por exemplo, nesse específico, se a emenda for aprovada, ela vai impedir que a lei ordinária ou mesmo a interpretação jurisprudencial fixe quantidade de droga para porte, ou posse”, concluiu.
Parlamentares ficaram incomodados com o julgamento e começaram um processo de retaliação às decisões do Supremo. Nos corredores, deputados e senadores afirmam que o Judiciário está ultrapassando os limites dos Poderes e está legislando em temas do Congresso Nacional.
Na Câmara dos Deputados, a insatisfação com o Supremo é ainda maior, principalmente após a prisão do deputado Chiquinho Brazão (sem partido-RJ), acusado de ser o mandante do assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Deputados estão receosos com a criação de um precedente para a prisão de parlamentares e querem frear a possibilidade de novas interferências no Legislativo.
Fontes ouvidas pela revista IstoÉ afirmaram que nem a visita do ministro Alexandre de Moraes conseguiu aliviar a tensão entre Câmara e STF. Moraes participou da comissão para a mudança do Código Civil no Senado e aproveitou para se reunir com o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL).
“Na minha opinião, esse é um questionamento que é muito mais político do que propriamente jurídico. Em um primeiro momento, a tese terá certa validade, mas pode ficar muito ruim para o Congresso essa clara tentativa de embate com o STF”, afirma Sérgio Salomão Shecaira, titular de Direito Penal e Criminologia da Faculdade de Direito da USP.
A tendência, segundo os deputados, é que o projeto passe com facilidade pela Câmara. Para ser aprovado, são necessários 308 votos favoráveis ao texto em dois turnos.
STF pode dar a cartada final
Schecaira afirma que o Congresso Nacional pode estar dando um tiro no próprio pé. Segundo o jurista, o STF poderá dar a palavra final sobre a descriminalização das drogas caso a PEC seja judicializada.
“Isso pode ocasionar um tiro no próprio pé do Congresso. O Supremo pode derrubar essa proposta se alguém judicializar. O Congresso só está fazendo isso para medir forças com o Judiciário, em uma briga totalmente desnecessária”, afirma.
Um parlamentar ouvido pela revista IstoÉ relatou a preocupação com um possível recurso no STF. Segundo ele, é necessário unidade entre os partidos para evitar que o Judiciário decida sobre temas legislativos.
Entretanto, Clever Vasconcelos afirma não ver problemas no texto aprovado pelo Senado. Segundo ele, o Legislativo quis apontar uma interpretação de saúde pública e ressalta que a legislação cabe apenas ao Congresso Nacional. “Nada impede que o Congresso Nacional, como o poder popular, verificando que a decisão não agrada ao anseio popular, tome alguma medida para impedir que o Supremo Tribunal Federal fixa esse entendimento em relação à quantidade de droga”.
“Na minha concepção, não fere. Há uma intenção do legislador no sentido de viabilizar, segundo o seu modo, o critério da interpretação do que é a proteção à saúde pública. Esse é o ponto. Agora, essa é uma questão que obviamente a gente enxerga como um debate ideológico, um debate político e de afrontamento entre os Poderes”, completou o jurista.