Jair Bolsonaro (PSL) não lê jornais para não começar o dia envenenado. Luiz Inácio Lula da Silva (PT) os evitava para não ter azia. O alegado risco para a saúde presidencial causado pelo noticiário é um traço que une os dois políticos, mas não o único.
Representantes de polos ideológicos opostos, Bolsonaro e Lula se aproximam na hostilidade à imprensa, que inclui desde apelidos pouco lisonjeiros para os meios de comunicação às tentativas concretas de controle sobre a mídia.
Se a ameaça ao trabalho jornalístico fosse uma corrida, o atual presidente teria ganho alguma vantagem na última terça-feira (6), quando anunciou o fim da obrigatoriedade da publicação de balanços por empresas na mídia impressa —a medida provisória ainda precisa ser aprovada no Congresso.
A decisão, em meio a justificativas irônicas de apelo ambiental e econômico, foi assumidamente um ato de retaliação contra coberturas que deixaram Bolsonaro insatisfeito.
O mais próximo que Lula chegou de algo visto como uma medida de força foi o projeto de criar de um Conselho Federal de Jornalismo, que chegou a ser enviado ao Congresso em 2004. A iniciativa acabou derrubada pelos deputados, após uma série de críticas.
Para o jornalista Carlos Eduardo Lins da Silva, ex-ombudsman da Folha de S.Paulo e atualmente professor no Insper, o fato de Bolsonaro ter ido além da ameaça o diferencia do antecessor petista.
“O Lula ameaçou, ameaçou, mas houve uma reação muito forte da sociedade civil. Ele não conseguiu criar aquele conselho, que seria uma espécie de censura. Bolsonaro, nesse sentido, foi além”, diz ele.
Os paralelos entre os dois presidentes, contudo, são muito evidentes, afirma o professor. “A reação à imprensa é muito parecida e muito típica do tipo de líder político que Bolsonaro é e Lula foi”, afirma.
Ambos, segundo Lins da Silva, não toleram a crítica e tentam mobilizar suas bases usando o que ele chama de “mídia direta”. No caso de Bolsonaro, via redes sociais. No de Lula, com inúmeros discursos diários, a maioria de improviso.
“Ao mesmo tempo, eles têm um ego enorme, não conseguem deixar de falar com a imprensa. Adoram ouvir a própria voz”, declara Lins da Silva.
Privilegiar simpatizantes e oferecer acesso privilegiado na agenda presidencial é outro traço comum, Lula com seus “blogueiros progressistas” e Bolsonaro com seus “youtubers de direita”.
Cada um também tem seu gringo pedra no sapato. Lula ameaçou expulsar o então correspondente do jornal americano The New York Times no Brasil, Larry Rohter, irritado com uma reportagem sobre seus hábitos etílicos. Novamente, foi obrigado a recuar após intensa pressão.
Bolsonaro não chegou tão longe, mas já mencionou que Glenn Greenwald, responsável pela divulgação de diálogos hackeados da Lava Jato pelo site The Intercept Brasil, poderia “pegar uma cana”.
Professor da ECA-USP, Eugênio Bucci diz que a comparação entre os comportamentos de Bolsonaro e Lula à primeira vista pode parecer procedente, mas, na prática, não se justifica.
“De fato, Lula tentou expulsar um jornalista do Brasil, o que é inaceitável. E muitas vezes, em comícios ele estimulou um espírito de nós contra eles, sendo eles os meios de comunicação. A diferença é que o Bolsonaro se apresenta como um agente político claramente situado fora do campo democrático”, afirma o professor, que comandou a antiga Radiobrás no governo Lula.
Na visão de Bucci, o atual presidente, diferente do antecessor, não apenas critica a imprensa, mas não enxerga os jornalistas como interlocutores válidos.
“Ele agride a imprensa a todo momento, está sempre escolhendo matar o mensageiro, como ficou claro no caso dos dados do desmatamento.”
Bolsonaro, segundo Bucci, não entende o dever da imprensa de fiscalizar o poder. “Ele vê a imprensa como uma espécie de duto, cuja única função é transmitir sem questionamentos a informação que transmite. Para o presidente, jornalista é um mestre de cerimônia, que apenas apresenta os fatos”.
Curiosamente, Bolsonaro e Lula tiveram como característica terceirizar parte dos ataques à imprensa. O entorno do atual mandatário cunhou a expressão “extrema imprensa”, mas raramente o presidente menciona esse jargão. Da mesma forma, o petista preferia deixar para aliados usar o epíteto “mídia golpista”.
E, se na era petista, a expressão “fake news” não havia ainda sido popularizada, Lula não se cansava de repetir que a imprensa precisava parar de mentir.
Uma diferença entre os dois presidentes é o tratamento dispensado a repórteres. Lula era em regra cortês, mas pouco acessível.
O petista só passou a dar os chamados “quebra-queixos”, as entrevistas improvisadas e algo caóticas geralmente após um evento público, após a crise do mensalão, em seu terceiro ano de governo. No caso do atual presidente, eles são quase diários.
Com Bolsonaro, cafés da manhã semanais com jornalistas (e alguns apresentadores de talk shows) se tornaram um hábito, e ele recentemente passou a arregimentar repórteres para rápidas entrevistas exclusivas.
Em compensação, não é raro ser grosseiro, como no episódio em que disse que a Folha de S.Paulo não deveria contratar “qualquer uma”, ao ouvir de uma repórter do jornal uma pergunta da qual não gostou.
Na última sexta (9), disse a jornalistas que o esperavam na frente do Palácio da Alvorada que “se o excesso jornalístico desse cadeia, todos vocês estariam presos agora”.
Bucci diz que o acesso mais frequente de jornalistas ao presidente não significa informação mais disponível. “Ele faz uma encenação de confraternização, mas não dá esclarecimentos. Simula um amaciamento, uma cordialidade, que é uma coisa conhecida da nossa tradição autoritária”, diz.
Para Lins da Silva, o fato de Bolsonaro até agora não ter sido obrigado a recuar em sua ofensiva contra a imprensa é algo preocupante.
“A sociedade brasileira nunca teve um caldo de cultura de liberdade de expressão muito grande. As redes sociais ajudam muito a minar a confiança dos meios de comunicação tradicionais. Hoje, o apoio ao jornalismo independente é menor do que era em 2003”, diz.