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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) durante cerimônia no Palácio do Planalto, em Brasília - Ueslei Marcelino - 20.Jun.22/Reuters
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segunda-feira 20 de fevereiro de 2023 às 07:23h

Bolsonaro pode responder ação no Tribunal Penal Internacional se Justiça do Brasil falhar, diz jornal

JUSTIÇA, NOTÍCIAS


Segundo reportagem de Géssica Brandino, no jornal Folha de S. Paulo, a crise humanitária enfrentada pelo povo yanomami aumenta a chance de o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ser investigado por genocídio no TPI (Tribunal Penal Internacional). Uma comunicação sobre crimes contra os povos indígenas está sob exame, mas pode ser arquivada se a Justiça brasileira julgar o caso.

Em entrevista à Folha, o ministro dos Direitos Humanos e Cidadania, Silvio Almeida, disse haver elementos de crime de genocídio contra os yanomami e que falta apenas achar a autoria. Segundo Almeida, há fortes indícios de omissão de Bolsonaro e da ex-ministra Damares Alves, hoje senadora (Republicanos-DF).

No dia 30 de janeiro, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal Federal), determinou que a PGR (Procuradoria-Geral da República) investigue suspeitas da prática de genocídio e de outros crimes por parte de autoridades do governo do Bolsonaro, sem citar nomes. O processo é sigiloso.

Se o processo não prosperar, fora do Brasil, o TPI é a única via para condenar o ex-presidente e outros agentes públicos na esfera penal. A corte julga crimes contra a humanidade, genocídio, crimes de guerra e de agressão somente quando o Estado competente deixa de fazê-lo.

O crime de genocídio é previsto pela Convenção para Prevenção e Punição do Crime de Genocídio da ONU (Organização das Nações Unidas), de 1948, como atos com intenção de destruir, no todo ou em parte, um grupo nacional, étnico, racial ou religioso, enquanto tal. O termo foi cunhado pelo advogado polonês Raphael Lemkin.

No Brasil, a convenção passou a valer em 1952. Quatro anos depois, foi sancionada no país a lei 2.889/1956, que define o genocídio e prevê pena de dois a 30 anos de prisão para o crime. A norma foi aplicada uma única vez para punir garimpeiros responsáveis pelo massacre do Haximu.

O Estatuto de Roma, que criou o TPI e foi promulgado pelo Brasil em 2002, reiterou a definição de genocídio.

O crime ocorre quando há homicídio de membros de um grupo, ofensas graves à integridade física ou mental desse grupo ou a adoção de condições que busquem sua destruição física, total ou parcial.

Medidas para impedir nascimentos ou transferir a força crianças do grupo também configuram genocídio.

Os crimes contra a humanidade, por sua vez, incluem um conjunto mais amplo de delitos, dentre eles a perseguição de um grupo por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, quando cometidos de forma generalizada ou sistemática.

Com base no estatuto, a Comissão Arns e o Coletivo de Advocacia em Direitos Humanos apresentaram em novembro de 2019 uma comunicação ao TPI sobre indício de crimes contra a humanidade e incitação ao genocídio de povos indígenas.

O cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, um dos fundadores da comissão, afirma que, na queixa, a situação dos yanomamis já estava presente e que o escritório da Procuradoria do Tribunal confirmou, em dezembro de 2020, que o caso estava sendo examinado.

Em agosto de 2021, a Apib (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) protocolou outro comunicado ao TPI sobre os crimes e descreveu o impacto de invasões de garimpeiros e da pandemia de Covid-19 sobre os povos Yanomami, Munduruku, Guarani-Mbya, Kaingang, Guarani-Kaiowá, Tikuna, Kokama, Guajajara e Terena.

Coordenador jurídico da Apib, o advogado Maurício Terena afirma que o TPI foi procurado diante da falta de resposta no Brasil em relação às denúncias feitas na gestão Bolsonaro.

“A sociedade brasileira está em choque agora, mas lá atrás isso já estava acontecendo, crianças yanomami morrendo por desnutrição, malária e outras doenças trazidas pelo garimpo ilegal”, diz.

Ele destaca o papel da Funai no que chama de política de morte contra os indígenas. Em 2020, a associação apresentou ao STF uma ação cobrando medidas de proteção para essas comunidades na pandemia.

Desde então, várias decisões foram dadas pela corte, porém o Supremo constatou que a gestão Bolsonaro descumpriu as ordens e prestou informações falsas à Justiça.

O ex-presidente também foi alvo de comunicações por condutas na pandemia do coronavírus, que deixou mais de 696 mil mortos. A comunicação mais recente foi feita em 2022 pelos senadores da CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) da Covid. O relatório final do colegiado apontou prática de crimes contra a humanidade durante a crise sanitária.

Bolsonaro ainda não é investigado pelo TPI, o que acontece apenas após decisão do escritório do promotor, cargo exercido desde junho de 2021 por Karim Khan KC, do Reino Unido.

Única brasileira a integrar a corte até hoje, de 2003 a 2016, Sylvia Steiner afirma que o promotor deixou de publicar o relatório anual sobre o andamento dos exames preliminares feitos pelo gabinete, fase em que estão as queixas contra Bolsonaro. A etapa costuma demorar pelo menos dois anos.

Steiner integrou a comissão de juristas que formulou o parecer usado como referência pela CPI da Covid. Ela afirma que há uma série de provas graves de crimes contra a humanidade no caso dos indígenas, mas que a abertura de uma investigação depende de uma avaliação sobre a gravidade do caso em comparação a outras denúncias recebidas pela corte.

Em relação ao crime de genocídio, ela afirma que as provas apontam a existência de uma política de Estado destinada a causar o extermínio de parte da população indígena. Para ser julgado pelo TPI, porém, é necessário comprovar o chamado dolo adicional ou especial, a intenção de destruir.

“Essa especialidade é que torna a caracterização do genocídio como bastante específica, que vai muito além da retórica utilizada cada vez que um extermínio em massa ocorre”, diz.

Carolina Claro, professora adjunta de direito internacional no Instituto de Relações Internacionais da UnB (Universidade de Brasília), acrescenta como obstáculo a interpretação feita pelo TPI e outras cortes anteriores sobre genocídio.

“Mesmo que os casos sejam submetidos, os juízes podem entender que a omissão não é válida para atos de genocídio”, diz.

“Os tribunais penais entendiam que há genocídio, por exemplo, quando partes beligerantes ou agentes do Estado impõem armas e matam essas pessoas. Seria o homicídio direto, não o indireto, por meio da fome. Usar a fome com certeza caracteriza crime contra a humanidade, mas pelo entendimento do tribunal, até os dias de hoje, não seria genocídio.”

Para o professor de direito internacional da UFMG Aziz Saliba a dificuldade está no fato de o tribunal só julgar quando o Estado, por favorecimento das autoridades, ou por incapacidade, não consegue fazê-lo.

Saliba diz ainda que o fato de Bolsonaro não ser mais presidente do país sinaliza ao TPI que há chances maiores de ele ser julgado no Brasil.

Apesar disso, o professor afirma que as comunicações ao tribunal são importantes para evidenciar a gravidade dos fatos e gerar pressão internacional pelo julgamento. As provas levantadas, tanto pela CPI quanto nas demais comunicações sobre os povos indígenas, também podem ser usadas pelo Judiciário e investigadores no Brasil.

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