Até o fim deste ano, bilhões de usuários vão receber respostas geradas por inteligência artificial (IA) ao fazerem uma pergunta ao Google. Na terça-feira (21), em evento na Califórnia, a empresa explicou como irá integrar anúncios à nova ferramenta, a AI Overviews. Eles virão logo depois do texto gerado pela IA, antes dos links que remetem ao conteúdo original.
A empresa não deixou claro conforme reportagem de Juliana Causin, do O Globo, quando os anúncios serão integrados ao AI Overviews (algo como “Resumos de IA”), mas indicou que os testes vão começar “em breve” nos Estados Unidos, onde a ferramenta já está rodando. Ela chegará a outros países ao longo dos próximos meses. Produtores de conteúdo e especialistas, no entanto, têm levantado preocupações sobre como o sistema pode reduzir drasticamente o tráfego de audiência para sites.
Em um exemplo de como vai funcionar a integração, a empresa mostrou o resultado de uma pesquisa com IA para a busca “como tirar o amassado de roupas sem usar o ferro de passar”. Depois de um texto da IA com sugestões, em tópicos, aparecem indicações de produtos de spray que desamassam roupas. Os links gerais da busca ficam mais abaixo.
Com a integração dos anúncios, o Google afirma que a IA generativa continuará a gerar fluxo de tráfego para anúncios patrocinados, que são sua principal fonte de receita. No primeiro trimestre, eles responderam por 57,3% dos US$ 80,5 bilhões de receita da Alphabet, dona do Google.
Por outro lado, teme-se o impacto econômico do AI Overviews em veículos de imprensa, produtores de conteúdo e pequenos negócios que dependem do tráfego no buscador.
— Ter a IA que faz o resumo, sem necessariamente citar a fonte, já é grave. Mas o Google vai ganhar duplamente porque vai filtrar o acesso aos links e, por outro lado, ganhar com a publicidade no conteúdo — diz Samira de Castro, presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj).
Aumento de cliques sem comprovação
Desde que anunciou o AI Overviews, o Google tem argumentado que as respostas com IA generativa vão, na verdade, gerar mais tráfego para os sites. Vidhya Srinivasan, vice-presidente e diretora-geral da empresa, afirmou que “os links incluídos nas visões gerais de IA obtêm mais cliques.”
Esse argumento foi retomado pelo CEO do Google, Sundar Pichai, em entrevista ao site especializado em tecnologia The Verge. Ele disse que a empresa tem priorizado o envio de mais tráfego e que os links que aparecem no AI Overviews como referência do conteúdo obtêm “maiores taxas de cliques”.
A empresa, no entanto, ainda não demonstrou resultados das pesquisas que comprovariam essa tendência.
Além dos efeitos que a nova ferramenta trará para a audiência de criadores de conteúdo, a ferramenta de IA do Google também gera questionamentos sobre direitos autorais. O jornal The New York Times já entrou com processo contra a Microsoft e a OpenAI pelo uso de conteúdo protegido por direito autoral para treinar o ChatGPT.
Perguntado sobre o tema pelo editor-chefe do Verge, Nilay Patel, Pichai afirmou que o Google tem feito acordos de licenciamento do uso de conteúdo, sem citar nomes. Ele usou ainda o argumento que chamou de “uso justo” (fair use, em inglês) para justificar o uso de material, sem pagamento de direitos autorais, em determinadas situações.
O fair use é um conceito jurídico que permite o uso de material protegido por direitos autorais em determinadas situações de interesse público, incluindo a reprodução de material protegido na imprensa ou para fins de pesquisa científica. Há limitações, porém, para uso de conteúdo em contextos comerciais.
‘Desvio de audiência’
O advogado Jose Eduardo Pieri, diretor da Associação Brasileira da Propriedade Intelectual (ABPI), lembra que o conceito de fair use não é universal e que os parâmetros americanos para uso de conteúdo protegido costumam ser menos restritos que na legislação brasileira. No Brasil, a lei de direitos autorais estabelece que a reprodução de pequenos trechos de obras existentes é possível, desde que estes não sejam o objeto principal.
— Aqui o Google já tem um desafio. Ele vai pegar um pequeno trecho de uma obra ou ele vai juntar vários pequenos trechos para criar um pequeno texto para usar como referência? O quanto que ele vai usar de cada conteúdo e de quais referências? Esse é um desafio que ainda precisa ser esclarecido — afirma Pieri.
Ele acrescenta que a legislação brasileira também limita o uso de conteúdo “desde que não prejudique a exploração normal da obra reproduzida”. O advogado avalia que, caso a ferramenta diminua o tráfego dos sites originais de informação, a IA do Google poderá gerar dados comerciais para os criadores do conteúdo.
A advogada especialista em Direito Digital Patrícia Peck, CEO e sócia-fundadora do Peck Advogados, avalia que, do ponto de vista concorrencial, a mudança nas buscas pode fazer com que os usuários visitem menos as páginas de conteúdo original:
— Aí a gente pode ter um efeito de desvio de clientela, com o desvio de audiência, que é um elemento fundamental da monetização. Uma coisa é a busca com IA facilitar que o usuário encontre o que precisa. Outra coisa é a IA exaurir ou eliminar o próprio movimento dos usuários de irem até o resultado buscado.
Caminho para responsabilização das empresas
Para o presidente da Associação Nacional dos Jornais (ANJ), Marcelo Rech, o uso da IA no buscador representa um risco à sustentabilidade do jornalismo, ao drenar o acesso a conteúdos originais das informações que serão geradas pela IA.
O diretor da ABPI diz ainda que a geração dos conteúdos por IA poderá colocar em xeque o próprio argumento das empresas de tecnologia em relação à não responsabilização pela disseminação de conteúdos de terceiros, como prevê o Marco Civil da Internet:
— Com essa mudança, eles vão gerar um conteúdo que é de terceiros ou é próprio? Se é por inteligência artificial, para mim fica muito claro que a responsabilidade é da plataforma.