Lula usou a viagem à Argentina e ao Uruguai para reconstruir pontes dinamitadas segundo Bernardo Mello Franco, do O Globo, pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Agora, Lula oficializou a volta do Brasil à Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos. O capitão havia rompido com a entidade em 2020, num ato de hostilidade aos países da região, relembra o colunista.
No retorno à Celac, Lula prometeu solidariedade, diálogo e cooperação — três itens em falta na diplomacia bolsonarista. Ele encerrou o discurso com uma homenagem a Darcy Ribeiro. Definiu-o como “um brasileiro extraordinário, que se dedicou a repensar nossa região quando uma comunidade latino-americana e caribenha ainda era uma miragem”. “Tendo vivido o exílio nos anos 60 e 70, foi dos primeiros a falar da nossa unidade na diversidade”, lembrou.
Intelectual e político, Darcy era chefe da Casa Civil quando os militares deram o golpe de 1964. Banido pela ditadura, passou 12 anos entre Uruguai, Chile, Venezuela, Peru e México. A experiência lhe deu uma visão privilegiada do continente e de suas mazelas.
Em “América Latina: A pátria grande”, o antropólogo desconstrói a ideia de que a região seria fadada ao atraso. Lembra que as elites sempre tentaram atribuir nosso subdesenvolvimento a fatores naturais ou externos: o clima tropical, a mestiçagem, a religião católica, a herança ibérica.
Ele também propõe a tarefa de “lavar os olhos do mundo para ensiná-lo a nos ver no que nós somos”, sem apelar a estereótipos. “A ideia de uma América Latina da siesta e da fiesta, do mandonismo, dos ditadores vocacionais”, escreve Darcy, “tem a mesma função do racismo”. “É escamotear a realidade da dominação colonial e classista.”
O livro começa com uma pergunta: “Existe uma América Latina?”. “Não há dúvida que sim”, responde o próprio autor. Isso não o exime de mostrar que as sociedades latino-americanas “coexistiram sem conviver” ao logo de séculos. “Ainda hoje, vivemos como se fôssemos um arquipélago de ilhas que se comunicam por mar e pelo ar e que, com mais frequência, voltam-se para fora, para os grandes centros econômicos mundiais, do que para dentro”, escreve. O texto é de 1986, mas poderia ser de 2023.
Para Darcy, a América Latina não precisava se enxergar como “uma espécie de subúrbio do mundo, uma área marginal, periférica, posta de cabeça para baixo na calota da Terra para sofrer”. Esse viralatismo ainda ecoa nos ataques a qualquer movimento em busca de integração.
O Brasil tem a maior economia, a maior população e o maior território da região. Seu protagonismo é natural. Deixar de exercê-lo por birra ideológica foi mais um ato de burrice.