Desde a década de 1970, quando foi cunhado o termo economia comportamental, muitas empresas começaram a mudar suas diretrizes e métricas de crescimento. O objetivo era entender melhor como age, o que faz e o que espera o cliente, ao invés de intuir quais produtos e serviços seriam os mais desejados. No setor privado, essa nova cultura também instituiu a racionalização dos gastos, o que colocou os adeptos do formato na vanguarda muito antes de se falar em algoritmo, inovação e disruptura. Foi ótimo para as empresas. Mas a onda passou à margem de quase todo setor público. Como resultado, ainda hoje, a forma como o Estado opera está cada vez mais distante das boas práticas da atualidade.
No Brasil, segundo Paula Cristina da revista IstoÉ, uma ideia que ganhou força é a de que os serviços públicos são ruins e que para resolver isso seria preciso gastar mais dinheiro. Errado. A história recente tem comprovado que elevar o gasto não melhora coisa alguma. Trata-se de uma ferramenta política usada sem grande sucesso desde Getúlio Vargas. O Estado brasileiro gasta cada vez mais, sem que a população se beneficie. Como sair desse ciclo?
O economista Esteban Rossi-Hansberg, professor da Chicago University e Princeton, realizou um mapeamento da economia comportamental sob a ótica do poder público. As respostas descrevem o Brasil: “Países com alto nível de corrupção e em desenvolvimento relacionam mais dinheiro com qualidade, quando na verdade o dinheiro é o que menos importa nesses casos”, afirmou. Para ele, mais importante é entender as necessidades da população. “E esse tipo de mapeamento precisa partir dos gestores municipais. Tanto do Legislativo quanto do Executivo”, disse.
Prefeitos
Nas eleições de 2020, o perfil do prefeito padrão no Brasil era homem branco de 50 a 54 anos e apenas metade deles com nível superior de escolaridade. Dos eleitos, 78% definem sua profissão principal como prefeito, o que é um problema, segundo Rossi-Hansberg. “Políticos profissionais servem para ganhar eleições não para gerir cidades, estados ou países”, disse. Para piorar, o que ocorre no Executivo se repete no Legislativo. Vereadores, deputados e senadores estão mais preocupados com o status quo do cargo (e com a própria reeleição) do que com o exercício de suas funções de modo inteligente. Isso tem impacto direto na economia uma vez que a destinação de recursos do Orçamento segue o clientelismo, sem critérios de execução, performance ou metas.
Para a professora da Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal Minas Gerais (UFMG), Célia Regina Beltrão, grande parte deste comportamento é fruto do sistema político. “A reeleição, a pluralidade de partidos e o parlamentarismo no armário são indutores desse jogo fisiológico”, afirmou. A pesquisa de Rossi-Hansberg estima que uma mudança de cultura substancial de um sistema político dominado pelo fisiologismo leva entre quatro e seis ciclos eleitorais o que no Brasil poderia chegar a 24 anos. É pouco menos que o tempo de vida da nossa Constituição, promulgada em 1988. Segundo Rossi-Hansberg, para que haja uma mudança cultural na gestão pública seria preciso deixar de lado o que interessa ao partido ou ao mandato e focar no bem-estar da população. “E para isso existem softwares que mapeiam com precisão matemática onde estão os reais problemas nacionais”, afirmou. Entender a demanda também ajudar a não desperdiçar recursos públicos. Na Itália, um dos países com o maior número de idosos da Europa, o primeiro-ministro regulamentou a telemedicina na pandemia. “Deu tudo errado, claro. Seria muito mais eficaz enviar enfermeiros aos domicílios que gastar horrores com um aplicativo experimental.”
Mas há exemplos bem-sucedidos. No Reino Unido, um grupo chamado Behavioural Insights Team44 se especializou em pensar novas políticas públicas para solucionar problemas que atravessam as décadas. Deu tão certo que, em 2015, Barack Obama criou diretrizes para que todos os órgão federais desenvolvessem departamentos para esse tipo de pesquisa. Um dos exemplos práticos por lá foi uma mudança no sistema previdenciário. Até 2016 o cidadão americano precisava ir até o banco para aderir um programa de aposentadoria do governo, o que tornava a taxa de conversão baixíssima. Até que a Receita inverteu os papéis. Os americanos seriam inclusos automaticamente e quem quisesse cancelar é que deveria ir ao banco. O resultado é que a poupança pública aumentou 47% em um ano.