O governo de Jair Bolsonaro (PL) não deverá conseguir desbloquear emendas parlamentares de 2022 que hoje estão congeladas por falta de espaço no Orçamento. Reportagem de Thiago Resende, da Folha de São Paulo.
Integrantes do atual governo, como o ministro Ciro Nogueira (Casa Civil), se empenharam nas últimas semanas para encontrar uma forma de aliviar as previsões de outros gastos federais e, com isso, liberar as emendas.
No entanto, o cenário é que Bolsonaro tenha até de anunciar mais um bloqueio de despesas às vésperas do fim do ano por causa da decisão do STF (Supremo Tribunal Federal) que impediu a tentativa do governo de adiar os repasses ao setor cultural referentes às leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2. O impacto é de R$ 3,8 bilhões neste ano.
Aliados do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), já foram alertados sobre a possível manutenção do bloqueio das emendas. Isso deverá intensificar a articulação, revelada pela Folha, para inserir um jabuti na PEC (proposta de emenda à Constituição) da Transição.
O objetivo de líderes do centrão é aproveitar a PEC patrocinada pelo presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a fim de também abrir espaço no Orçamento de 2022 para as emendas.
Emendas são a forma de deputados e senadores enviarem dinheiro para destinos de interesse em suas regiões de influência.
Atualmente, estão bloqueados quase R$ 7,7 bilhões das emendas de relator, usadas na negociação política entre o Palácio do Planalto e o Congresso. O valor representa 46,7% do total de R$ 16,5 bilhões reservados para esse instrumento.
A falta de dinheiro no Orçamento já tem gerado efeitos no funcionamento da máquina pública. A Polícia Federal, por exemplo, suspendeu a confecção de novos passaportes a partir deste sábado (19). Essa pressão em gastos de ministérios foi elevada após a decisão do STF.
Por isso, integrantes do governo afirmam que as emendas não devem ser liberadas na revisão das despesas de 2022, prevista para terça-feira (22).
Lira tem nessas emendas uma importante moeda de troca para angariar apoio de parlamentares à sua reeleição ao comando da Casa, em fevereiro do ano que vem.
Segundo pessoas envolvidas na negociação, cerca de R$ 3,7 bilhões do valor bloqueado já foram negociados e, portanto, os ministérios começaram a seguir com o trâmite burocrático para que as emendas sejam executadas ainda neste ano —assim que os recursos forem desbloqueados.
Cerca de R$ 4 bilhões, que estão quase totalmente nas mãos de Lira, ainda serão indicados após tratativas com líderes do Congresso.
Apesar do curto prazo para os projetos e obras a serem financiados com as emendas, a ideia é que o trâmite burocrático seja concluído até 31 de dezembro. Isso significa que os recursos serão empenhados —fase em que é confirmada a reserva do valor a ser gasto do Orçamento.
Com os recursos empenhados, os projetos e obras nos municípios podem ser executados —e pagos— em outro ano.
A articulação com objetivo de usar a PEC de Lula para aliviar o último Orçamento de Bolsonaro foi confirmada há cerca de dez dias por líderes do centrão e por integrantes do atual governo, que também participam das conversas para liberar as emendas de 2022.
A PEC da Transição vem sendo patrocinada pelo presidente eleito e tem outra finalidade, a de garantir a continuidade do benefício mínimo de R$ 600 do Auxílio Brasil (que deve voltar a se chamar Bolsa Família) a partir do ano que vem —além de abrir espaço para outras despesas. No total, a previsão é que a proposta possibilite a execução de R$ 198 bilhões fora do teto de gastos.
Aliados de Lula esperam que, com o retorno do petista ao Brasil, as negociações em torno da PEC avancem nesta semana, quando deve ser intensificado o contato com Lira e com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O Senado também tem recursos em emendas parlamentares bloqueados.
Em outra frente de articulação, a equipe de transição também decidiu criar um grupo com líderes da Câmara e do Senado de partidos aliados para discutir a aprovação da PEC. O grupo deve se reunir na quarta-feira (23).
A medida foi traçada por aliados de Lula e pelo vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB). Parlamentares afirmam que a intenção é montar uma espécie de “comissão mista” para negociar o texto com deputados e senadores simultaneamente.
Há uma preocupação com o prazo apertado para aprovar a PEC. No cenário mais otimista, com pouca obstrução da oposição bolsonarista, o texto seria promulgado em três semanas. O grupo com líderes do Senado e da Câmara ajudaria a conciliar posições e aparar eventuais arestas.
O governo eleito espera as negociações para ajustar o texto final da PEC, que deve começar a tramitar pelo Senado. Uma PEC precisa do apoio de 49 senadores e 308 deputados para ser aprovada, em dois turnos em cada Casa.