Desde o início da tragédia que atinge o Rio Grande do Sul, o governo federal já prometeu o repasse de R$ 60,7 bilhões ao estado, além de conceder R$ 23 bilhões em perdão de dívidas. Com o passar dos dias, contudo, o desafio passou a ser encaminhar o dinheiro disponível e, principalmente, na velocidade necessária. Prefeitos relatam que a calamidade dificulta o atendimento da burocracia, enquanto o Executivo federal tenta simplificar as exigências. Levantamento feito pelo jornal O Globo que, no mês de maio, a gestão de Luiz Inácio Lula da Silva direcionou uma pequena parcela do que está disposta: R$ 638 milhões em recursos empenhados a favorecidos no estado.
O empenho significa que o valor está reservado para ser desembolsado e já há uma garantia para a liberação. Desse montante, porém, só houve o pagamento efetivo de R$ 89 milhões para ações de emergência na região, a maioria a partir de transferência direta a municípios (R$ 50 milhões) e ao governo do estado (R$ 32 milhões).
Auxiliares de Lula esperam nas próximas semanas empenhar mais recursos graças a uma Medida Provisória (MP) que abriu crédito extraordinário de R$ 12,1 bilhões no Orçamento — dessa cifra R$ 1,3 bilhão será transferido diretamente a cidades e ao estado do Rio Grande do Sul. Esse tipo de transferência, entretanto, exige alguns passos burocráticos, como a apresentação de pedidos no sistema do governo federal com um plano de trabalho, além da aprovação de técnicos.
Um cruzamento entre a lista de cidades afetadas pelas enchentes, divulgadas pela Defesa Civil do Rio Grande do Sul, e a relação de favorecidos dos empenhos feitos até agora revela que 149 das 449 cidades afetadas ainda não foram contempladas com a reserva de verba pelo governo federal.
Do valor empenhado até o momento, R$ 185 milhões são referentes a emendas parlamentares. Ao todo, quem mais contribuiu para reforçar o caixa dos municípios gaúchos foi a Comissão de Saúde da Câmara, que indicou R$ 85 milhões para fundos municipais de diversas cidades do estado.
‘Desmontar a burocracia’
Em Aceguá, localizada a 430 quilômetros de Porto Alegre, a cobrança é por celeridade. No local, estradas rurais foram destruídas pela chuva na cidade de 4,1 mil habitantes. À frente da gestão, Marcus Peti (PSDB) pede a liberação de recursos, por exemplo, de emendas parlamentares, incluídas no Orçamento da União. Ele cita como exemplo um convênio com o Incra, no valor de R$ 10,5 milhões, para melhoria em estradas rurais de sete municípios da mesma região.
— A gente precisa do recurso, por isso pedimos que o governo libere o dinheiro e, depois, que nos fiscalize— afirma o prefeito, acrescentando que, diferentemente das emendas para convênios, as transferências especiais já começaram a cair na conta das cidades.
As enchentes afetaram 90% das cidades gaúchas. Até mesmo aquelas na região de fronteira, como Alegrete, de 70 mil habitantes, cobram liberação mais ágil.
— A gente recebeu contato de deputados federais para darmos um aceite para a liberação das emendas, a maioria na área da saúde, mas o dinheiro ainda não caiu — diz o prefeito Márcio Amaral (MDB).
Na quarta-feira, no anúncio de conjunto de medidas para socorrer o estado, Lula pediu a colaboração de prefeitos para apresentar projetos o mais rápido possível. Ao se dirigir ao ministro da Casa Civil, Rui Costa, o presidente disse que é preciso acompanhar de perto os procedimentos formais.
— Se for a burocracia (o motivo pela demora da liberação de recursos), vamos desmontar a burocracia — disse Lula.
Integrantes do governo reconhecem que há insatisfação de prefeitos com os trâmites, mas dizem que não foram feitas reclamações diretas no Ministério da Secretaria de Relações Institucionais (SRI), responsável pela interface com os municípios. Uma parte dos recursos, a chamada ajuda humanitária, tem liberação imediata a partir da requisição feita pelas prefeituras ao governo. São repassados R$ 200 mil para cidades com até 50 mil habitantes, R$ 300 mil para as que possuem entre 50 mil e 100 mil habitantes e R$ 500 mil para as que têm mais de 100 mil. Esse dinheiro pode ser usado para comprar água, combustível e equipamentos para abrigos.
Até o fim da tarde de terça-feira, 75 cidades haviam conseguido o sinal verde para a ajuda humanitária e outras 25 tinham apresentado o pedido. Por causa da decisão do dia anterior do governo do Rio Grande do Sul de reduzir o número de cidades em estado de calamidade, passou a ser necessário atualizar as concessões de ajuda humanitária.
Para receber mais recursos, os municípios são obrigados a preencher os planos de trabalho por meio de um cadastro on-line no site do governo federal, porque isso permite que o Tribunal de Contas da União faça a fiscalização do uso do dinheiro posteriormente.
Técnicos da Defesa Civil estão no estado para ajudar no preenchimento dos planos de trabalho, de acordo com integrantes do governo. A SRI também deslocou um servidor para o estado com o objetivo de receber os pleitos das prefeituras.
Reclamação gravada
A reclamação de prefeitos já chegou a causar polêmica após deputados bolsonaristas compartilharem um vídeo de uma ligação entre o prefeito de Farroupilha, Fabiano Feltrino, e o agora ministro da Reconstrução do RS, Paulo Pimenta. Na ligação, Feltrino reclama exatamente do valor de R$ 300 mil disponibilizado ao município. Pimenta explica então que aquele valor era para poucos dias, até que a prefeitura pudesse apresentar um plano de trabalho.
Na MP, há indicação da alocação em cada área. São recursos importantes, por exemplo, para a reposição do estoque de medicamentos e o custeio dos serviços hospitalares, alimentação escolar, reconstrução de escolas e também para as defesas civis municipais.
Procurados para comentar sobre a alocação de recursos, os ministérios da Educação e da Saúde apontaram as principais áreas de atuação, como o uso do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), a Força Nacional do SUS e o incremento em atenção primária e especializada. Já a pasta da Integração afirmou que trabalha para empenhar os recursos de projetos em até 72 horas. O Desenvolvimento Social não respondeu.
— O Lula esteve aqui e eu falei para ele: “Presidente Lula, não adianta destinar dinheiro se nós não simplificarmos a execução das obras” — afirma o prefeito de Santa Maria, Jorge Pozzobom (PSDB).
Francisco David Frighetto, prefeito de Anta Gorda, no Vale do Taquari, uma das regiões mais afetadas, aguarda a liberação de R$ 1,2 milhão para estradas e investimentos na saúde:
— Nosso município é essencialmente agrícola e precisamos que o governo libere esse recurso.