Sob o comando do presidente Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro, a Câmara dos Deputados começou a analisar o que pode ser a mais impactante reforma político-eleitoral dos últimos 30 anos e que tem como pano de fundo alavancar o projeto de reeleição do presidente.
Segundo a revista IstoÉ, desde a redemocratização, a Casa nunca teve tantas frentes de discussões de mudanças na legislação eleitoral, com propostas açodadas e medidas que representam um claro retrocesso no processo democrático, como é o caso da volta do voto impresso, defendido pelo capitão.
As discussões acontecem a pouco mais de um ano do pleito de 2022, quando Bolsonaro já manifestou que tentará a reeleição para se manter no cargo a qualquer custo. Em maio, o mandatário chegou a ameaçar virar a mesa caso suas iniciativas não sejam colocadas em prática.“Vai ter voto impresso e ponto final. Não vou nem falar mais nada. Vai ter voto impresso, porque se não tiver voto impresso, é sinal de que não vai ter eleição”, afirmou o mandatário em uma live.
Casuísmo
As medidas casuísticas em estudo na Câmara deixam as próximas eleições envoltas em grandes incertezas. A mudança mais esdrúxula é a que está sendo proposta pela deputada Bia Kicis, fiel escudeira de Bolsonaro, e que prevê o voto impresso. Se a medida for aprovada, o processo eleitoral poderá retroceder e fazer o País voltar aos tempos do voto de cabresto, já que o eleitor terá um comprovante com o nome impresso do candidato em que votou, propiciando a corrupção da compra de votos. O presidente o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, já disse que “a votação pelas urnas eletrônicas derrotaram um passado de fraudes que marcaram a história eleitoral brasileira”. O TSE estima que, em 10 anos, a impressão dos votos custará cerca de R$ 2,5 bilhões aos cofres públicos.
Paralelamente à excrescência do voto impresso, mudanças na legislação eleitoral são discutidas em três colegiados da Câmara de uma só vez. Na Comissão Especial de Reforma Política, os parlamentares se debruçam sobre a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 125/11, que é uma verdadeira colcha de retalhos, reunindo inúmeras emendas apresentadas por dezenas de deputados. Dentre outras coisas, elas sugerem modificações quanto ao tempo de mandato; ao número total de deputados; ao voto facultativo; ao financiamento de campanhas; às cotas raciais e de gênero; e às candidaturas avulsas. É um saco de gatos, mas são alterações que podem vigorar nas próximas eleições, desde que as emendas sejam aprovadas até outubro, um ano antes do pleito.
Atualmente, as eleições para vereadores e deputados acontecem pelo sistema proporcional, baseado nos votos recebidos por todos os candidatos de um partido e nos votos recebidos pela legenda. Na prática, isso permite que partidos menores garantam o mínimo de representatividade no parlamento. A relatora da PEC, deputada Renata Abreu, porém, já adiantou que a manutenção desse modelo está descartada. A alternativa que será apresentada por ela propõe a adoção de um modelo misto, em que metade dos parlamentares seria eleita da forma atual e a outra parte pelo distritão, no qual os candidatos mais votados em cada estado ficam com as vagas.
Os termos da reforma, bem como a maneira como ela vem sendo discutida, tem despertado críticas dentro da própria Casa. “Vejo com grande preocupação o debate sobre uma nova reforma eleitoral, seja pelo seu ritmo apressado, seja pelas circunstâncias em que se dá, no meio de uma pandemia e com o Congresso fechado para o povo”, criticou Alessandro Molon. O diretor da Transparência Partidária, Marcelo Issa, afirmou que a entidade assinou um manifesto contra a reforma eleitoral. “As audiências para o debate dos assuntos têm acontecido remotamente, o que prejudica muito. Não tem debate”. As emendas, neste caso, ficarão piores do que o soneto.