A brutalidade da violência armada que espalha mortes pelo Brasil também amputou pelo menos 2.044 pessoas em todo o país nos últimos 15 anos, revela a série de reportagens “Mutilados”, publicada a partir deste domingo (25) por Felipe Grinberg e Rafael Galdo , do jornal O Globo. Os dados foram extraídos da análise das autorizações de internações hospitalares (AIHs) do Ministério da Saúde. E apontam que a tragédia das mutilações no país supera, num intervalo de tempo parecido, a de militares das Forças Armadas dos Estados Unidos que sofreram amputações de membros superiores ou inferiores devido a lesões em combate. De janeiro de 2001 a outubro de 2017, tempo de guerras como a do Iraque e a do Afeganistão, esse foi o drama de 1.705 soldados americanos, indica um estudo publicado pela Divisão de Vigilância em Saúde das Forças Armadas dos EUA.
O menino Luis Rodrigo Costa Santana, de 11 anos, faz parte dessa triste estatística brasileira. Morador da favela do Chapadão, em Costa Barros, Zona Norte do Rio, ele foi amputado, aos 4 anos, após ser atingido por uma granada jogada por um homem na rua onde mora até hoje.
— Fui curioso. Era tipo uma bolinha. Peguei, e explodiu — conta o menino.
No Brasil, o Estado da Bahia — que na última década costuma liderar o ranking de mortes violentas intencionais no país — também é o que tem mais amputações registradas no sistema do Ministério da Saúde, com 244 casos. O Rio de Janeiro, estado com territórios controlados por traficantes e milicianos, vem logo em seguida, com 202. Já o Pará, marcado por disputas por terra no interior e violência nas cidades, é o terceiro da lista, com 198 registros. E São Paulo, o estado mais populoso do Brasil, é o quarto, com 196.
A análise feita pelo O Globo a partir de dados obtidos via Lei de Acesso à Informação indicam ainda que, no país, a média de idade das pessoas afetadas é de 33 anos. Mas as mutilações atingem todas as gerações. Jovens de 20 a 29 anos representam quase um terço dos afetados nesse período. As crianças de 0 a 11 anos representam 3% das vítimas e os adolescentes, de 12 a 17 anos, 11% do total. Na outra ponta da pirâmide etária, 8,5% são idosos, com mais de 60 anos.
Na cidade do Rio, o médico Felippe Beer, chefe do serviço de cirurgia vascular periférica do Hospital municipal Miguel Couto, afirma que há um aumento da gravidade nos casos de pacientes que chegam às emergências vítimas da violência armada.
— A partir dos anos 2010, 2011, começamos a ter muito mais vítimas de projéteis de alta velocidade, como os tiros de fuzil, e eventualmente outros armamentos de guerra, como granadas. A maioria, infelizmente, nem consegue chegar ao atendimento hospitalar. Quando eles chegam, estão mais graves. Fica mais difícil salvar a vida e, consequentemente, salvar o membro desse paciente — diz ele.
Dados americanos
O estudo americano, por sua vez, foi publicado na edição de julho de 2018 do Relatório Mensal de Vigilância Médica (MSMR, na sigla em inglês). Como um mesmo militar pode ter sofrido mais de uma mutilação, o levantamento dá conta de um total de 1.914 amputações de membros inferiores e 302 de membros superiores.
Os autores chegam ao detalhamento de que, entre as amputações dos membros inferiores, a mais comum foi a transtibial (52%), seguida da transfemoral (25%), da desarticulação do joelho (14%), de pé ou parte do pé (6%), de tornozelo (2%) e da desarticulação do quadril (1%). Nos membros superiores, a amputação transradial (38%) foi a com mais registros, seguida pela transumeral (26%), da mão ou parte da mão (17%), da desarticulação do punho (11%), da desarticulação do cotovelo (6%) e da desarticulação do ombro (3%). Perdas apenas de dedos foram excluídas dos cálculos.
Ainda segundo o levantamento, militares de 21 a 24 anos (40,7% das vítimas) foram o grupo mais atingido, seguido pelos que tinham de 25 a 29 anos (25,7%). Sobre as causas das lesões, a ampla maioria (90,6%, 1.545 pessoas) foi ferida em explosões. Só 4,3% (73 pessoas) foram atingidas por disparos de arma de fogo. E 5,1% (87 militares) tiveram outros tipos de ferimentos.