Nascido de forma caótica há cerca de seis anos, o bolsonarismo é hoje o único movimento estruturado e relevante de oposição ao governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ofuscando opções no centro e na direita, diz Ranier Bragon, da Folha.
Liderado desde a redemocratização por figuras como Tancredo Neves (MG), Ulysses Guimarães (SP), José Sarney (MA) e Michel Temer (SP), pelo MDB, Jorge Bornhausen (SC), Marco Maciel (PE) e Antonio Carlos Magalhães (BA), pelo PFL (hoje União Brasil), Fernando Henrique Cardoso (SP), Mario Covas (SP), José Serra (SP), Geraldo Alckmin (SP) e Aécio Neves (MG), pelo PSDB, só para citar os três principais partidos, esse campo político apresenta hoje como alternativa a Jair Bolsonaro (PL) apenas figuras que estão, por ora, vinculadas a ele.
Enquanto a eleição presidencial de 2018 alçou o então nanico Bolsonaro ao Palácio do Planalto e dizimou ou enfraqueceu potências da centro-direita, como o PSDB e o MDB —que ficaram na quarta e sétima posições, respectivamente—, a de 2022 reforçou o baque.
O MDB, embora tenha recuperado um pouco o tamanho da bancada na Câmara, ficou em terceiro na disputa ao Planalto, com apenas 4,2% dos votos válidos. A candidata do partido, Simone Tebet, apoiou Lula no segundo turno e hoje é sua ministra do Planejamento.
O PSDB nem candidato lançou, fato inédito em seus mais de 30 anos de história.
Atualmente a coalizão lulista reúne todos os principais partidos de esquerda, além dos centristas ou centro-direitistas MDB, PSD e União Brasil (fruto da fusão do PSL ao DEM, ex-PFL).
O centrão (PP, PL e Republicanos), que deu sustentação ao governo Bolsonaro, se divide entre uma relação amistosa, no caso do PP, e uma oposição mais declarada, com PL e Republicanos, embora haja dissidências lulistas também nessas duas legendas.
Com isso, no caso de uma possível inelegibilidade de Jair Bolsonaro, o mundo político discute e especula hoje muito mais uma opção dentro do bolsonarismo do que fora dele —como a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e os governadores de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo).
Há na oposição uma opção relevante ao bolsonarismo?
A Folha ouviu políticos desse campo político, aberta ou reservadamente. Uma linha de raciocínio parece unir esse grupo. O reconhecimento é o de que hoje não há, mas que em um futuro próximo é possível ter.
O ex-senador e ex-presidente do PFL Jorge Bornhausen foi por décadas uma das figuras mais importantes da direita brasileira, embora em frequentes ocasiões tenha classificado o rótulo “direita” como ultrapassado e não aplicável às condições específicas do Brasil.
Hoje, aos 85 anos, ele diz ver em Tarcísio de Freitas não só um potencial candidato à Presidência em 2026, mas também um político que pode representar o antipetismo, mesmo se distanciando do bolsonarismo.
“Quem se destacou de forma absoluta [em 2023] foi o governador Tarcísio, pelas suas atitudes, pela sua ação política e administrativa. Ele, sem qualquer esforço, está se tornando um candidato natural à Presidência”, afirma Bornhausen.
O ex-senador diz considerar que Tarcísio, ex-ministro de Bolsonaro, já conquistou tanto os que votaram em Lula apenas por serem contra Bolsonaro como também os bolsonaristas não fanáticos.
“A esquerda mais radical, que é a posição que o Lula está tomando, e a direita radical que o Bolsonaro adotou no seu governo não são modelos para que o Brasil possa crescer em paz e ter um desenvolvimento que nós desejamos.”
Candidato derrotado por Dilma Rousseff (PT) em 2014 por uma diferença de apenas 3,5 milhões de votos, Aécio Neves projeta a volta da polarização PT-PSDB, que dominou a cena política nacional por cerca de 25 anos.
“O Brasil precisa compreender que há mais de uma alternativa ao petismo, que não é apenas o bolsonarismo, mas o centro responsável, experiente, qualificado. Nós temos que ocupar esse espaço com coragem, radicalizar no centro, nos assumirmos como um partido de centro, que é o que nós somos hoje”, diz o deputado tucano.
Aécio afirma estar trabalhando junto ao governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, para que o PSDB —que minguou nas eleições de 2022 a ponto de beirar naniquismo— recupere o eleitor que migrou para Bolsonaro em 2018 devido ao antipetismo e para Lula em 2022 devido ao antibolsonarismo.
“Esse eleitor não é nem Bolsonaro nem Lula. Não é PT nem é um eleitorado de extrema direita. Eu acho que o PSDB tem a grande responsabilidade de fincar um pilar nesse centro, de oposição clara ao atual governo, mas que se diferencie dos desatinos dessa direita mais extremada.”
Tanto Aécio como Bornhausen citam como sinal promissor a recente pesquisa do Ipec segundo a qual 57% do eleitorado gostaria que o país tivesse uma terceira via no atual cenário político.
Outro deputado crítico tanto a Lula como a Bolsonaro, Kim Kataguiri (União Brasil-SP) também aposta no surgimento de uma opção ao bolsonarismo dentro da oposição.
“Acho que ainda estamos espremidos nessa polarização doentia baseada em radicalismo e fake news. A boa notícia é que temos tempo e a política é nuvem. Ainda há muito para acontecer, por enquanto só temos o retrato, mas o filme costuma ser diferente.”
Para o deputado Danilo Forte (União Brasil-CE), a sociedade tende cada vez mais a se conscientizar que uma polarização eleitoral não é benéfica ao país. “Quem vai liderar esse centro eu ainda não sei, e quem disser que sabe certamente está enganado.”
Presidente nacional do Cidadania, que está federado ao PSDB, o ex-deputado Roberto Freire afirma que a alternativa da oposição ao bolsonarismo pode surgir de grupos que hoje estão no governo Lula.
Ele defende recomeçar as conversas que resultaram na coligação de apoio a Tebet nas eleições (MDB, PSDB, Cidadania e Podemos), citando, além da atual ministra do Planejamento, os nomes de Eduardo Leite e da governadora Raquel Lyra (PSDB-PE).
Além de Tebet, Lula conta com outros auxiliares de fora do PT que podem ser potenciais presidenciáveis em 2026, como o vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB), também ministro do Desenvolvimento, e Marina Silva (Rede), titular do Meio Ambiente.
Um dos deputados mais experientes do campo da esquerda, Chico Alencar (PSOL-RJ) brinca ter saudade de um tempo em que “a direita era representada por um Ronaldo Caiado [hoje governador de Goiás] e um ACM Neto [ex-prefeito de Salvador], por exemplo, ou pelo tucanato”.
No Brasil, atualmente, continua, “uma direita conservadora, racional, moderada, ela sumiu com a chegada do bolsonarismo e do Bolsonaro”.
Chico Alencar diz não desconsiderar uma recuperação lenta, mas real, de uma direita não bolsonarista, que teria em Eduardo Leite hoje a sua expressão maior, mas que isso pode demorar.
“Como dizia o Dadá Maravilha, ‘prognóstico só no final do jogo’. Considero que a extrema direita se desgasta, aos poucos, pelo que julga seus méritos: agressividade, narrativas lacradoras, e falsas, irracionalidade. Mas demora, ela tem base social e tem mobilização.”