Sob pressão do Congresso, o presidente Jair Bolsonaro revogou nesta terça-feira (25), os decretos de maio que facilitavam posse e porte de armas no País. Mas, no lugar, editou três novos atos presidenciais sobre o assunto e propôs projeto de lei em que pede aval aos parlamentares para que o Executivo decida, por conta própria, quem tem direito ao porte de arma. Nas últimas semanas, senadores e deputados contrários à medida disseram que o presidente não pode regular esse tema por decreto.
Os decretos do mês passado permitiam que 19 categorias profissionais (como caminhoneiros, políticos e jornalistas) requeressem o porte, além de flexibilizar a posse, sobretudo em áreas rurais. As assessorias legislativas consideraram parte das medidas inconstitucional. Hoje, a lei não prevê a possibilidade de definir por decreto as categorias habilitadas a circularem armadas.
Semana passada, o Senado havia decidido derrubar esses decretos de maio e a Câmara avisou que, se o presidente não recuasse, seguiria na mesma direção. Diante da derrota iminente, Bolsonaro colocou em campo seus articuladores políticos.
Após muita confusão e ameaças dos parlamentares de complicar a vida do governo no Congresso para aprovar a reforma da Previdência (mais informações ao lado), o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, se reuniu com os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), e do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP) para garantir que o governo revogaria os decretos anteriores e editaria novos, com pontos menos polêmicos.
Além de fixar a prerrogativa do Executivo de definir quem tem direito ao porte, projeto enviado nesta terça ao Congresso prevê a chamada “posse estendida” para moradores de área rural. Isso significa autorizar a compra de armas e o uso dos equipamentos em toda a extensão dos imóveis do campo – e não só na sede ou parte edificada da propriedade. O texto ainda abranda as exigências para caçadores, colecionadores e atiradores (CACs), além de tornar mais flexíveis as normas para posse de armas e munição. A proposta ainda mantém a anistia a quem tem arma sem registro e estabelece prazo de dois anos para solicitar esse cadastro, desde que comprovada a origem legal do equipamento.
De acordo com Onyx, o combinado com Maia e Alcolumbre foi que o projeto de lei recuperaria parte do conteúdo dos decretos revogados e seria votado em até 45 dias. “Já construímos esse entendimento.”
O ministro da Casa Civil destacou que Bolsonaro tem direito de regulamentar o porte de armas por decreto. Mas concordou em protocolar um projeto para atender o Congresso.
A revogação das normas de maio serviria ainda para deter outra frente de ataque ao governo – as cinco ações no Supremo Tribunal Federal (STF) que questionam o uso de decretos para alterar o Estatuto. A Advocacia-Geral da União (AGU) pediu ao presidente da Corte, ministro Dias Toffoli, o adiamento do julgamento sobre o assunto, previsto para esta quarta-feira, 26. Na pauta do STF, das 18 horas desta terça, o item já não constava.
Desmentido
A divulgação das medidas sobre o tema ontem foi marcada por versões desencontradas por parte do governo. No fim da manhã, o porta-voz da Presidência, Otávio do Rêgo Barros, veio a público para anunciar que o governo não revogaria os decretos de maio. A forte pressão do Congresso fez o general ser desmentido horas depois. Uma edição extra do Diário Oficial da União foi publicada com três novos decretos. A publicação, porém, foi logo retirada do ar.
Questionada, a assessoria do Planalto não deu explicações sobre o ocorrido. Só detalhou as novas medidas no fim da noite, quando avisou que um dos novos decretos, que abordava justamente as regras para porte de armas, também seria revogado. Um novo texto deve ser publicado em edição extra do Diário Oficial ainda nesta quarta.
Os outros dois novos decretos – obtidos ontem pelo Estado – tratam sobre posse de armas para cidadãos comuns e regras para colecionadores, caçadores e atiradores esportivos. Para que não haja vácuo na legislação, o presidente manteve as regras sobre a posse existentes desde 2004 – restritas, na linha do Estatuto do Desarmamento, exigindo a comprovação de “efetiva necessidade” por parte do interessado no porte.
Entidades do setor criticaram a movimentação de Bolsonaro ontem. Em nota, o Instituto Sou da Paz lamentou “a total falta de direção na condução da política nacional de armas de fogo exercida pelo governo federal”. Disse ainda que Bolsonaro “brinca com a vida de brasileiros e brasileiras vítimas da falta de controle de armas e relega à absoluta insegurança jurídica o bom trabalho de policiais, promotores e juízes em aplicar as normas vigentes”.
Já o Fórum Brasileiro de Segurança Pública classificou a edição das novas medidas um “mero artifício político que demonstra desprezo institucional e nenhuma disposição ao debate sério e aprofundado sobre um tema tão polêmico”.
Senado
A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado manteve na pauta desta quarta proposta que autoriza a aquisição de armas por moradores de áreas rurais e o uso dos equipamentos em toda a extensão dos imóveis do campo. O projeto é defendido pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO).
Alcolumbre espera analisar o tema também em plenário, embora já se negocie versão expandida da proposta. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.