O governo brasileiro esperava que a passagem do presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela conferência climática da ONU (COP28) em Dubai, nos Emirados Árabes — a primeira dele como chefe de Estado em 13 anos — marcaria o retorno do Brasil ao topo da liderança mundial na questão ambiental.
Mas dois anúncios surpreendentes ao longo dos dois dias de agenda oficial de Lula acabaram “roubando a cena” do governo na COP28: o ingresso do Brasil em um grupo de países aliados à Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep) e as críticas do presidente da França, Emmanuel Macron, ao acordo Mercosul-União Europeia — que põem em risco a finalização do tratado.
Ambos episódios despertaram críticas às credenciais ambientais brasileiras — justamente em um evento em que o Brasil buscava o protagonismo na agenda verde.
No caso da adesão à Opep+, o Brasil foi criticado por ambientalistas, que dizem que é contraditório o país atacar o uso de combustíveis fósseis e, ao mesmo tempo, se aliar a um grupo que luta pelos interesses do setor de petróleo.
Já no acordo Mercosul-União Europeia, as críticas partiram de Macron, que elogiou Lula por seu protagonismo mundial na questão do ambiente, mas disse que o tratado facilitaria a importação na França e na Europa de produtos com pegada ambiental suja produzidos em países do Mercosul — em especial do Brasil.
Respostas de Lula
No último domingo (3), poucas horas antes de embarcar para a Alemanha, Lula respondeu às duas críticas que surgiram ao Brasil na COP28.
Sobre a Opep+, Lula disse que a condição de aliado à Opep não significa uma adesão ao grupo, mas sim que o país será “observador” — “eu vou para ouvir e para dar palpite”, disse o presidente.
Lula afirmou que o Brasil entrará no fórum para defender alternativas ao petróleo.
“É verdade que nós precisamos diminuir o combustível. Mas é verdade que nós precisamos criar alternativa. Então antes de você acabar por sectarismo [com o petróleo] você precisa oferecer a humanidade uma opção. E a nossa participação na Opep+ é para discutir com a Opep a necessidade dos países que têm petróleo e que são ricos começar a investir um pouco do seu dinheiro para ajudar os países pobres do continente africano, da América Latina, da Ásia a investir em combustível.”
Lula disse que a Opep pode ajudar países como o Brasil a investir em projetos de etanol, energia eólica, solar e hidrogênio verde.
“Não tem nenhuma contradição, não tem nada. O Brasil não será membro efetivo da Opep nunca porque nós não queremos. Agora o que nós queremos é influir.”
Lula também respondeu às críticas de Macron sobre a falta de cláusulas ambientais no acordo Mercosul-União Europeia. O presidente francês havia dito no sábado (3/12), minutos após se encontrar com Lula, que o acordo era “completamente contraditório” com a política ambiental de França e Brasil, pois ele não garante que haverá descarbonização das economias envolvidas.
O presidente brasileiro disse que a verdadeira preocupação da França no acordo Mercosul-União Europeia não é o meio ambiente — mas sim garantir formas de proteger seus produtores de competição que vem do Brasil e da América do Sul.
“A posição do nosso companheiro presidente da França é conhecida historicamente. A França sempre foi o país que criou obstáculo no acordo Mercosul-União Europeia porque a França tem milhares de pequenos produtores e eles querem produzir os seus produtos. Agora o que ele não sabe é que nós também temos 4,6 milhões de pequenas propriedades de até 100 hectares que produzem quase 90% do alimento que nós comemos e que são alimentos de qualidade e que nós também queremos vender.”
Lula disse que tentou “mexer com o coração de Macron” para que o presidente francês pensasse um pouco mais na América do Sul.
“Se não tiver acordo, paciência, não foi por falta de vontade. A única coisa que tem que ficar claro é que não digam mais que é por conta do Brasil. Assumam a responsabilidade de que os países ricos não querem fazer um acordo na perspectiva de fazer qualquer concessão.”
COP28
A participação de Lula na COP28 foi encerrada — mas o encontro ainda vai continuar até a semana que vem. Negociadores de todo mundo — inclusive do Brasil — seguirão debatendo temas como a meta global de limitar o aquecimento global a 1,5º C acima de níveis pré-industriais, financiamento de países ricos aos mais pobres que sofrem com eventos climáticos extremos e a transição energética de combustíveis fósseis para fontes renováveis.
Lula recebeu destaque na abertura da COP28. Ele foi apenas o quinto líder a discursar — depois do secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, e do rei Charles 3º do Reino Unido.
Lula reforçou a agenda ambiental brasileira: de compromisso com a meta de limitar o aquecimento global a 1,5º C acima de níveis pré-industriais, de que países ricos que emitem muitos gases nocivos precisam compensar os países pobres que sofrem com eventos climáticos extremos e de que precisa haver uma transição energética — com diminuição do uso de combustíveis fósseis e adoção maior de energia renovável.
“É hora de enfrentar o debate sobre o ritmo lento da descarbonização do planeta e trabalhar por uma economia menos dependente de combustíveis fósseis. Temos de fazê-lo de forma urgente e justa”, disse Lula no seu discurso na sessão de abertura. “Quantos líderes mundiais estão de fato comprometidos em salvar o planeta?”
Impulsionado por números recentes que mostram queda no desmatamento da Amazônia durante seu governo, Lula participou de diversos eventos na cúpula da ONU — como sobre reflorestamento, diálogo com a sociedade civil, agenda dos países não-alinhados e sessões oficiais da cúpula.
O Brasil trouxe uma grande comitiva de ministros, como os da Fazenda, Meio Ambiente e Minas e Energia, além de presidentes do BNDES, Petrobras e ApexBrasil, a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos.
A delegação de negociadores brasileiros segue em Dubai até o fim da cúpula. E agora os esforços do governo brasileiro se voltam para sediar a COP30 de 2025 em Belém, no Pará. Lula disse à imprensa que avisou aos líderes mundiais para “não esperarem esse luxo aqui de Dubai” em Belém, mas que lá as discussões poderão ser feitas em baixo de árvores ou na beira dos rios.
Críticas ao Brasil
Ambientalistas com quem a BBC News Brasil conversou em Dubai foram críticos à participação de Lula na cúpula.
Para muitos, a aliança do Brasil à Opep+ acabou ofuscando a agenda positiva que o governo tentava apresentar ao mundo.
“A eliminação progressiva dos combustíveis fósseis é a única forma de ainda cumprir os objetivos do Acordo de Paris. Qualquer novo poço perfurado, ou mesmo o esgotamento dos atuais projetos de exploração, já significaria ultrapassar os limites de emissões necessários para atingir esse objetivo”, disse Javier Davalos, advogado do programa de clima da ONG Interamerican Association for Environmental Defense, sediada nos Estados Unidos.
“A proposta do Brasil para a COP28 é a Missão 1.5, que defende o alcance desse objetivo comum entre as nações, e o presidente Lula comprometeu o país a liderar pelo exemplo. No entanto, as palavras parecem insuficientes, uma vez que o Estado anunciou que pretende ser o quarto maior produtor de petróleo do mundo e provavelmente irá aderir à Carta de Cooperação OPEP+.”
Peri Dias, porta-voz do movimento global 350.org, também sediado nos EUA, que combate o uso de combustíveis fósseis no mundo, disse que a aliança com a Opep é um “problema que o Brasil não precisava comprar, e que vai fazer mal à imagem do Brasil”.
“O Brasil deveria estar se afastando dos combustíveis fósseis nesse momento, investindo em energias renováveis, pelo potencial que o país possui, e não se vinculando a um clube de produtores de petróleo.”
Para Dias, Lula fez bons discursos na ONU, mas “esse discurso entra em contradição com as ações do governo”.
“E as ações falam muito mais do que as palavras.”