Os diferentes níveis de impacto das eleições presidenciais dos Estados Unidos, marcadas para esta terça-feira (5) levam a disputa entre o ex-presidente Donald Trump e a vice-presidente Kamala Harris ao topo das discussões geopolíticas mundiais.
As posturas do presidente Joe Biden nas guerras entre Ucrânia e Rússia, iniciada há mais de dois anos, e no conflito entre Israel e o grupo radical islâmico Hamas, que já completou um ano, envolve financiamento militar e endosso político e é central para os próximos passos dos dois confrontos.
Ao mesmo tempo, os EUA estão entre os principais parceiros comerciais do Brasil e um eventual retorno de Trump à Casa Branca é encarado pelo Palácio do Planalto com potencial para fortalecer a oposição radical ao governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas eleições de 2026 — não à toa, o petista anunciou apoio à democrata na disputa e associou sua vitória à “defesa da democracia”, mote que embalou sua própria vitória nas urnas.
O que esperar dos EUA
Para projetar as posições que o governo americano deve adotar a partir de janeiro de 2025 a depender de quem for eleito, o site IstoÉ entrevistou dois pesquisadores das relações políticas americanas:
— Alberto Pfeifer, coordenador do grupo de Análise de Estratégia Internacional da USP (Universidade de São Paulo)
— Denilde Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP (Escola Superior de Propaganda e Marketing)
— Leandro Consentino, professor de relações internacionais e ciência política do Insper
Parcerias militares com Ucrânia e Israel
Alberto Pfeifer Não há indícios de alteração significativa na postura dos EUA em relação a esses dois conflitos em caso de vitória de Kamala.
Mesmo com críticas ao governo de Israel, a democrata reiterou durante a campanha que manterá o respaldo às ações israelenses, tanto do ponto de vista político quanto da cooperação econômico-militar; no caso do apoio à Ucrânia, prevalece a voz dos assessores de Defesa do governo e dos congressistas mais associados ao tema.
Em um eventual retorno à Casa Branca, Trump sinaliza com uma propensão maior a atender às demandas da parte da Rússia. No caso do conflito israelense-palestino, a tendência é de um respaldo ainda maior às ações de Israel, ao mesmo tempo em que se prevê a busca de soluções negociadas, nos moldes dos acordos de Abraão, para que parceiros árabes do governo americano — como a Arábia Saudita — se juntem ao país no enfrentamento ao Irã e ao eixo representado por esse país.
Denilde Holzhacker Trump tem dado sinais, desde o início da campanha, de que vai buscar chegar a um acordo quanto ao conflito Rússia-Ucrânia, ainda que isso signifique perda de território para os ucranianos. Além disso, o republicano deve endossar um posicionamento de seu partido de reduzir o gasto de recursos americanos com essa guerra. Há um questionamento a respeito da possibilidade desse corte de gastos se estender também à Otan.
Com relação a Israel, Trump defende a necessidade de alcançar a paz, mas tem reiterado o apoio a Netanyahu [primeiro-ministro israelense] e a sustentação militar a Israel, se colocando como um aliado militar inclusive em caso de ofensiva israelense no Irã. A participação de Trump nesse conflito é muito mais esperada.
No caso de Kamala, a expectativa é de que ela mantenha as atuais posições de apoio do governo Biden às ações de Ucrânia e Israel nos dois conflitos em questão.
Leandro Consentino Kamala sinaliza com a manutenção de uma postura pró-Ucrânia e deve manter os endossos militares praticados pelo governo Biden, mas suas posições mais progressistas na comparação com o atual mandatário podem levar a Casa Branca a um tom mais crítico em relação ao governo Netanyahu, de quem o presidente é um parceiro.
A expectativa é oposta em um eventual governo Trump, do qual se espera um aprofundamento do apoio a Netanyahu — os dois compartilham visões de mundo –, e a expressão de contrariedade à Ucrânia. Mesmo com críticas públicas, Trump mantém relações próximas com Vladimir Putin e seus arroubos retóricos revelam uma afinidade com o regime russo.
Relações com o Brasil
Alberto Pfeifer A declaração do presidente Lula foi inapropriada e extemporânea, já que não convém interferir no processo eleitoral de um país amigo. Não redundará em qualquer preferência adicional caso Kamala seja a vitoriosa no pleito e, numa eventual vitória de Trump, deporá contra o governo brasileiro.
Ainda que o Brasil esteja distante das prioridades americanas, uma antipatia do republicano na condição de presidente afeta a posição da Casa Branca na agenda hemisférica e, por sua vez, impacta diretamente interesses brasileiros, como o meio ambiente e o narcotráfico intercontinental.
O governo Lula demonstra interesse em capitanear uma agenda ambiental, como fica demonstrado na sede da COP-30 [marcada para novembro de 2025, em Belém], e o encaminhamento de demandas dessa cúpula depende de uma parceria positiva com o governo americano. Para sublinhar o papel de preponderância brasileira nessa agenda, qualquer antipatia de um eventual presidente dos EUA é encarada como um entrave.
Denilde Holzhacker O cálculo do presidente Lula ao anunciar apoio a Kamala é de que ele, de fato, não terá proximidade de Trump em um eventual novo governo do republicano. Ainda assim, não há expectativa de qualquer ofensiva americana contra o Brasil nesse eventual mandato.
O que se coloca como esperado é uma política de polarização com a China por parte de Trump, o que gera implicações para aliados comerciais dos chineses [caso do Brasil], isso está em conta para a relação brasileira.
Ainda que a vice-presidente não sinalize com políticas que gerem benefícios econômicos diretos ao Brasil, é natural esperar que haja um alinhamento em outras agendas em caso de vitória da democrata — o combate à extrema direita internacional, as discussões ambientais e a regulação da inteligência artificial são exemplos de maior proximidade. Em um eventual governo Trump, haverá antagonismo ao governo Lula nessas agendas.
Leandro Consentino O apoio público do presidente Lula à eleição de Kamala pode dificultar a relação com um eventual governo Trump. Ao mesmo tempo, essa posição abre margem para uma avaliação no sentido de que o governo federal, pela sinergia de visões de mundo e pela projeção de um protecionismo econômico por parte do republicano, terá uma relação muito melhor com os EUA em caso de vitória de Kamala.