Após ser indiciado pela Polícia Federal (PF), o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) afirmou em entrevista ao portal UOL que cogita se refugiar em uma embaixada caso tenha sua prisão decretada. Segundo especialistas ouvidos por Caio Sartori e Hyndara Freitas, do O Globo, essa possibilidade poderia blindar o ex-presidente de prendê-lo preventivamente, mas o processo para esse refúgio não é tão simples assim.
A advogada constitucionalista e mestre em Direito Público pela FGV Vera Chemim explica que caso Bolsonaro vá para uma embaixada de outro país, ele fica protegido de qualquer tipo de prisão pelas autoridades brasileiras. Entretanto, essa proteção depende de como os crimes imputados a ele serão interpretados e o ex-presidente precisa provar que está sendo alvo de perseguição no Brasil.
— A depender da interpretação que se dê aos crimes supostamente cometidos por Bolsonaro, ele correria o risco de não ser beneficiado da condição de refugiado em outro país. Certos crimes, como por exemplo, os crimes contra a paz e crimes contra a humanidade excluem qualquer possibilidade de se obter refúgio em outro país. Caso os crimes a ele imputados não sejam interpretados dessa forma, ele poderá sim, contar com o refúgio em qualquer país que o acolha — ressalta a especialista.
Caso opte por este caminho, Bolsonaro teria os mesmos direitos dos cidadãos do país que o acolhesse, sem ter qualquer discriminação.
Questionado se temia ser preso ao fim da investigação, Bolsonaro disse que já ter passado por três operações de buscas e apreensão, as quais considerou absurdas, e que vivia em um “mundo de arbitrariedades”. Ao ser questionado se cogitava exílio, declarou:
— Embaixada, pelo que eu vejo a história do mundo, né, quem se vê perseguido pode ir pra lá. Se eu devesse alguma coisa, estaria nos Estados Unidos, não teria voltado— respondeu.
Na semana passada, o ex-presidente e outras 36 pessoas foram indiciados pelos crimes de tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição do Estado democrático de direito e organização criminosa. A investigação começou após a invasão de golpistas a prédios da Praça dos Três Poderes, em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, com o objetivo de chegar à cúpula que arquitetou uma tentativa de golpe no país.
O que pesa contra Bolsonaro
A PF se referiu ao ex-presidente como alguém que “planejou, atuou e teve domínio” do plano golpista, e aponta uma série de episódios o envolvendo para justificar essa conclusão. Um deles é a minuta golpista que, segundo a corporação, foi apresentada por Bolsonaro para os comandantes das Forças Armadas, após a derrota nas eleições presidenciais de 2022. O episódio foi relatado pelo ex-ajudante de ordens Mauro Cid em seu acordo de delação premiada. O relato de Cid foi confirmado em depoimento pelos ex-comandantes Marco Antônio Freire Gomes (Exército) e Carlos Almeida Baptista Júnior (Aeronáutica). Almir Garnier, que chefiava a Marinha, foi o único a concordar com a minuta, segundo a investigação.
O documento previa as hipóteses de instaurar Estado de defesa ou de sítio, além de dar início a uma operação de Garantia da Lei e da Ordem (GLO). Segundo depoimentos, Freire Gomes, chegou a ameaçar Bolsonaro de prisão caso prosseguisse com o plano de golpe de Estado.
Outro elemento citado na investigação é a reunião com teor golpista em julho de 2022 no Palácio do Planalto com integrantes do primeiro escalão do governo. Na ocasião, Bolsonaro incitou uma ação antes das eleições, e foi seguido por alguns minutos na fala pró-golpe.
Ainda segundo o relatório da investigação, Bolsonaro sabia do plano para matar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), em 2022. O documento com o planejamento dos assassinatos, batizado de “Punhal verde amarelo”, foi impresso no Palácio do Planalto pelo então número 2 da Secretaria-Geral da Presidência, general Mário Fernandes, que foi preso e indiciado. A investigação aponta que, em 16 de dezembro de 2023, o militar fez seis cópias do arquivo, o que, para os investigadores, indica que seriam distribuídas em uma reunião.
Registros de entrada do Palácio da Alvorada do dia seguinte, 17 de dezembro, mostram que Mário Fernandes foi um dos visitantes da residência oficial da Presidência, onde Bolsonaro ficou recluso após perder as eleições para o presidente Lula. No mesmo dia, o ex-assessor especial Filipe Martins, que, segundo a delação de Cid foi um dos mentores de uma minuta golpista, também esteve no local no mesmo dia.
Agora, cabe à Procuradoria-Geral da República (PGR) analisar as conclusões da Polícia Federal e decidir se apresenta uma denúncia contra Bolsonaro e os outros indiciados. O caso tramita no STF.