Em busca de consenso em torno do projeto da Lei Orgânica da Polícia Militar em tramitação na Câmara dos Deputados, o relator da proposta, deputado Capitão Augusto (PL-SP), afirma segundo a Folha, que vai retirar do texto trechos que reduzem o poder de governadores sobre as tropas.
Na quarta-feira (8), a Casa aprovou um requerimento de urgência para permitir que o projeto seja votado a qualquer momento no plenário. Porém, diante das polêmicas que envolvem a proposta, a apreciação deve ocorrer apenas em fevereiro de 2022, segundo estimativa do próprio relator.
O projeto foi enviado pelo Executivo ainda em 2001, mas ficou parado por quase 20 anos, até que em 2018 voltou a tramitar, após pressão da Frente Parlamentar da Segurança Pública.
Desde então, tornou-se uma das principais bandeiras de PMs que compõem a base eleitoral do presidente Jair Bolsonaro (PL).
Nenhum relatório oficial foi protocolado, mas uma das adaptações feitas pelo Capitão Augusto na última versão preliminar previa que a escolha dos comandantes-gerais da PM e do Corpo de Bombeiros seria feita a partir de uma lista tríplice elaborada pelos próprios oficiais, com mandato de dois anos.
Hoje, esta escolha é feita pelo governador, sem lista e sem mandato.
Para organizações como o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a mudança enfraqueceria o controle do governador sobre as corporações militares estaduais, uma vez que hoje os chefes dos Executivos locais têm liberdade para definir os comandantes.
Capitão Augusto argumenta que a intenção era evitar o uso político das forças de segurança pública, mas garante que essa possibilidade será excluída do texto.
“A questão é que não estávamos querendo o uso político da instituição. A gente queria uma polícia que trabalhasse para a sociedade, e não fosse usada para campanhas, mas, como foi divulgado, foi distorcido que a gente queria tirar a autonomia do governador, resolvi tirar por completo”, disse o deputado.
“O projeto é muito mais que isso. Então, não consta mais no projeto nem lista tríplice nem mandato para o comandante-geral, infelizmente”, afirmou Capitão Augusto.
Outro ponto de preocupação entre os especialistas são as medidas de fortalecimento da Justiça Militar, como a criação de Tribunais de Justiça Militar em estados com efetivo superior a 20 mil integrantes e a manutenção de sua competência para o julgamento de crimes militares praticados contra civis, inclusive os de violência doméstica.
“Todos os relatórios da ONU, os relatórios especiais, falam que está na hora de acabar com a Justiça Militar, que tem de se garantir a investigação mais imparcial desses casos, mas o projeto é, de alguma forma, superconservador e fortalece o controle deles [militares]”, critica Isabel Figueiredo, membro do conselho do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Ainda pela última versão do projeto, as funções exercidas por policiais militares e bombeiros militares passariam a ser consideradas “atividades jurídicas e típicas de Estado”.
De acordo com Figueiredo, a medida pode permitir que a categoria tenha salários acima do teto da administração pública e resultar em impactos orçamentários para os estados.
“O teto do funcionalismo no estado é o salário do governador, com exceção das carreiras jurídicas. Quando você coloca a PM como carreira jurídica, você consegue furar o teto do governador”, disse ela.
“Então, e aí considerando que a estrutura salarial da polícia é uma estrutura piramidal, você acaba tendo um enorme impacto orçamentário”, afirmou Figueiredo.
A proposta também cria uma nova categoria de oficiais, a de “oficiais generais”, compostas por tenente-general, major-general e brigadeiro-general.
Hoje, só há generais nas Forças Armadas, e a medida é vista como uma aproximação exagerada com o modelo estrutural das instituições nacionais.
Essa ideia não é unânime nem entre os PMs, principalmente entre os praças, que são favoráveis à diminuição das patentes das polícias.
Apesar disso, o relator disse que se trata apenas de uma questão para “fins protocolares” que será mantida no texto.
“É só uma questão de prestígio para a instituição, prestígio dentro do Brasil e prestígio internacional. Um comandante nosso [de São Paulo] vai a um evento, que talvez seja uma das maiores instituições militares do mundo, e não pode ter direito à fala porque ele é considerado coronel, e não é general. A intenção é somente valorizar a função”, afirmou.
O projeto padroniza as regras para ingresso nas corporações militares e exige o nível superior como um dos pré-requisitos.
Para os oficiais da Polícia Militar, será preciso apresentar diploma de conclusão de graduação em Direito. Além disso, 20% das vagas deverão ser reservadas para pessoas do sexo feminino.
A proposta também afrouxa as regras e permite que um indiciado em inquérito policial ou réu em processo judicial ou administrativo possa ingressar na PM.
Capitão Augusto afirmou que essa medida é necessária para cumprir o princípio constitucional da presunção de inocência.
Atualmente, as atividades dos militares estaduais no Brasil são regidas por um Decreto-Lei criado em 1969, há 52 anos.
Defensores da Lei Orgânica afirmam que ela é necessária para tornar as corporações mais dinâmicas e atualizadas. Para os críticos, porém, ele atende apenas aos interesses dos militares.
“Do jeito que o projeto está, está muito corporativo no mau sentido, pensando só nos interesses do oficialato. A gente perde uma oportunidade de modernizar mesmo essas instituições, de arejar minimamente essas polícias”, disse Figueiredo.
O relator afirmou que o projeto é resultado de audiências públicas e sugestões de entidades ligadas à segurança pública, mas garante que o texto está “em aberto” e deve sofrer mais alterações antes de ser votado no ano que vem.