O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ainda não marcou a data do julgamento da primeira das 16 ações que podem tornar Jair Bolsonaro inelegível pelos próximos oito anos, mas seus aliados já definiram a estratégia política e jurídica que vão adotar caso se confirme esse cenário.
O roteiro se assemelha segundo a colunista Malu Gaspar, do O Globo, ao percorrido por Luiz Inácio Lula da Silva, desde que foi condenado pela Lava-Jato até ser eleito presidente pela terceira vez. Nos bastidores, aliados de Bolsonaro várias vezes se referem ao caso bem sucedido do petista para explicar seus cálculos e suposições.
Na seara jurídica, por exemplo.
Se Bolsonaro for declarado inelegível pelo TSE, possibilidade com que trabalham os aliados mais realistas, é dado como certo que o time jurídico do PL vai recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) — apostando que o algoritmo que orienta a distribuição dos processos na corte traga alguma surpresa positiva.
“Quem sabe uma liminar do Supremo restaurando a elegibilidade?”, sugere um interlocutor do ex-presidente.
Se o sorteio ajudar o ex-presidente, integrantes do PL torcem para o recurso cair nas mãos de Kassio Nunes Marques – que, além de ter sido indicado pelo próprio Bolsonaro para o cargo, já deu decisões contra a cassação de deputados bolsonaristas, como a de Fernando Francischini (União Brasil-PR), por disseminar fake news contra as urnas eletrônicas.
Nunes Marques acabou derrotado na Segunda Turma do STF, mas por um placar apertado de 3 a 2.
Tentar todas as alternativas de recursos ao Supremo para o caso de Lula foi justamente o que fez seu advogado na Lava-Jato, Cristiano Zanin, que impetrou dezenas de habeas corpus, petições e reclamações até encontrar uma brecha na resistência da corte.
Aí entra a estratégia política, e mais uma vez ela se assemelha à de Lula.
Quando não pôde disputar a presidência da República em 2018, o petista transformou-se no maior cabo eleitoral de Fernando Haddad, que chegou competitivo ao segundo turno.
Líderes do PL e aliados avaliam que, mesmo inelegível, Bolsonaro também será um cabo eleitoral de peso em 2024, podendo subir em palanques e alavancar candidatos em disputas pelas prefeituras – especialmente nas regiões Sul e Sudeste, onde derrotou Lula em 2022.
No entorno do ex-presidente, a avaliação é a de que um bom desempenho do PL nas urnas em 2024 ajudaria a conquistar aliados no meio político para pressionar o Supremo a reverter a decisão até 2026.
Sem contar, é claro, o imponderável. Em 2020, o PT já não teve bom desempenho, mas o caso das mensagens hackeadas da Vaza Jato e a entrada do ex-juiz Sergio Moro no governo Bolsonaro ajudaram a criar condições políticas favoráveis à sua reabilitação.
Bolsonaro também aposta no marketing e em alguma ajuda do destino para reforçar o discurso de que é alvo de perseguição pela Justiça Eleitoral do Poder Judiciário, com quem viveu às turras ao longo dos quatro anos do mandato.
Se essa primeira parte do plano der certo em alguma medida, integrantes do partido avaliam que aumentam as chances de o ex-presidente da República conseguir derrubar na Justiça a inelegibilidade e reabilitá-lo na arena eleitoral.
“O mundo político vive de perspectiva de poder. Ninguém está preocupado com quem pagou o almoço e sim com quem vai bancar o jantar”, resume um aliado de Bolsonaro.
Nesse caso, o ministro Nunes Marques também pode desempenhar um papel crucial, da mesma forma que outros ministros do STF.
Pelo sistema de rodízio do Tribunal Superior Eleitoral, a Corte deve ser chefiada durante as eleições de 2026 por Nunes Marques, tendo como vice André Mendonça, justamente os dois ministros indicados por Bolsonaro para o Supremo.
Mas como ocorre com qualquer estratégia, para essa dar certo, falta combinar com os russos.
Além da ação do PDT, que trata da infame reunião de Bolsonaro com embaixadores, marcada por ataques às urnas eletrônicas, o ex-presidente é investigado em outros 15 processos, que também podem levar à sua condenação por abuso de poder político, econômico e uso indevido dos meios de comunicação.
Na trincheira do Supremo, ele é alvo dos inquéritos das fake news, das milícias digitais, dos atos antidemocráticos de 8 de janeiro e a arrastada investigação que apura a interferência indevida de Bolsonaro na Polícia Federal, à espera de um desfecho há quase três anos.
Encaixar todas essas peças não é nada trivial. Mas por enquanto seus aliados não têm outra alternativa além de torcer para que os astros se alinhem em seu favor, como ocorreu com Lula.