Espaço de pronunciamentos históricos, como o de Ulysses Guimarães ao promulgar a Constituição de 1988, a tribuna do plenário da Câmara ainda não atraiu 17% dos parlamentares da Casa nos primeiros seis meses da nova Legislatura: dos 513 deputados, 87 não discursaram nenhuma vez, aponta levantamento de Fernanda Alves, do jornal O Globo. Atuante nas redes sociais, André Janones (Avante-SP) está na lista dos que não recorreram ao parlatório, assim como Celso Russomanno (Republicanos-SP) e Tiririca (PL-SP), ambos ligados à área da comunicação. Na outra ponta do ranking, cinco entre os dez que mais foram à tribuna são bolsonaristas. Para especialistas, o comportamento deste grupo indica uma estratégia para se conectar com o eleitor via internet, onde veiculam trechos de suas falas, já que o poder de convencimento entre pares se dá nos bastidores.
Os dados analisados são da própria Câmara, que contabiliza e registra a íntegra dos discursos. A maior parte das explanações também é transmitida ao vivo pela TV Câmara e disponibilizada em tempo real pelo aplicativo (Infoleg). O levantamento mostra ainda que, no período analisado, 50 deputados falaram na tribuna em apenas uma ocasião, enquanto outros 36 só usaram duas vezes o espaço.
— Não banalizo o uso da tribuna. Só a uso para mobilizar a população ou tentar convencer meus colegas de algum ponto de vista — explicou Janones.
Acordo nos bastidores
Já Russomanno diz que sua atuação é mais focada na Comissão de Defesa do Consumidor, onde foi o deputado que mais discursou, mas também reforça que a distância do púlpito do plenário não reflete baixa participação legislativa:
— Não vou falar só por falar. Vou discursar quando tiver algo realmente importante a dizer.
Professora de Ciência Política da UFRJ e coordenadora do Laboratório de Partidos Eleições e Política Comparada, Mayra Goulart avalia que atividade parlamentar se concentra, em grande parte, nas negociações de bastidores e na tramitação legislativa das comissões temáticas da Casa.
— Para incidir no processo legislativo, é mais efetiva a construção de acordos de bastidores para que avancem os processos administrativos do que propriamente a questão da oratória em plenário. Isso serve mais para a relação com os eleitores e, em alguma dimensão, para arregimentar atenção de outros parlamentares presentes ao plenário.
A ascensão do agora deputado licenciado Celso Sabino (União-PA) para a cadeira de ministro do Turismo reforça a análise da professora. Em seis meses, ele esteve na tribuna uma única vez. Longe dos microfones, e tendo como aliado o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL) — dono de 14 discursos —, Sabino articulou para ingressar na Esplanada de Lula, no momento em que o petista busca consolidar sua base no Congresso com o apoio do Centrão.
Em sua sexta legislatura, Carlos Sampaio (PSDB-SP) está no rol dos que “optaram pelo silêncio” no plenário, sob a justificativa de que atua em atividade internas da Casa. Ele destaca ainda que a forma de se comunicar com a sociedade mudou:
— Como ouvidor-geral da Câmara, achei que deveria deixar a tribuna para os meus pares. Além disso, vejo nas redes sociais um caminho muito mais ágil e eficiente para falar com meus eleitores.
Também presentes como exemplos de quem não pôs os pés na tribuna, o ex-presidente do PT Rui Falcão, que comanda a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, e Tiririca foram procurados, mas não responderam.
Domínio bolsonarista
Já na relação dos que mais subiram à tribuna, Cabo Gilberto (PL-PB), apoiador de Jair Bolsonaro, está no topo com 178 explanações, seguido de Marcel van Hattem (Novo-RS), com 137. O PL do ex-presidente aparece na lista dos “10 mais” com Luiz Lima (PL-RJ), 106 discursos; Abílio Brunini (PL-MT), com 100; e Bia Kicis (PL-DF), com 93.
A artilharia de Cabo Gilberto mira no governo Lula. Surpreso por estar no topo dos mais falantes, o parlamentar afirmou que discursar é uma de suas características.
— Desde os tempos dos estudos. Na polícia, sempre divulguei nossas lutas. Uso o espaço para mostrar ao povo as incoerências do governo Lula — conta o deputado, admitindo se inspirar em Bolsonaro, que, na época de deputado, discursava mesmo com o plenário vazio para que suas falas fossem ao ar na TV Câmara.
Para David Nemer, professor do Departamento de Estudos de Mídia na Universidade de Virgínia, nos Estados Unidos, a grande presença de bolsonaristas na tribuna é uma tática do grupo para mobilizar a base de apoio. Segundo ele, os aliados do ex-presidente trazem falas visando às filmagens de assessores e com conteúdos calculados para se tornarem “cortes” para as redes sociais. Ele ressalta, porém, que o método tem pouca eficácia para cativar novos eleitores.
No outro lado do espectro, os mais falantes são Erika Kokay (PT-DF), com 132 discursos; Pompeo de Mattos (PDT-RS), com 129; Chico Alencar (PSOL-RJ), com 106; e Marcon (PT-RS), com 95. Adriana Ventura (Novo-SP) completa o ranking de dez, com 133 explanações em plenário.
— Me incomoda a ausência do PT no pinga-fogo do plenário para mostrar as visões distintas das rudimentares e pré-políticas — pontua Chico Alencar.