O mercado, tão sabido para ganhar dinheiro, tem um lado bastante ingênuo. Só isso – ou uma impensável ma-fé para enganar os trouxas – explica sua crença na possibilidade de um hipotético governo Bolsonaro aprovar logo reformas como a da Previdência. Além de não ter uma proposta consistente, que mostre por A + B como se chegará ao regime de capitalização sem aumentar o rombo, não há garantia de maioria para Bolsonaro no próximo Congresso se ele continuar sendo Bolsonaro.
Seu partido, o PSL, surfou na onda conservadora e fez a segunda maior bancada da Câmara, com 52 deputados, atrás do PT. Só que isso não dá nem para saída numa Casa onde são necessários 308 votos para mudar a Constituição. Pior ainda, quase toda a bancada de capitães, policiais e pastores de Bolsonaro é composta de novatos, parte dos 269 deputados que vão exercer seu primeiro mandato.
Sem querer subestimar ninguém: ainda que a nova Câmara tenha viés de centro-direita, muitos desses calouros podem não ter noção do que seja a reforma da Previdência e não saber bem se é algo para comer ou para passar no cabelo.
Podem aprender, é claro, e serem convencidos de sua importância. Mas isso leva tempo e tem que começar pela organização do novo sistema político que vai nortear a relação entre Executivo e Legislativo. Como vai funcionar?
Se for nos moldes que o próprio Bolsonaro vem sinalizando, vai operar pela negociação com bancadas informais, como as BBB – da Bala, do Boi e da Bíblia -, passando por cima dos partidos formais. Em pouco tempo, o novo governo ver-se-á atolado no varejo dos cargos, emendas, verbas e quetais, num nó que levará anos para ser desatado, se for, e fazendo tudo aquilo que o candidato Bolsonaro disse que não faria.
Ao institucionalizar o varejo da negociação individual e apostar na fragmentação do Legislativo, o novo governo poderá estar entrando num caminho sem volta rumo à ingovernabilidade.
A outra alternativa, que todo mundo sabe qual é e poderá levar um eventual governo Bolsonaro a aprovar reformas, seria negociar com os partidos de centro e de direita, sobretudo a turma do Centrão, que elegeu cerca de 200 deputados.
Seria uma negociação com os “profissas” que, apesar das Lava Jatos da vida, estão voltando. E o preço é caro. A primeira conta, por exemplo, será a presidência da Câmara. Enquanto os bolsonaristas noviços brincam de lançar candidatos do PSL ao posto, como o Capitão Augusto, por exemplo, os profissionais do Centrão, caladinhos, articulam a reeleição de Rodrigo Maia (DEM), hoje líder do Centrão.
Maia teria condições de ser um importante articulador de um governo de direita no Congresso. Sujeito habilidoso, que tem a pauta na mão, é uma espécie de queridinho do mercado. Mas o presidente teria que apoiar sua reeleição e ainda distribuir espaços, cargos e favores ao DEM, ao PSD, ao PRB, ao PTB e a outros que vão fazer questão de estar na Esplanada dos Ministérios de Bolsonaro.
Com essa equação, tem-se, então, mais um famigerado governo de coalizão. Bolsonaro, se for o presidente, terá que abrir mão de um dos principais pilares do discurso que o trouxe até aqui: o fim do toma-lá-dá-cá.
Não existe almoço grátis. Para garantir a governabilidade para aprovar reformas – e evitar impeachments e outros dissabores – Bolsonaro terá que governar com a turma de sempre, desdizer o que disse e não fazer o que prometeu. O que o colocará bem próximo da trilha do estelionato eleitoral.
Por Helena Chagas – jornalista desde 1983. Exerceu funções de repórter, colunista e direção em O Globo, Estado de S.Paulo, SBT e TV Brasil. Foi ministra chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência (2011-2014). Hoje é consultora de comunicação