Lula tem pouco menos de um quinto dos seguidores de Bolsonaro, mas as canções usadas pelos usuários do TikTok em suas postagens e que são associadas ao nome do candidato petista foram oito vezes mais tocadas em junho deste ano em comparação com as que falam sobre Bolsonaro.
A constatação faz parte de um levantamento realizado pela pesquisadora Maria Carolina Lopes de Oliveira, mestra em Ciência Política pela Universidade de Brasília e doutoranda em Comunicação pela Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, para identificar as principais músicas associadas a candidatos à Presidência do Brasil usadas por usuários do TikTok em seus vídeos.
Oliveira explica que o uso de músicas na rede social é semelhante ao encontrado em outras plataformas como o Instagram. Produtores de conteúdo podem disponibilizar suas músicas para uso na rede social. A partir daí, qualquer usuário pode usá-la em seus vídeos.
Essa lógica funciona tanto para músicas de artistas como Anitta ou Wesley Safadão quanto para canções produzidas para homenagear (ou criticar) políticos.
Como a plataforma é aberta, uma música associada a um candidato pode viralizar mesmo não tendo sido produzida por sua equipe de comunicação.
Para o levantamento, a pesquisadora criou perfis inteiramente novos na plataforma com o objetivo de evitar eventuais direcionamentos feitos pelo algoritmo do aplicativo. Os dados foram coletados entre maio, junho a partir de uma pesquisa por termos como os nomes dos candidatos.
Segundo ela, apenas três dos então pré-candidatos à Presidência tinham músicas associadas aos seus nomes nas buscas feitas dentro do TikTok: Bolsonaro, Lula e o deputado federal André Janones (Avante) — que anunciou, na quinta-feira (04/08), sua desistência da corrida presidencial e apoio ao petista.
De acordo com seu levantamento, Lula foi o candidato com a maior quantidade de utilização de músicas associadas ao seu nome.
Em junho, a música ligada a Lula mais usada era “Oh, Lula, eu vou votar em tu”, do cantor e compositor Juliano Maderada. De acordo com os dados, as três músicas mais associadas a Lula no TikTok haviam sido usadas 25,8 mil vezes.
Já as três músicas mais associadas a Bolsonaro somavam 3 mil utilizações. A música associada ele mais utilizada até junho foi “Tô com Bolsonaro”, do grupo Patriotas.
Em terceiro lugar ficou André Janones, com 51 utilizações. No caso dele, a música é o forró “André Janones Disparou”, do artista conhecido como Vaqueiro Karkará. A canção ficou conhecida nas eleições de 2018 após ter sido adaptada para diversos outros candidatos.
Música como termômetro
A pesquisadora explica que há diversas maneiras de avaliar a presença de políticos em redes como o TikTok: pelo número de seguidores, menções ou citações, análise de fotos, vídeos e músicas.
Ela afirma, no entanto, que mensurar o engajamento musical dos candidatos no TikTok pode ajudar a entender a qualidade da interação dos usuários com os candidatos e a forma como essa relação acontece.
Atualmente, Bolsonaro é o candidato à Presidência com o maior número de seguidores no TikTok. Ele lidera com 2 milhões de seguidores, seguido por Lula (378,7 mil), Ciro Gomes (do PDT, com 194,9 mil), Pablo Marçal (do PROS, com 179 mil), Simone Tebet (do MDB, com 4,5 mil), Sofia Manzano (do PCB, com 1,1 mil) e Felipe D’Ávila (do Novo, com 859). Já fora da corrida, André Janones tem 295 mil.
A reportagem não conseguiu identificar os perfis no TikTok de Leonardo Péricles (UP), José Maria Eymael (PSDC) e Vera Lúcia (PSTU).
Oliveira explica que os nomes de Lula e Bolsonaro (líderes das principais pesquisas) já geraram bilhões de interações no TikTok e que isso torna praticamente inviável avaliá-las de forma qualitativa. Ela diz que nem sempre um maior volume de interações é positivo pois ele pode ser gerado a partir de críticas a um candidato.
“Seria impossível avaliar com precisão se todas as menções a um nome são positivas. Mas, quando olhamos as músicas, é mais fácil mensurar se o conteúdo da maior parte delas é positivo ou não para o candidato. Se uma música positiva circular mais, então temos um efeito benéfico para o candidato”, explicou a pesquisadora.
De acordo com o levantamento, as três músicas mais populares associadas a Lula e a Bolsonaro têm conteúdo positivo em relação aos dois candidatos.
Oliveira diz que a popularidade no TikTok das canções de Juliano Maderada, autor das três músicas mais populares associadas a Lula, é um dos motivos que fazem com que o ex-presidente tenha um maior engajamento musical do que Bolsonaro, apesar de ter um número muito menor de seguidores.
“As músicas do Juliano realmente alteram esse ecossistema. Elas são muito populares e vêm sendo usadas com muita frequência pelos usuários da plataforma”, disse.
Por outro lado, a pesquisadora afirma que a fragmentação na produção de conteúdo bolsonarista mostra uma qualidade da estratégia do candidato e seus apoiadores.
“Você tem mais gente usando músicas sobre o Lula, mas é quase sempre a mesma. A produção de conteúdo sobre o Bolsonaro é mais fragmentada. Ou seja: de um lado você tem mais gente usando músicas sobre o Lula. Do outro, parece haver mais usuários produzindo músicas sobre o Bolsonaro. Isso pode indicar um caráter mais orgânico da comunicação de Bolsonaro”, explicou.
Adversários na política, Lula e Bolsonaro compartilham ao menos uma coisa em comum: suas músicas mais populares são do estilo piseiro, uma variação do forró marcado pelo uso intenso de efeitos sonoros eletrônicos. Além do piseiro, o levantamento identificou canções pop e hip hop.
O publicitário Mateus Braga tem mais de 20 anos de experiência e hoje dá consultoria para clientes na área de marketing digital. Segundo ele, a predominância de ritmos como o piseiro, hip hop e música pop entre as principais músicas vinculadas a candidatos à Presidência é explicada pela popularidade desses gêneros entre a maior parte dos usuários do TikTok.
“Esses são os ritmos que viralizam entre os jovens que usam essa plataforma independentemente de o conteúdo ser político ou não”, disse.
“O gosto popular e a forma rápida como o conteúdo da música é passado ajudam a explicar essa predominância. Geralmente, essas músicas são mais diretas e rápidas na fala […] pela tendência que eu vejo, o chamado piseiro deve ser o ritmo mais utilizado”, afirmou o também publicitário Marcelo Vitorino.
TikTok nas eleições
O TikTok é uma das redes sociais com o maior crescimento de usuários nos últimos anos. Ela ficou conhecida pela popularização de vídeos curtos com “dancinhas” gravadas pelos próprios usuários.
Em setembro de 2021, a empresa divulgou que havia chegado a 1 bilhão de usuários. O TikTok não divulga os seus dados por país, mas um estudo da consultoria alemã Statista coloca o Brasil como o segundo maior usuário da plataforma no mundo, atrás apenas da China, sede da empresa. De acordo com o relatório, pelo menos 40% dos brasileiros entrevistados admitiram utilizaram o aplicativo.
Com tanta gente na rede social, a presença de políticos nela, especialmente durante o período eleitoral, já era esperada.
Para a pesquisadora, o TikTok é a plataforma que melhor reproduz um novo padrão de comunicação que vem sendo buscada por candidatos, especialmente aqueles que procuram ampliar sua fatia no eleitorado jovem, onde o TikTok é particularmente forte, segundo estudos sobre a plataforma.
Esse novo padrão, ela explica, é marcado por uma estética mais informal, direta, distante das “megaproduções” feitas em estúdios.
“O TikTok permite que qualquer usuário faça o seu próprio conteúdo, inclusive sobre o seu candidato. Para quem usa esse tipo de plataforma, mais vale mais um vídeo que tenha essa atmosfera caseira do que algo super bem-produzido com cenário e iluminação”, disse Oliveira.
Marcelo Vitorino alerta que parte significativa da comunicação política no TikTok vem errando a mão ao usar a plataforma.
“A maior parte da classe política tem dificuldade em lidar com esse tom mais leve, com menos verniz e plasticidade. Acaba querendo usar a rede como um canal de entrega de conteúdo convencional”, afirmou Vitorino.
Na avaliação de Maria Carolina, entre os principais candidatos à Presidência, Bolsonaro é o que mais entendeu essa lógica.
“Ele ganhou as eleições assim, simulando uma comunicação sem mediação. Ele e os seus apoiadores criaram uma comunicação direta. Isso possibilitou que muito mais gente produzisse conteúdo sobre ele”, disse Maria Carolina.