Apesar do apelo por renovação, as disputas para governos estaduais, Câmara, Senado e Presidência têm a presença de sobrenomes históricos, repassados de geração em geração. Os integrantes dessas famílias tradicionais nasceram e cresceram em um ambiente cercado por parentes que “fizeram carreira” na política.
Especialistas ouvidos por
UOL afirmam que a influência do parentesco na política é herança da colonização portuguesa e um fenômeno nacional, presente em todos os estados.“É uma relação que você pode perceber a partir da própria construção do nosso país com a vinda dos portugueses e o loteamento que se denominou das capitanias hereditárias. Muitas das famílias que aí estão ocupando cargos eletivos, quando você mergulha do ponto de vista da análise genealógica, vai perceber que advêm desse processo de colonização”, diz o cientista político José Marciano Monteiro, da UFCG (Universidade Federal de Campina Grande).
Negócio de família. Levantamento feito pelo sociólogo e cientista político Ricardo Costa de Oliveira, professor da UFPR (Universidade Federal do Paraná), mostra que, em 2018, 62% da Câmara era composta por deputados vindos de famílias políticas, enquanto no Senado esse número era superior a 70%.
Política no Brasil é negócio de família. Quem entra forma a grande família política e quem já está há séculos continua porque, muitas vezes, é a atividade mais rentável
Ricardo Costa de Oliveira
As doações de empresas a candidatos e partidos políticos estão proibidas desde 2015, e o principal meio de financiar as candidaturas se tornou o Fundo Eleitoral, dinheiro público. Segundo os especialistas, quem tem influência no partido pode ter vantagem no direcionamento do dinheiro. Assim, parentes de políticos influentes podem se beneficiar do sobrenome.
“Não se disputa eleição no Brasil sem que você tenha um peso do capital econômico e esse peso está ligado claramente aos fundos públicos, a relação que existe com o fundo partidário. Esses grupos controlam os partidos regionalmente ou estadualmente”, explica Monteiro.
As famílias dos presidenciáveis
Autor de livros sobre o tema, Oliveira mapeou a presença de candidatos em diferentes estados que têm laços de sangue com políticos. Na disputa pela Presidência, alguns dos principais candidatos carregam o espólio político da família.
Família Bolsonaro. O presidente Jair Bolsonaro (PL), que busca a reeleição, inaugurou a tradição na família. Sem parentes na vida política, ele viu os três filhos mais velhos trilharem seu caminho.
Em 2000, Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ) foi lançado pelo pai para derrotar a própria mãe, Rogéria, de quem Jair havia se separado. Ele se tornou o vereador mais jovem da história — foi eleito aos 17 anos e atualmente exerce seu sexto mandato na Câmara Municipal do Rio.
Flávio Bolsonaro (PL-RJ) se elegeu deputado estadual pelo Rio em 2002, se reelegeu outras três vezes e ocupou o cargo até 2018, quando foi eleito senador. Eduardo Bolsonaro (PL-SP) foi eleito deputado federal por São Paulo em 2014 e, em 2018, quando o pai foi eleito presidente, se reelegeu como o deputado mais votado da história do país.
“O Jair organiza hoje a mais poderosa família política brasileira”, diz Oliveira lembrando que um dos irmãos do presidente, Renato, e suas ex-mulheres também se envolveram na política usando o conhecido sobrenome.
“É uma dinastia que certamente continuará muito depois do próprio Jair, com os filhos, eventualmente com os netos. Ele criou uma grife política com ideologias, com valores de direita, com uma cultura política específica”, acrescenta o especialista.
Família Ferreira Gomes. Ciro Gomes (PDT) pertence à família Ferreira Gomes, muito tradicional na política do Ceará — esteve no poder logo na origem do município de Sobral. Os dois primeiros prefeitos foram antepassados do presidenciável: em 1890, Vicente César Ferreira Gomes, e em 1892, José Ferreira Gomes.
O pai de Ciro, José Euclides Ferreira Gomes Júnior, também foi prefeito de Sobral. O pedetista, que governou o Ceará, foi prefeito de Fortaleza e ex-ministro dos governos Itamar e Lula, tem outros irmãos que também são políticos — Cid, atualmente senador, Ivo, prefeito de Sobral, e Lia (PDT-CE), candidata a deputada estadual. Lúcio também ocupou cargos na administração pública.
Família Tebet. Simone Tebet (MDB) também seguiu os passos do pai. A senadora é primogênita de Ramez Tebet, ex-prefeito de Três Lagoas (MS), onde tinha sua principal base política, deputado, governador de Mato Grosso do Sul, ministro da Integração Nacional no governo FHC e presidente do Congresso. Ele morreu em 2006, aos 70 anos.
Assim como o pai, Simone foi prefeita de Três Lagoas. Antes de chegar ao Senado, também foi deputada estadual e vice-governadora do estado.
Família de Felipe D’Avila. Concorrendo à Presidência pelo Novo, o empresário Luiz Felipe D´Avila tem a mais antiga genealogia política, segundo Oliveira — o bisavô materno dele, Jorge Pacheco e Chaves, foi prefeito de Piracicaba (SP). O irmão Frederico D’Avila (PL-SP) é deputado estadual e concorre a uma cadeira na Câmara este ano.
Assembleias, governos, Câmara e Senado
Algumas famílias estão no poder desde o período colonial. Lafayette Luiz Doorgal de Andrada (Republicanos-MG), candidato à reeleição na Câmara, é neto, filho e sobrinho de políticos. Descende do jurista mineiro conselheiro Lafayette Rodrigues Pereira e da família de José Bonifácio de Andrada e Silva, conhecido como Patriarca da Independência.
Veja abaixo alguns dos concorrentes das eleições que descendem de políticos.
Sudeste:
- Baleia Rossi (MDB-SP): candidato à reeleição na Câmara, é filho de Wagner Rossi, ex-deputado e ministro da Agricultura no governo Dilma
- Família Tatto: Jilmar Tatto (PT-SP) e Nilto Tatto (PT-SP) concorrem à Câmara. Enio Tatto (PT-SP) concorre à reeleição a deputado estadual. São irmãos dos vereadores paulistanos Jair Tatto e Arselino Tatto, que também integram o PT.
- Clarissa Garotinho (União Brasil-RJ): candidata ao Senado, a deputada federal é filha dos ex-governadores do Rio Anthony e Rosinha Garotinho
- Aécio Neves (PSDB-MG): candidato à reeleição na Câmara, é filho de Aécio Cunha, ex-deputado, e neto do ex-presidente Tancredo Neves
Nordeste:
- ACM Neto (União Brasil-BA): filho do ex-senador ACM Júnior e neto do ex-governador Antônio Carlos Magalhães, concorre ao governo do estado
- Arthur Lira (PP-AL): filho do ex-senador e prefeito de Barra de São Miguel (AL), Benedito Lira, é presidente da Câmara e concorre à reeleição
- Marília Arraes (Solidariedade-PE): candidata ao governo, é neta do ex-governador Miguel Arraes, prima do ex-governador Eduardo Campos e do prefeito de Recife, João Campos, e sobrinha da ex-deputada e atual ministra do TCU (Tribunal de Contas da União) Ana Arraes
- Pedro Cunha Lima (PSDB-PB): candidato ao governo, é filho do ex-senador Cássio Cunha Lima e neto do ex-governador Ronaldo Cunha Lima
- José Adriano Cordeiro Sarney (PV-MA): candidato à reeleição para deputado, é neto do ex-presidente José Sarney e filho de Sarney Filho, ex-ministro do Meio Ambiente nos governos FHC e Temer.
Centro-Oeste:
- André Octávio Kubitschek Barbara Alves Pereira (PSD-DF): bisneto do ex-presidente Juscelino Kubitschek, concorre a uma vaga na Câmara
- Joaquim Roriz Neto (PL-DF): candidato a deputado distrital, é filho da ex-deputada federal Jaqueline Roriz e neto do ex-governador Joaquim Roriz
- Tereza Cristina (PP-MS): ex-ministra da Agricultura no governo Bolsonaro e candidata ao Senado, é bisneta de Pedro Celestino e neta de Fernando Correa da Costa, ambos ex-governadores e ex-senadores.
Sul:
- Edegar Pretto (PT-RS): filho de ex-deputado federal Adão Pretto, concorre ao governo
- Ana Amélia Lemos (PSD-RS): viúva do ex-senador Octávio Omar Cardoso, disputa uma vaga no Senado
- Esperidião Amin (PP-SC) ex-governador, concorre novamente ao cargo. É marido de Angela Amin (PP-SC), deputada federal e ex-prefeita de Florianópolis
- Ratinho Júnior (PSD-PR): concorre à reeleição ao governo. É filho do ex-deputado federal Ratinho, apresentador do SBT
Norte:
- Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM): candidato ao Senado, é filho do ex-senador Artur Virgílio Filho e pai de Arthur Virgílio do Carmo Ribeiro Bisneto, ex-deputado federal
- Gladson Cameli (PP-AC): candidato à reeleição ao governo, é sobrinho do ex-governador Orleir Cameli