Coordenador do MTST e pré-candidato ao governo de São Paulo pelo PSOL, Guilherme Boulos acredita que o ex-presidente Lula é o nome certo para derrotar o projeto de reeleição de Jair Bolsonaro. Apesar disso, não cansa de fazer críticas à cada vez mais provável parceria entre o petista e o ex-governador paulista Geraldo Alckmin. Nem mesmo a alegação de que ter Alckmin como vice seria útil para a governabilidade de um eventual governo Lula o convence.
“Quantos deputados o Alckmin tem no Congresso? Nenhum!”, disse Boulos à coluna de Chico Alves, no UOL. “Pega a bancada do PSDB, que já é bastante diminuta hoje no Congresso, quantos respondem ao Alckmin?”.
Apesar dessa postura crítica quanto ao ex-tucano, Lula disse que gostaria de juntar Alckmin e Boulos no evento de lançamento oficial de sua candidatura a presidente, em abril. O coordenador do MTST evita comentar como seria um eventual encontro nessas circunstâncias Diz que a decisão vai ser discutida dentro do partido.
Para Boulos, a confirmação de Alckmin como vice na chapa do PT não deverá levar jovens da periferia de São Paulo a votar nulo, como cogitou o youtuber Thiago Torres, o Chavoso da USP, que mora na comunidade de Paraisópolis. Ele reconhece que a participação do ex-governador na chapa causa “desconforto”, mas acredita que no atual clima de polarização a tendência da oposição ao bolsonarismo será votar em Lula.
O ex-presidente petista disse que o MTST terá papel de destaque em um possível governo. Na entrevista à coluna de Chico Alves, no UOL, Boulos explica como isso se daria: a entidade poderá colaborar na elaboração de políticas que tratem não só da construção de moradia, mas da garantia do direito à cidade.
UOL – Em seu último artigo para a Folha de S. Paulo você dizia “Lula, sim; Alckmin, não”. Mas Lula anunciou que vai lançar a candidatura em abril e gostaria de juntar vocês dois naquele evento.
Guilherme Boulos – Eu estou convencido que o caminho que nós temos para derrotar o Bolsonaro em 2022 é o Lula. Ele é o candidato que tem melhores condições para isso. Tenho trabalhado para que o PSOL consolide seu apoio ao Lula, a coisa tem ido para essa direção. Tenho dito e repito que acho um sinal muito ruim o Alckmin de vice. Por algumas razões que vou listar.
Primeiro, simbolicamente é ruim. Principalmente para quem é de São Paulo, como eu. O Alckmin foi governador em três oportunidades e fez governos à direita, fez governos que atacaram o serviço público. Eu fui professor no governo Alckmin e era um destrato com a Educação que você não acredita. Não tinha papel higiênico na escola, não tinha reajuste salarial, não tinha plano de carreira. O Alckmin foi o governador que ordenou o despejo do Pinheirinho, em São José dos Campos, uma das maiores barbaridades que a gente viu de ataque ao direito à moradia.
Segundo: nós vivemos há pouco mais de cinco anos um golpe parlamentar no Brasil urdido pelo vice. O Michel Temer arquitetou com Eduardo Cunha o golpe contra Dilma. Embora eu ache que pessoalmente Alckmin é menos desleal que Michel Temer, ele vem do mesmo campo político e vai ter a confiança de setores do mercado que podem ter conflitos com o governo do Lula, setores do Centrão, da direita política.
E terceiro: acho que essa aliança agrega pouco voto. Acho bastante compreensível que Lula faça gestos para o centro, buscar isolar o Bolsonaro na extrema-direita. Mas acho que Alckmin não representa um gesto que agregue eleitoralmente de maneira significativa diante do desgaste que ele traz.
O ex-presidente Lula disse em uma coletiva que Alckmin seria importante para depois da eleição, para garantir a governabilidade.
Quantos deputados o Alckmin tem no Congresso? Nenhum. Pega a bancada do PSDB, que já é bastante diminuta hoje no Congresso, quantos respondem ao Alckmin?
Óbvio que tem esse simbolismo de “dar confiabilidade”, mas o Lula não precisa disso, ele governou duas vezes o Brasil. Fez aliança, fez pacto, manteve a governabilidade. Mas, enfim, isso não é o tema que impedirá o PSOL de buscar uma unidade no campo progressista contra Bolsonaro.
Onde nós estamos focando, e tivemos a primeira reunião formal para isso, é discutir programa. A maior contribuição que o PSOL pode dar a esse processo é colocar pontos programáticos que são muito caros para nós, como revogação do teto de gastos, reforma tributária progressiva que taxe os bilionários e combata a desigualdade, uma agenda ambiental ousada contra o desmatamento e em defesa dos povos indígenas, por transição energética, por um outro modelo agrícola. É nesse ponto que queremos centrar o debate.
Mas em abril, no lançamento da candidatura do ex-presidente Lula, vai aceitar o convite para estar ao lado de Alckmin? Como seria esse encontro?
O PSOL nem tomou a sua definição formal ainda, que deverá ser tomada no fim de abril, numa conferência eleitoral do partido. Para mim é delicado. Eu não faço voo solo, sempre construí política coletivamente, dentro dos grupos que eu atuei, no movimento social, e agora partidariamente no PSOL já há alguns anos. Então, essa decisão vai ser discutida dentro do partido.
O youtuber Thiago Torres, o Chavoso da USP, que mora em Brasilândia, causou uma discussão grande nas redes sociais ao dizer que com Alckmin na chapa de Lula poderia pela primeira vez votar nulo. Você acredita que jovens paulistas da periferia poderiam seguir esse caminho?
É evidente que o Alckmin gera desconforto. No governo dele aumentou a letalidade policial contra jovens negros nas periferias de São Paulo. Esse é um fato real do qual a gente tem que partir.
Mas essa eleição vai ser muito polarizada entre Lula e Bolsonaro. Acho que essa mesma juventude da periferia pôde sentir na pele o que é o governo Bolsonaro. Um governo genocida, um governo autoritário, um governo de desprezo aos pobres, tem “povofobia”, detesta povo, tanto na sua política econômica quanto no seu conjunto, detesta diversidade, é intolerante.
No clima que vamos ter no processo eleitoral, que na minha opinião vai ser muito conflagrado, não tem jogo ganho, eu acredito que nessa polarização a tendência da oposição ao bolsonarismo, daqueles que não querem que Bolsonaro continue no poder, será votar no Lula.
Lula disse que, se eleito, o MTST teria papel de protagonista no governo. Como imagina isso na prática?
O grande papel que o MTST pode ter é na formulação de programas. Se você pega o que foi a política habitacional no governo Lula e, depois, no governo Dilma o Minha Casa Minha Vida, embora tenha havido uma parceria com o movimento social, isso não representou nem 2% ou 3% das residências construídas pelo programa. O grosso foi feito a partir do sistema tradicional, feito com empreiteiras.
Nós sempre criticamos isso, dialogamos com o Lula, dialogamos com a Dilma e com quem passou pelo Ministério das Cidades, sob o ponto de vista de ter um programa que valorize mais as experiências de autoconstrução, de mutirão, que seja inclusive mais rápido e mais barato. Que inclua não apenas moradia, mas a cidade.
Não adianta sair construindo conjunto habitacional com cinco mil apartamentos lá no fundão onde não tem infraestrutura, onde não tem serviço, onde é distante de onde as pessoas trabalham. É preciso ter um programa habitacional que calcule o direito à cidade e utilizar imóveis que estão abandonados nas regiões centrais, uma pauta que a gente defende aqui m SP, para que sejam transformados em moradias populares, nas regiões onde está a concentração de serviços públicos e oferta de empregos. Com isso você toca na mobilidade, reduz as distâncias, um debate urbanístico que está sendo feito em nível internacional.
Nesses temas o MTST sabe porque sente na pele, sabe porque está junto todos os dias com o pé no barro com as pessoas que sofrem com a falta de moradia, essa pode ser a grande contribuição: na formulação de um programa habitacional para o Brasil que seja mais participativo, que considere o direito à cidade, além de resolver a tragédia que nós temos visto, da falta de habitação, com gente morando na rua nas grandes cidades brasileiras.
As últimas pesquisas de intenção de voto mostraram uma redução da distância entre Lula, em primeiro, para Bolsonaro, em segundo. E há previsões de que essa distância vai diminuir ainda mais. Qual a sua expectativa para essa corrida eleitoral?
Sou corintiano, mas a final da Libertadores ensinou pra gente que não existe jogo ganho. O Flamengo tinha um time melhor que o do Palmeiras e perdeu. Em eleição também não existe jogo ganho. Vai ser preciso um processo de mobilização e engajamento nessa campanha.
Tenho dito isso para o próprio Lula, na reunião que tivemos entre PSOL e PT foi um ponto que a gente fez questão de marcar, a importância de ter comitês nas periferias, nos bairros, no interior, de ter a militância engajada, animada, valorizada, fazendo diálogo. Ter uma campanha mobilizada será essencial.
Esse ano não tem espaço para campanha banho-maria. Vai ter que ter muito engajamento e mobilização. Porque o bolsonarismo ao seu modo também produz isso. Eles vão atuar em duas frequências. A que eles sempre atuaram que é o submundo das redes sociais, do disparo em massa, das fake news, como eles ganharam a eleição em 2018. E agora vão ter a outra frequência oficial que é a máquina: tempo de TV, aliança partidária, palanques regionais.
Então vai ser uma eleição dura, difícil. Acredito que Lula é favorito para ganhar, pela tragédia que é o governo Bolsonaro, pela memória do governo do petista, mas vamos precisar ter o time na rua e muita mobilização social para ganhar bem as eleições de outubro.