Em 2035, pouco mais de 20% da frota mundial de carros de passageiros serão de veículos elétricos, enquanto cerca de 75% serão de automóveis de passeio movidos a combustíveis fósseis e 3%, híbridos. As projeções, da consultoria Kearney, indicam um mercado potencial segundo Rodrigo Carro, do jornal Valor, para combustíveis sintéticos — produzidos a partir de água e dióxido de carbono (CO2) — que pode gerar receita de € 12 bilhões para o Brasil dentro de 12 anos. Nesse contexto, o Brasil estaria bem posicionado para fabricar gasolina, diesel e até querosene sintéticos devido ao preço competitivo de sua energia e à participação expressiva de fontes renováveis na matriz.
Isso porque a eletricidade é insumo vital no processo para extração de hidrogênio da água. Já o CO2 pode vir do próprio ar, o que auxiliaria na descarbonização. A invenção do combustível sintético líquido para uso em motores a combustão data de 1913, ainda a partir do carvão. O maior obstáculo ao avanço do sintético está no preço, quase duas vezes superior ao do combustível fóssil. A Kearney estima que um litro de combustível sintético custe € 3,43, incluindo impostos e taxas, ante € 1,80 por litro dos fósseis.
Uma saída para contornar esse entrave à adoção do combustível sintético seria conceder isenções fiscais, sustenta Felix Spangenberg, sócio da Kearney especializado no ramo automotivo. Em um cenário que leva em consideração a taxação europeia sobre emissões de carbono e a redução dos custos de produção, os combustíveis sintéticos têm potencial para se tornarem competitivos após 2035, argumenta o especialista.
O cenário traçado pela consultoria internacional leva em conta uma retração de 23,4% no tamanho do mercado de combustíveis para carros de passageiros entre 2020 e 2035. Dentro desse horizonte de tempo, as vendas do produto encolheriam de 1,28 trilhão de litros para 980 bilhões, influenciadas por ganhos de eficiência nos motores. A expectativa é de que haja 1,65 bilhão de carros de passeio no mundo em 2035, dos quais 1,25 bilhão ainda seriam veículos tradicionais, a combustão.
O Brasil tem potencial para fabricar 10 bilhões de litros de combustível sintético em 2035. A estimativa se baseia na premissa de que o país registrará naquele ano superávit de 176 terawatts-hora (TWh), na esteira do avanço da energia renovável. Pelos cálculos da Kearney, a essa altura, a matriz energética brasileira será composta por 95,9% de fontes renováveis.
A vantagem do país em relação a outros potenciais exportadores de combustíveis sintéticos está — argumenta Spangenberg — no custo competitivo da energia gerada no Brasil. O custo por megawatt/hora no país se situa na faixa entre € 20 e € 30. Em mercados da África e do Oriente médio é até possível chegar a um valor inferior a € 20 por megawatt/hora, segundo levantamento da consultoria. Mas a matriz energética não é tão limpa quanto a brasileira.
Apesar da atual diferença de preços significativa em relação aos combustíveis fósseis, o produto sintético está no radar de grandes montadoras. A Stellantis – companhia que engloba as marcas Citroën, Jeep, Fiat e Peugeot, entre outras – testa a performance desse tipo de combustível em diferentes famílias de motores. A japonesa Toyota fechou parceria com a petroleira ExxonMobil para o desenvolvimento experimental de combustíveis sintéticos.
Spangenberg frisa que os biocombustíveis e os sintéticos são produtos inteiramente distintos. “[A produção de sintéticos] não compete com o cultivo de alimento, como é o caso do etanol”, compara o consultor.
A fabricação de álcool etílico, por exemplo, requer uso da terra duas vezes maior quando comparado à produção de combustível sintético utilizando energia de fonte renovável, estima a Kearney. A comparação é feita por meio de uma unidade específica: metros quadrados de terra usados por 100 quilômetros de alcance (percorridos no veículo).
Em termos de poluição, a queima do combustível sintético, assim como a do biocombustível, não gera emissões primárias de CO2, mas produz quantidade de dióxido de enxofre (SO2) similar à gerada pelos combustíveis fósseis. Resulta também na emissão dos poluentes óxidos de nitrogênio, da mesma forma que acontece na queima de combustíveis fósseis e biocombustíveis.