O PSDB, que saiu combalido da eleição de 2022 e declarou neutralidade entre Lula (PT) e Jair Bolsonaro (PL), não vai integrar conforme entrevista ao jornal Folha de São Paulo, a base do governo petista, segundo o presidente da sigla, Bruno Araújo.
Ele diz que haverá compromisso com a governabilidade, com endosso em pautas da agenda tucana e enfrentamento em matérias de ordem econômica.
Depois do naufrágio da candidatura presidencial de João Doria, que terminou por deixar o PSDB em outubro, o partido elegeu 13 deputados –foram 29 em 2018 e 54 em 2014. Apesar da derrota histórica em São Paulo, estado que a sigla governa desde 1995, os tucanos comemoraram a eleição de três governadores da nova geração –Eduardo Leite (RS), Raquel Lyra (PE) e Eduardo Riedel (MS).
Entre o primeiro e o segundo turno, Araújo foi a Porto Alegre convidar Leite, a quem enxerga como um presidenciável natural em 2026, a presidir o PSDB. A legenda aguarda que ele aceite a “quase convocação”. Leite concorreu no Rio Grande do Sul depois de perder as prévias tucanas para Doria em 2021.
“Nossa recuperação passa pela renovação”, diz Araújo à Folha. Para ele, a debacle do PSDB está mais ligada à falta de uma candidatura presidencial própria –o partido integrou a chapa de Simone Tebet (MDB)— do que à associação com o bolsonarismo.
“A leitura central é que o PSDB se preparou para um projeto de ter uma candidatura presidencial e não conseguiu”, diz ele, relembrando a taxa de rejeição de Doria e se esquivando de responsabilizá-lo. Araújo assumiu o comando do PSDB em 2019 com a bênção de Doria, mas acabou se tornando um adversário do ex-governador.
O ex-ministro e ex-deputado federal, que deu o voto decisivo para a abertura do impeachment de Dilma Rousseff (PT) na Câmara, diz que o retorno do PT é parte do jogo democrático e evita criticar o partido eleito. A provável participação do MDB na base de Lula, porém, fez esfriar as conversas sobre uma federação, que está mais avançada com o Podemos.
Como foi seu encontro com o vice Geraldo Alckmin (PSB)? Recebemos um elegante convite de Alckmin. Estive lá com Leite, Ranolfo [Júnior, governador do RS] e [Reinaldo] Azambuja [governador do MS]. Foi uma conversa republicana. O vice-presidente eleito reafirmou a relação republicana que haverá com os governadores dos estados.
Confirmamos a posição de que não faremos parte da base de apoio do governo do PT muito menos participar com cargos, mas teremos atitude de compromisso com a estabilidade e a governabilidade. Uma posição comprometida com o processo democrático e apoiando as bandeiras que nós acreditamos.
O sr. usou a palavra oposição na conversa? Não, porque não há uma construção definitiva, é preciso ouvir a executiva do partido.
Já ouvimos as bancadas e outros líderes —desde ontem temos feito conversas num grau mais intenso. E há uma posição já clara de que o PSDB não será base do governo do PT. Essa discussão ainda está sendo aprofundada. Até que ponto o PSDB terá uma posição de independência em relação ao governo, sem qualquer ocupação de cargos, ou até onde eventualmente isso vai a uma própria oposição democrática e responsável.
O sr. deu o voto decisivo para a abertura do impeachment contra Dilma e, na época, ela disse que o PT iria voltar. O PT voltou, acha que isso é negativo para o país? É a confirmação de um país que vive dentro de regras do jogo democrático. Dilma foi retirada dentro das regras do jogo democrático e o presidente Lula voltou dentro das regras democráticas.
O sr. acha que será um governo ruim ou está satisfeito com a amplitude demonstrada na transição? Está muito cedo. O governo nem se instalou.
Como estão as conversas com MDB e Podemos para que esses partidos integrem a federação PSDB-Cidadania? Apontam para uma autorização para seguirmos com um diálogo com a presidente Renata Abreu, do Podemos, no sentido de o Podemos vir a fazer parte. Não estamos descartando a conversa com o MDB, mas neste momento parece mais sólida uma convergência em torno do diálogo com o Podemos.
A chance de federação com o MDB é menos concreta pelo fato de o partido provavelmente ter quadros que integrarão o governo Lula? São diversos fatores. Ouvi as bancadas e membros da executiva e cada um tem sua ponderação: a eventual participação do MDB no governo Lula, eventuais conflitos regionais.
O sr. convidou Leite para sucedê-lo e aposta nele para 2026, mas ele é um nome de conciliação, dado que não teve maioria em prévias apertadas? Meu convite se intensificou em encontros nesta semana e, de forma coletiva, nós levamos o convite, quase que uma convocação a Eduardo para que aceite essa missão, com a alma da renovação deste segundo turno.
Tivemos longas conversas em grupos importantes no partido e achamos que era razoável aguardar o tempo dele. Estamos na expectativa de que ele possa vir a aceitar. Com a sinalização positiva, haverá convergência.
Pela segunda eleição, a bancada do PSDB cai praticamente pela metade. O que levou a isso e como recuperar o eleitorado? O PSDB pela primeira vez não conseguiu levar uma candidatura presidencial pelos fatores que todos já conhecem. Isso impactou nosso resultado no Congresso.
Ressurgimos das cinzas no segundo turno, com a eleição de três importantes novas lideranças nacionais, que ainda vão demonstrar capacidade administrativa e a vocação do PSDB para governar com qualidade.
A nossa recuperação passa pela renovação do partido. Leite já é um nome nacionalizado, o que foi proporcionado pelas prévias.
A reconstrução do partido também passa por um reposicionamento ideológico? O PSDB se associou ao bolsonarismo em diversas ocasiões. É muito simplório fazer uma análise do PSDB associado ao bolsonarismo. Prefiro entender que grande parte do PSDB que seguiu com Bolsonaro representa a oposição histórica feita ao PT. Essa página está virada.
Podemos agora construir uma posição clara de, quando necessário, apoiar as causas e as bandeiras que são caras ao PSDB, como responsabilidade fiscal e incremento de programas que reduzam a desigualdade social e regional, e fazer um enfrentamento nas matérias de ordem econômica em que durante tanto tempo houve importantes divergências entre PT e PSDB.
Alguns tucanos fazem a autocrítica de que o partido inflou o antipetismo e se associou à direita mais radical que acabou engolindo os eleitores do próprio PSDB. Essa leitura é periférica. A leitura central é que o PSDB se preparou para um projeto de ter uma candidatura presidencial e não conseguiu.
Agora o PSDB vai ter absoluto foco em construir uma alternativa de uma candidatura presidencial de qualidade, moderna, conectada com esse momento da sociedade e sem pressa. A prioridade é colaborar para o melhor desempenho dos mandatos dos nossos governadores.
O centro não prosperou por falta de nomes, de opções? Por falta de ter definido e conseguido consolidar uma candidatura viável com um tempo consistente para dialogar com o resto da sociedade. Era uma candidatura que tinha que estar pronta e nós tentamos, na época das prévias, tê-la pronta no mês de outubro, teríamos um ano para maturá-la. O projeto não deu certo pelas razões conhecidas.
Quando Doria foi considerado inviável, ele tinha cerca de 4% de intenções de votos. Tebet terminou com os mesmos 4%. Foi um erro apostar nela e não numa candidatura tucana? Havia uma série de leituras naquele momento. Havia uma taxa de rejeição que gerava um grau de preocupação muito consistente entre os candidatos a governador.
Quais são as razões conhecidas que inviabilizaram a candidatura tucana? Os 4% pareciam uma intenção de voto muito baixa comparada à realidade histórica. Depois, havia não só a preocupação com intenção de voto, mas registros de um grau de rejeição que os candidatos a governador temiam que transbordasse para suas candidaturas estaduais.
O fracasso do PSDB em São Paulo está ligado ao partido ou ao governador Rodrigo Garcia? O que foi avaliado nas urnas em São Paulo não foi a administração do PSDB muito menos o trabalho do governador Rodrigo Garcia. Foi uma eleição capturada por aqueles que ficaram presos à dicotomia Lula ou Bolsonaro, o que arrastou as candidaturas de Haddad e Tarcísio a essa polarização.
Rodrigo Garcia não poderia ter feito uma campanha melhor do que fez. Hoje fica claro que talvez nada mudasse o resultado.
Qual o saldo de Doria? Muitos tucanos atribuem a erros dele a situação do partido. Doria deixou a vida privada e conseguiu num intervalo curto ser prefeito e governador da maior cidade e do maior estado. Ele teve um ciclo muito intenso e relativamente curto, mas o conjunto das ações positivas, a exemplo da vacina, é algo que tem que ser registrado como importante para a sociedade.
O sr. disse que não ter um candidato a presidente atrapalhou. Essa fatura está na conta dele? Eu não faço vida pública apontando o dedo pra ninguém. Prefiro guardar as ações de contribuições positivas que Doria deixou. Os danos que o PSDB carregou nesse processo, eu prefiro que olhemos para frente e possamos construir um momento novo no partido.
O sr. disse que faltou tempo para Tebet, mas ela saiu fortalecida e vai ter quatro anos pela frente. Pode ser uma adversária de Leite no campo de centro em 2026? Está muito distante. Prefiro apostar que vamos ter um governo exitoso de Leite e tê-lo pronto para se apresentar ao país no momento apropriado em 2026.
Mas como avalia Tebet? Um grande quadro, fez uma bela eleição. E agora entramos em novo ciclo político.
RAIO-X
Bruno Araújo, 50 anos
Formado em direito pela Universidade Federal de Pernambuco, foi deputado estadual (1999-2007) e deputado federal (2007-2019). Entre maio de 2016 e novembro de 2017, licenciou-se para exercer o cargo de ministro das Cidades do governo Michel Temer (MDB). Hoje sem cargo eletivo, é presidente do PSDB desde PSDB em maio de 2019.