A base bolsonarista chega a 2024 ainda sem definir um claro sucessor no campo político para as próximas eleições presidenciais, meses após Jair Bolsonaro (PL) ficar inelegível. Em meio ao avanço de investigações contra o ex-presidente e seu entorno, esse segmento segue segundo Marlen Couto, da coluna Pulso, crente na ideia de que há “perseguição” ao ex-titular do Planalto, principalmente entre os eleitores mais fiéis, e resistente a avaliar positivamente medidas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), seja ela qual for, comportamento que inclui mesmo os apoiadores mais moderados e seguirá a desafiar a gestão federal ao longo deste ano.
Essas são algumas das tendências observadas ao longo de 2023 em pesquisas qualitativas contínuas feitas pelo Laboratório de Estudos da Mídia e Esfera Pública (Lemep), do Iesp/Uerj, e Instituto da Democracia (INCT) com eleitores bolsonaristas. Os resultados não são generalizáveis para todo os que votaram no ex-presidente na última eleição, mas ajudam a traçar pistas de como essa fatia da população pensa.
Nos últimos meses, o laboratório e o INCT acompanharam dois grupos com 18 integrantes cada, divididos entre eleitores que votaram em Bolsonaro no segundo turno de 2022 que discordam das invasões aos Poderes de 8 de janeiro do ano passado (moderados) e os que defendem os atos golpistas (convictos). Os grupos combinam variáveis como sexo, escolaridade, renda e religião que espelham a população brasileira. Foram coletadas, via WhatsApp, 4.020 mensagens sobre 90 perguntas elaboradas pelos pesquisadores.
“Efeito teflon”
Desde que Bolsonaro ficou inelegível por oito anos por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em junho, a discussão sobre o futuro do bolsonarismo nos grupos monitorados aponta para nomes como o do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), ou da ex-primeira-dama Michele Bolsonaro (PL). Não há, porém, consenso ou entusiasmo com suas eventuais candidaturas, ao menos nesse momento.
Pesquisadores à frente do monitoramento, os cientistas políticos Carolina de Paula e Joao Feres Jr. destacam que são recorrentes as avaliações de que Bolsonaro seria “insubstituível” e mesmo a expectativa de que o ex-presidente reverta sua inelegibilidade e concorra em 2026. Também apontam que o “efeito teflon” em relação a Bolsonaro continua forte, amparado na narrativa de que há uma perseguição movida pela esquerda e por instituições do Estado.
“Vejo como um complô de esquerda para denegrir a imagem do ex-presidente”, resumiu, por um exemplo, um vendedor maranhense, de 32 anos, integrante do grupo de bolsonaristas moderados ao comentar a segunda vez em que Bolsonaro foi declarado inelegível pelo TSE, em outubro.
O sentimento se repete quando os entrevistados são confrontados com investigações que miram Bolsonaro, como o caso que apura se houve desvios de joias, relógios, esculturas e outros itens de luxo recebidos pelo ex-presidente como representante do Estado brasileiro. Há, no entanto, diferenças entre os perfis de eleitores.
— Os mais moderados tendem a colocar a ideia de que todos os políticos têm problemas, são mais antipolíticos. Acreditam que todos têm que ser investigados, inclusive Bolsonaro, e não partem da premissa de que Bolsonaro é inocente. Já os convictos o defendem independente do que for — explica Carolina de Paula.
Rede de comunicação
Também professor da Uerj, João Feres Jr. acrescenta que os hábitos de consumo de informação são centrais para explicar esse comportamento. Os moderadores tendem a ter uma abertura maior para a imprensa tradicional, o que não costuma ocorrer entre os convictos, mais restritos a veículos simpáticos ao bolsonarismo.
É justamente o segmento mais moderado que pode ser uma oportunidade para o governo Lula ampliar sua popularidade. Pesquisa Datafolha mostrou que ela ficou estável ao longo do primeiro ano do terceiro mandato, com a avaliação positiva em 38%. O governo busca acenar principalmente ao eleitorado evangélico. No início de dezembro, o presidente afirmou, durante um evento do PT, que pessoas com renda acima de dois salários mínimos já não querem votar em petistas e que a legenda não consegue ouvir e dialogar com evangélicos.
As pesquisas contínuas do Lemep e do INCT mostram que há dificuldade na comunicação com os grupos mais próximos a Bolsonaro. A dúvida é até que ponto é possível fazer um retorno ao chamado “voto econômico”, mais pautado por resultados em áreas da economia.
— O governo do ponto de vista da comunicação com esse público está indo mal, mesmo entre os mais moderados. Eles se mostram muito influenciados pelas narrativas bolsonaristas, por essa maneira de pensar — analisa João Feres Júnior. — No caso dos evangélicos, a questão não está no conteúdo, mas nos meios usados para conseguir fazer a mensagem chegar.
Alertas ao governo
Entre os bolsonaristas monitorados, foram raros os tópicos que geraram em 2023 manifestações de apoio às ações de Lula. Alguns casos foram, por exemplo, a repatriação de brasileiros em meio ao conflito entre Israel e o Hamas e a iniciativa de pautar na ONU uma trégua humanitária. Uma das perguntas feitas pelos pesquisadores reforça o desafio. Mesmo dados positivos, como a queda da taxa de desemprego, não geram reação positiva. Há desconfiança em relação aos dados apresentados
“Para mim é mais uma propaganda enganosa, sinceramente tudo que vem desse governo não dá mais para acreditar. O que vejo é o aumento de pessoas pedindo dinheiro ou comida nas ruas”, comentou um analista de TI, do grupo convicto, ao ser questionado sobre o assunto no início deste mês.
Um motorista de aplicativo, de Goiás, do grupo moderado, concordou:
“Eu não acredito tbm (sic) nessas informações. Esse governo fez foi muita gente ficar desempregada aqui”.
Outro alerta que é o sentimento anti-instituições segue com adesão tanto no grupo convicto quanto no moderado quase um ano depois dos ataques golpistas de 8 de janeiro. No segundo semestre do ano passado, discursos com ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) apareceram, por exemplo, em falas de participantes da pesquisa em perguntas sobre a proposta de limitar decisões monocráticas (individuais) aprovada no Senado ou sobre as manifestações contrárias à indicação de Flávio Dino ao tribunal.
— A gente percebe isso mesmo entre os moderados. Eles (os bolsonaristas) são organizados, mas perderam muito a capacidade de mobilização. Existe esse sentimento, mas não tomam atitude em relação a isso, como ir para a rua protestar — conclui Carolina de Paula.