O Brasil terá a 1ª planta do mundo conforme reportagem de Geraldo Campos Jr., do Poder 360, para produzir hidrogênio renovável a partir de etanol. A iniciativa simplificará o transporte da molécula e, no futuro, poderá ajudar na descarbonização de setores da indústria e dos transportes, viabilizando, por exemplo, o uso de carros elétricos a hidrogênio no país. O projeto é liderado pela Shell, que estima R$ 50 milhões em investimentos nos próximos anos.
A implantação será dividida em 3 etapas, sendo que a 1ª delas inclui um posto experimental para abastecimento de veículos na USP (Universidade de São Paulo), numa parceria com o RCGI (Centro de Pesquisa para Inovação em Gases de Efeito Estufa) da universidade, além do Senai e das empresas Hytron, Raízen e Toyota.
O etanol (C2H6O) tem 2 átomos de carbono, 6 de hidrogênio e 1 de oxigênio em cada molécula. O processo consiste em quebrar essa molécula através de um equipamento chamado reformador a vapor através de reações químicas, catalisador e alta pressão e temperatura. A partir daí se tem o hidrogênio. Já o carbono é devolvido para a atmosfera.
De acordo com o gerente de Tecnologias de Baixo Carbono da Shell Brasil, Alexandre Breda, a 1ª fase vai mostrar que é possível descarbonizar a mobilidade através do hidrogênio. Ele destaca que o projeto nasceu numa parceria da petroleira com a Hytron e que o Brasil é o país ideal para protagonizar essa produção, pois também foi vanguardista no etanol.
“Há muito tempo o mundo fala de hidrogênio mas ninguém sabe direito como produzir e transportar. Hidrogênio é a molécula mais abundante no ambiente, mas nunca tá sozinha. Você tem que produzir. E depois transportar, e por ser uma molécula pequena, é complexo o transporte. E pensamos: porque não etanol? Que é um biocombustível brasileiro, não é tóxico. É muito mais fácil transportar o etanol”, disse.
Ele explica que como em nenhum lugar do mundo é feita a produção de hidrogênio a partir de etanol, o projeto ainda tem um caráter de pesquisa, até mesmo para averiguar custos, qual será o preço e a real pegada de carbono desse hidrogênio.
O diretor-científico do RCGI, Julio Romano Meneghini, explica que nesta 1ª fase tudo isso será estudado, além da eficiência da planta-piloto. Segundo ele, os números preliminares mostram que é viável usar o etanol como vetor para transportar o hidrogênio sustentável.
“Se olharmos o etanol de 1ª geração, o hidrogênio produzido a partir dele tem uma baixíssima pegada de carbono e um custo baixo. Pelos dados de laboratório, já se mostra muito competitivo ante o hidrogênio verde, por causa do transporte”, afirma.
Meneghini, que também é professor titular da Escola Politécnica da USP, explica a diferença do chamado hidrogênio verde para este produzido a partir de etanol.
“O que é chamado de hidrogênio verde normalmente é feito a partir da eletrólise da água, a partir da geração de energia eólica e solar. Esse que estamos trabalhando é a partir da reforma do etanol. Outra diferença são as emissões: olhando o CO2 emitido na cadeia, porém, a fabricação dos painéis solares e de torres e pás eólicas têm uma pegada de emissões”, afirma.
No caso do hidrogênio a partir do etanol, também há emissões no início da cadeia, mas que podem ser eliminadas, tornando a pagada de carbono negativa, algo que nem o hidrogênio verde tem. “Se tirar o diesel de todas as etapas de transporte do etanol e utilizar o biometano produzido por ele, temos uma pegada zero. E se capturar o CO2 do processo de fermentação para produção de biomassa, a emissão pode ser negativa”.
A facilidade no transporte é outro fator que diferencia os 2 processos. “Qualquer lugar do Brasil pode receber tanques de etanol. Já existe uma logística para transportar e armazenar etanol. E o custo de transportar um combustível como o hidrogênio na forma gasosa ou na forma liquefeita é mais alto e você tem que investir pra ter esses equipamentos”, diz Meneghini.
Além da unidade da USP, o projeto da Shell estima mais 2 etapas, com ganho de escala gradativo de produção de hidrogênio em cada um. Ainda não há definição sobre local de implantação das demais unidades.
ABASTECIMENTO DE VEÍCULOS ELÉTRICOS
A planta-piloto ocupará uma área de 425 m2 e terá capacidade de produzir 4,5 quilos de H2 por hora, ou 50 m³/hora. A estimativa é que a unidade, que será focada no abastecimento de veículos, seja inaugurada até o 2º semestre de 2024.
A estação vai abastecer 1 carro, o Toyota Mirai, que é o 1º do mundo movido a eletricidade produzida internamente por hidrogênio, além de 3 ônibus urbanos da EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo) convertidos para essa tecnologia.
Alexandre Breda falou sobre a tecnologia, que se difere de um carro elétrico comum: “Esses veículos têm uma célula-combustível que produz a própria energia dentro do carro através do hidrogênio. Ele não é um elétrico que precisa de tomada. Ele será abastecido com hidrogênio, num formato parecido ao abastecimento com GNV (Gás Natural Veicular)”.
Esses veículos são equipados com cilindros de hidrogênio. Esses tanques são ligados a célula-combustível, que soma a esse hidrogênio o oxigênio captado no ar, e produz energia e água a partir dessa reação. A água é liberada pelo escapamento. E a energia vai para o motor para abastecer o carro.
Segundo Meneghini, esses veículos apresentam vantagens em relação aos elétricos tradicionais. Por exemplo, a necessidade menor de bateria. “Como a quantidade de baterias é menor, emite menos CO2 na fase de produção do carro, é mais fácil fazer a reciclagem e o carro fica muito mais leve”.
Outra vantagem é o tempo de abastecimento. “O tempo de recarga é infinitamente melhor. Em 5 minutos carrega o tanque desse carro ou ônibus. É o tempo de encher o tanque de diesel ou gasolina. No elétrico comum demora até 8h para carregar um carro”, diz o diretor do RCGI.