Após o resgate de 163 trabalhadores em situação análoga à escravidão nesta última segunda-feira (23) em uma obra em Camaçari, na região metropolitana de Salvador, a BYD disse que decidiu rescindir contrato com construtora, chamada Jinjiang.
A BYD, contudo, disse que ‘já vinha realizando, ao longo das últimas semanas, uma revisão detalhada das condições de trabalho e moradia de todos os funcionários’. Ainda assim, até então nenhuma decisão havia sido tomada, até o resgate ser feito, a empresa ser notificada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e o caso ganhar uma repercussão maior.
Situações anteriores já haviam sinalizado problemas e precariedade para os trabalhadores resgatados em condições análogas à escravidão.
Ainda no início do mês de dezembro, dois acidentes com operários chineses que atuam na obra foram denunciados ao MPT na Bahia (MPT-BA), sendo que em um deles um estrangeiro teve um dedo amputado e o outro sofreu uma fratura na perna – acidentes que aconteceram inclusive em dias consecutivos.
Fotos e vídeos feitos em semanas anteriores já mostravam os operários trabalhando em situação precária, com refeições coletivas sendo servidas em coolers e baldes, banheiros sujos e trabalhadores com dificuldades ao realizar tarefas como carregar baldes.
A BYD disse, em nota, que “reafirma que não tolera desrespeito à lei brasileira e à dignidade humana”.
Leia abaixo, na íntegra, o comunicado da BYD:
Nesta segunda-feira (23), a BYD Auto do Brasil recebeu notificação do Ministério do Trabalho e Emprego de que a construtora terceirizada Jinjiang Construction Brazil Ltda. havia cometido graves irregularidades. A BYD Auto do Brasil reafirma que não tolera desrespeito à lei brasileira e à dignidade humana. Diante disso, a companhia decidiu encerrar imediatamente o contrato com a empreiteira para a realização de parte da obra na fábrica de Camaçari (BA) e estuda outras medidas cabíveis.
A BYD Auto do Brasil reforça que os funcionários da terceirizada não serão prejudicados por essa decisão, pois vai garantir que todos os seus direitos sejam assegurados.
A companhia determinou, na data de hoje, que os 163 trabalhadores dessa construtora sejam transferidos para hotéis da região. A BYD Auto do Brasil já vinha realizando, ao longo das últimas semanas, uma revisão detalhada das condições de trabalho e moradia de todos os funcionários das construtoras terceirizadas responsáveis pela obra, notificando por diversas vezes essas empresas e inclusive promovendo os ajustes que se comprovavam necessários.
“A BYD Auto do Brasil reitera seu compromisso com o cumprimento integral da legislação brasileira, em especial no que se refere à proteção dos direitos dos trabalhadores. Por isso, está colaborando com os órgãos competentes desde o primeiro momento e decidiu romper o contrato com a construtora Jinjiang”, afirmou Alexandre Baldy, Vice-presidente sênior da BYD Brasil.
A companhia opera há 10 anos no Brasil, sempre seguindo rigorosamente a legislação local e mantendo o compromisso com a ética e o respeito aos trabalhadores.
Entenda o caso de trabalho análogo à escravidão em Camaçari
Uma força-tarefa de órgãos federais interditou nesta segunda, 23, parte das obras de construção da fábrica da montadora de automóveis chinesa BYD, em Camaçari, após o resgate de 163 operários que estavam trabalhando em condições análogas à de escravos.
Foram interditados alojamentos e trechos do canteiro de obras da planta industrial onde a montadora está instalando sua fábrica no município da região metropolitana de Salvador.
A interdição foi comunicada pela manhã ao Jinjiang Group, uma das empreiteiras contratadas pela BYD para realizar a obra que vai abrigar a unidade de produção de veículos montadora chinesa, uma gigante na fabricação de carros elétricos e híbridos.
A unidade está sendo instalada no local onde foi a fábrica da Ford e conta com incentivos do governo da Bahia. O investimento anunciado é superior a R$ 5,5 bilhões.
A montadora chinesa iniciou as obras da construção da fábrica em Camaçari em 5 de março deste ano, poucos meses após lançamento da pedra fundamental, em outubro de 2023, com presença de autoridades dos governos estadual e federal.
A conclusão das obras está prevista para o final de 2025 e a unidade terá capacidade de montar 150 mil veículos por ano na primeira fase, elétricos e híbrido flex.
Segundo informação do MPT-BA, parte dos operários resgatados permanece em um alojamento, enquanto outro grupo foi alocado em um hotel. Eles não poderão trabalhar e terão seus contratos de trabalho rescindidos, segundo o Ministério Público. Os alojamentos e os locais da obra embargados também permanecerão sem atividades até a completa regularização junto aos órgãos que compõem a força-tarefa.
As inspeções no local, o resgate e a interdição foram realizados por uma força-tarefa envolvendo o MPT-BA, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a Defensoria Pública da União (DPU) e a Polícia Rodoviária Federal (PRF), além do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal (PF). Os embargos das instalações só serão suspensos quando as empresas comprovarem ajustes nas instalações ao MTE.
Uma audiência virtual conjunta do MPT e do MTE está marcada para a tarde de quinta-feira, 26, com a BYD e Jinjang para que elas apresentem as providências necessárias à garantia das condições mínimas de alojamento e também para que sejam negociadas as condições para a regularização da situação. Não está descartada a necessidade de novas inspeções in loco, segundo o MPT-BA.
O órgão afirma que as fiscalizações, iniciadas em meados de novembro, identificaram condições precárias de trabalho de funcionários da empresa terceirizada Jinjang.
Os trabalhadores estavam distribuídos em quatro alojamentos principais. Num deles, dormiam em camas sem colchões e não possuíam armários para seus pertences pessoais, que ficavam misturados com materiais de alimentação.
A situação sanitária era crítica, com apenas um banheiro para cada 31 trabalhadores, informa o MPT-BA. Todos os alojamentos tinham problemas graves de infraestrutura e higiene.
Além das condições degradantes, a força-tarefa também detectou situações de trabalho forçado. Caso um trabalhador tentasse rescindir o contrato de trabalho após seis meses, deixaria o País sem receber nada pelo trabalho, já que o desconto da caução, da passagem de vinda ao Brasil e o pagamento da passagem de retorno, na prática, configuraria confisco total dos valores recebidos pelos trabalhadores ao longo da relação de trabalho.