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Bukele já disse ser o 'ditador mais cool do mundo' - Foto: Reuters
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quarta-feira 19 de março de 2025 às 11:54h

‘Bukele quer tornar seu país uma Guantánamo da América Central’: o que presidente de El Salvador ganha ao receber deportados de Trump?

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Contidos por dois agentes, encurvados e com a cabeça baixa, mãos e pés algemados e acorrentados.

Assim desceram do avião, em El Salvador, mais de duas centenas de pessoas deportadas procedentes dos Estados Unidos, na noite de sábado para domingo passado (15-16/03). Alguns foram colocados em veículos blindados, outros em ônibus.

Todos foram transportados para o Centro de Confinamento do Terrorismo (Cecot), a megaprisão símbolo da luta contra as gangues criminosas do governo do presidente salvadorenho Nayib Bukele.

Lá, eles tiveram o cabelo cortado e a barba aparada, trocaram suas roupas por bermuda e camiseta branca e posaram juntos para a fotografia, antes de serem colocados nas suas celas correspondentes.

Com estas imagens dignas de um filme de ação, compartilhadas na rede social X, antigo Twitter, o próprio presidente Bukele anunciou a chegada dos deportados ao seu país – uma operação levada a cabo poucas horas depois que um juiz americano suspendeu a deportação pelo governo Donald Trump.

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Posteriormente, veio a informação de que, no voo, haviam chegado 261 imigrantes sem documentos, 238 supostos membros da gangue criminosa venezuelana Trem de Aragua e 23 supostos membros da gangue salvadorenha Mara Salvatrucha (MS-13).

Mas, até o momento, apesar da foto onde é possível ver os rostos dos prisioneiros, suas identidades não foram divulgadas, nem foram exibidas provas da vinculação dessas pessoas com as gangues criminosas.

“Estes são monstros enviados para o nosso país pelo corrupto Joe Biden e pelos democratas radicais de esquerda. Como eles se atreveram?”, questionou Trump no X.

“Obrigado a El Salvador e, particularmente, ao presidente Bukele, por compreender esta horrível situação à qual chegamos nos Estados Unidos, pela incompetência da liderança democrata. Não o esqueceremos!”, acrescentou o presidente americano.

Mas o que Bukele ganha oferecendo uma “Guantánamo da América Central” para Trump, como descreveram os especialistas consultados pela BBC?

US$ 6 milhões

A resposta mais óbvia é que El Salvador irá ganhar uma compensação econômica, como já adiantou o próprio Bukele.

“Os Estados Unidos pagarão uma tarifa muito baixa por eles, mas alta para nós”, por mantê-los durante um ano no Cecot – um prazo “renovável”, conforme destacou o presidente salvadorenho no X.

“Com o tempo, estas ações [os pagamentos], combinadas com a produção que já estão gerando os mais de 40 mil presos em diversas oficinas e trabalhos, como parte do programa Zero Ócio, irão ajudar nosso sistema penitenciário a se tornar autossustentável”, explicou Bukele.

“Atualmente, seu custo soma US$ 200 milhões [cerca de R$ 1,1 bilhão] por ano”, acrescentou ele, sem especificar qual seria o valor da compensação americana.

A troca de presos por dinheiro foi um acordo firmado entre Bukele e o secretário de Estado americano, Marco Rubio, durante sua visita a El Salvador, como parte da sua viagem pela América Central e região do Caribe, no mês passado.

“É um acordo sem precedentes, o mais extraordinário do mundo”, descreveu, na época, o chefe da diplomacia americana.

Rubio destacou que El Salvador se ofereceu a receber “criminosos perigosos” que estivessem sob custódia ou cumprindo condenação, “mesmo que sejam cidadãos americanos ou residentes legais”.

Homem com braços para trás, algemados

Crédito,Getty Images

Legenda da foto, O voo de deportação para El Salvador, no fim de semana passado, é a materialização do acordo firmado entre Nayib Bukele e Marco Rubio

Bukele e Rubio discutiram os detalhes das possíveis deportações durante uma reunião que durou mais de três horas.

Segundo documentos internos do governo americano, obtidos pela agência de notícias Associated Press (AP), o acordo incluiria um pagamento anual de US$ 20 mil (cerca de R$ 113,4 mil) por preso. Este valor totalizaria cerca de US$ 6 milhões (cerca de R$ 34 milhões) para as pessoas deportadas no fim de semana.

Os relatórios em mãos da AP também indicam que o Departamento de Estado reservaria até US$ 15 milhões (cerca de R$ 85,1 milhões) para pagamento a El Salvador por este “serviço”.

O ‘favor de Trump’

“Bukele consolidou sua aliança com Trump, que o descreveu quase como seu filho favorito, um modelo em nível regional”, declarou à BBC News Mundo (o serviço em espanhol da BBC) o pesquisador Christopher Sabatini, do Programa da América Latina, Estados Unidos e Américas do think tank (centro de pesquisa e debates) Chatham House, quando questionado sobre o acordo para receber pessoas deportadas de outros países.

Bukele é “o líder mais forte em segurança da nossa região”, declarou Marco Rubio no domingo (16/3), depois de materializado o acordo. Ele o descreveu como “um grande amigo dos Estados Unidos”.

Para Sabatini, o presidente salvadorenho também “conquistou o silêncio” do governo americano sobre suas controvertidas políticas de segurança, que reduziram dramaticamente os homicídios no país, à custa de colocar El Salvador entre os países com índices de detenção mais altos do mundo, além de um estado de exceção que já dura três anos.

“Iremos ouvir poucas críticas ao modelo Bukele, vindas dos Estados Unidos”, declarou à BBC News Mundo o diretor do Programa América Latina do Centro Wilson, Benjamin Gedan. “Não se irá falar de democracia ou direitos humanos em El Salvador, questões que incomodavam o governo Biden.”

“Com toda a certeza, Bukele conquistou o favorecimento do governo americano”, concorda Juanita Goebertus, diretora da Divisão Américas da organização Human Rights Watch (HRW).

“Mas também e mais amplamente, ele se consolida como parte de uma aliança geopolítica, na América Latina e nos Estados Unidos, de governos de direita, que restringem claramente os direitos humanos e apresentam tendência autoritária, que apostam na criação de políticas à margem da independência do Poder Judiciário, até mesmo desconhecendo suas ordens”, declarou ela à BBC.

Pessoas escoltadas descendo de avião durante a noite

Crédito,Getty Images

Legenda da foto, Os voos com pessoas deportadas aterrissaram em El Salvador na noite de sábado para domingo (15-16/3), mesmo com o bloqueio temporário à decisão de Trump por um juiz americano

Ela se refere à forma em que, poucas horas antes que o voo com deportados aterrissasse em El Salvador, o juiz do Distrito de Columbia, James Boasberg, bloqueou temporariamente a aplicação da Lei de Inimigos Estrangeiros aos cidadãos venezuelanos supostamente vinculados com o Trem de Aragua.

Dos 261 migrantes sem documentos que chegaram ao território salvadorenho, 137 foram deportados com base naquela legislação do século 18, que permite a expulsão de inimigos dos Estados Unidos, em tempos de guerra.

Outros 101 eram venezuelanos deportados de acordo com o Título 8 (uma regra migratória) e outros 23 salvadorenhos eram supostamente integrantes da MS13.

O juiz Boasberg também determinou verbalmente, no sábado, o regresso imediato dos voos que já tivessem saído dos Estados Unidos. Mas a Casa Branca declarou que a ordem do magistrado chegou quando o avião já havia abandonado o espaço aéreo americano.

A secretária de imprensa da Casa Branca, Karoline Leavitt, divulgou esta informação e acrescentou, em um comunicado emitido no domingo, que a suspeita de que o poder Executivo americano teria decidido desafiar o Judiciário “não tem base legal”.

Segundo ela, os tribunais federais “não possuem jurisdição” sobre as decisões do presidente sobre política externa.

“Um único juiz, de uma única cidade, não pode determinar o rumo de uma aeronave repleta de terroristas estrangeiros, expulsos fisicamente do solo americano”, destacou a porta-voz.

Por outro lado, o governo venezuelano repudiou energicamente a deportação com base na Lei de Inimigos Estrangeiros, considerando que a decisão é “anacrônica” e “viola os direitos humanos”.

“A República Bolivariana da Venezuela rejeita, de forma categórica e contundente, a decisão do governo dos Estados Unidos, que criminaliza, de forma infame e injusta, a migração venezuelana, em um ato que evoca os episódios mais obscuros da história da Humanidade, desde a escravidão até o horror dos campos de concentração nazistas”, diz o comunicado.

‘Guantánamo da América Central’

Paralelamente, a Human Rights Watch denuncia que nenhum dos dois governos, americano e salvadorenho, divulgou a identidade dos cidadãos expulsos, nem exibiu nenhuma evidência de sua suposta vinculação a atividades criminosas. A organização afirma que este já é um “padrão” entre as deportações ordenadas por Donald Trump.

“No caso dos venezuelanos enviados para Guantánamo [em Cuba], que depois foram devolvidos para a Venezuela, conseguimos comprovar que pessoas acusadas de serem criminosos, na verdade, não tinham nenhum tipo de antecedente penal”, declarou Juanita Goebertus.

Este tipo de procedimento parece se repetir de forma generalizada no interior dos Estados Unidos.

A rede de TV americana NBC noticiou que, dos 4.422 cidadãos presos pelo Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês) nas duas primeiras semanas de fevereiro, 1,8 mil (cerca de 41%) não receberam condenação, nem possuem acusações pendentes perante a Justiça.

“E, neste caso concreto, é muito preocupante que eles estejam sendo enviados para El Salvador, um país no qual já pudemos documentar que, durante os três anos do regime de exceção sob o governo Bukele, o sistema penitenciário e carcerário comete violações massivas dos direitos humanos”, alerta Goebertus.

“Bukele está se oferecendo como uma espécie de Guantánamo da América Central”, denuncia Juan Pappier, subdiretor da Divisão Américas da HRW.

“As pessoas que são enviadas para os centros de detenção de El Salvador perdem toda a comunicação com o mundo exterior e não têm acesso real aos recursos judiciais”, segundo ele.

Caminhão entrando em complexo penitenciário durante a noite

Crédito,Getty Images

Legenda da foto, O Cecot é o símbolo das políticas de segurança do governo Bukele em El Salvador

Sua organização já documentou mais de 300 casos de morte sob a custódia do Estado salvadorenho durante o regime de exceção. Eles garantem que 83 mil pessoas foram detidas sem processo devido.

Os relatos de outras entidades de defesa dos direitos humanos, nacionais e internacionais, relatam esta mesma realidade. O governo salvadorenho nega as acusações.

As investigações mencionam detenções sem mandado de prisão e evidências de torturas, tratos cruéis e degradantes, isolamento e falta de acesso a advogados e familiares.

“E, agora, receamos que estas condições estejam também se estendendo aos deportados venezuelanos”, alertam os diretores da Human Rights Watch.

‘Silenciar os líderes da MS13’

Para Pappier, haveria mais um ganho para Bukele na operação definida entre os dois países, que estaria passando despercebido. Ele se refere às deportações de supostos membros da Mara Salvatrucha.

“É claro que as atrocidades cometidas pela MS13 devem ser judicializadas e que deve haver justiça para suas vítimas”, esclarece o subdiretor da Human Rights Watch. “Mas as extradições teriam o efeito de silenciar os líderes da MS13 que poderiam testemunhar sobre os acordos da gangue com o governo de Bukele.”

O comentário de Pappier remonta a março de 2022, quando El Salvador sofreu 76 assassinatos em apenas 48 horas. Investigações dos meios de comunicação, como o portal El Faro, indicaram que a onda de homicídios foi resultado da ruptura de um suposto pacto entre o governo e a MS13.

A própria promotoria dos Estados Unidos, quando o democrata Joe Biden estava à frente do governo, mencionou este diálogo em uma acusação contra os líderes da gangue. Mas o Executivo salvadorenho sempre negou ter levado a cabo qualquer negociação.

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