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terça-feira 11 de outubro de 2022 às 07:15h

Boicote a pesquisas por eleitores de Bolsonaro pode distorcer resultados?

CURIOSIDADES, ELEIÇÕES 2022, NOTÍCIAS


O resultado poderia, sim, ser distorcido, segundo especialistas em estatística e pesquisas sociais.

Até agora, no entanto, as informações disponíveis não indicam que este foi um fator que influenciou os resultados das pesquisas no Brasil até aqui, segundo os profissionais do mercado e da academia ouvidos pela reportagem.

Logo após o primeiro turno da eleição, o ministro da Casa Civil de Jair Bolsonaro, Ciro Nogueira, pediu que os eleitores que apoiam o atual presidente se recusem a responder qualquer pesquisa até o fim da eleição.

O ministro das Comunicações, Fábio Faria, foi outro que fez o apelo: “Peço a todos que apoiam o presidente que NÃO respondam nenhuma pesquisa do IPEC, DataFolha e similares no 2º turno”, escreveu em sua conta no Twitter.

Em outros países, as mudanças de comportamento do eleitorado e o surgimento de um eleitor desconfiado do sistema têm aumentado os desafios. Nos Estados Unidos, um relatório da Associação Americana de Pesquisa de Opinião Pública publicado em 2021 apontou que grupos cruciais para a eleição de Donald Trump não estavam participando das pesquisas. O estudo buscava entender por que as pesquisas indicavam liderança da democrata Hillary Clinton na eleição de 2016, quando ela acabou perdendo para Donald Trump.

A BBC News Brasil pediu entrevista ao Datafolha, que não respondeu, e ao Ipec, que disse que a porta-voz não teria agenda para responder aos questionamentos.

A consultoria Quaest disse que leva em conta a preocupação com subnotificação no que se refere a eleitores de Bolsonaro e que há ferramentas estatísticas capazes de lidar com essa questão (veja mais detalhes abaixo).

Boicote a pesquisas pode distorcer resultados?

Os especialistas ouvidos pela reportagem são unânimes em dizer que, se muitos eleitores de um só candidato decidirem não responder às pesquisas eleitorais, isso pode distorcer resultados. Nenhum deles aponta, no entanto, que considera que isso foi um problema identificado no primeiro turno.

O cientista de dados Tomás Veiga, que é mestre em estudos populacionais e pesquisas sociais pela ENCE-IBGE e consultor sênior na EY, diz que um movimento assim “pode ser um problema”.

Para Veiga, em teoria é possível compensar a não participação de um grupo nas pesquisas, mas na prática é mais complicado. “Você teria que pesá-los de alguma forma – pesando o candidato (em quem eles pretendem votar) para mais, por exemplo -, mas você não saberia qual é esse peso”, resumiu.

A lógica por trás das pesquisas é exatamente a de buscar uma amostra que vai poder representar o todo (neste caso, total de eleitores) – já que não é possível entrevistar todo mundo, como lembra a estaticista Adriana Silva, professora e consultora na ASN.Rocks.

“E hoje o que acontece nas pesquisas eleitorais, dada a situação de vida real, são amostragem por cotas – e elas, sim, são separadas então por nichos. Então, se um determinado nicho decidir falar diferente ou não falar, aquilo vai ter um peso no resultado final”, diz ela, que também é professora de pós graduação em Analytics na FGV e na ESALQ/USP.

Adriana Silva diz que, diante desse cenário, vê duas possibilidades: “não esperar uma resposta tão precisa” (ou seja, aumentar a margem de erro) ou “restringir a população” (deixar determinado perfil de fora da pesquisa, alertando, claro, que aquele resultado não se refere a toda a população). Ela pondera que a segunda opção pode não fazer sentido estratégica e politicamente, mas que, “pensando estatisticamente, é uma abordagem válida”.

O professor de estatística da Universidade de Brasília (UnB) Alan Silva também diz que a recusa de um grupo específico – e não uma recusa aleatória, em grupos variados – pode influenciar a taxa de erro. E aponta que aumentar a margem de erro pode ser uma alternativa.

“É claro que ninguém quer uma margem de erro muito alta porque tudo ficaria empate técnico. Mas com a recusa, sua amostra vai diminuindo e você não consegue atingir aquele (nível de) erro que você pré-determinou.”

O professor também diz que os institutos poderiam divulgar dados sobre as recusas e mais detalhes sobre como estão recalculando. E afirma que pesquisas por telefones tendem, na avaliação dele, a ser uma forma mais fácil de o entrevistado deixar de participar. “Quando você é abordado na rua, não tem muito como escapar. No telefone, ele liga de e você desliga, não tem nem chance de tentar explicar nada.”

‘Pesquisa de intenção não é previsão’

Os três especialistas em estatística entrevistados fazem o alerta de que, em qualquer discussão sobre pesquisas de intenção de voto, é importante lembrar que elas devem ser encaradas como um retrato da opinião do eleitor naquele dia, e não uma projeção para o dia da eleição.

“É uma intenção de voto. A pessoa responde uma coisa que é o que ela pretende fazer naquele momento”, aponta o cientista de dados Tomás Veiga.

O professor Alan Silva compara: “Se eu perguntar qual é a sua idade, a princípio fica imutável em certo período de tempo. Mas a opinião muda.”

Para a estaticista Adriana Silva, a pesquisa de opinião “hoje infelizmente está sendo interpretada de uma forma que não deveria ser”, já que “não é modelo de previsão, não prevê futuro”, diz.

Ela explica que há ferramentas para buscar prever o comportamento das pessoas, mas que isso depende de muito mais que apenas uma pesquisa de opinião. Inclusive menciona o trabalho do estatístico Nate Silver, responsável pelo FiveThirtyEight.com, que ganhou notoriedade nas eleições de 2012 nos EUA após prever corretamente o resultado nos 50 estados.

“Se você vai ver a base do estudo dele, não foi pesquisa de opinião somente, foi um modelo de predição, em que ele levou várias pesquisas em consideração, cenários econômicos, cenários do que vinha acontecendo e virou um modelo de predição”, afirmou Adriana Silva.

Ela lembra que profissionais da área já fazem modelos para prever, por exemplo, quando uma pessoa deixará de ser cliente de determinada empresa e que trabalho semelhante poderia ser feito para parte dos eleitores. “Só que repara a complexidade desse tipo de análise”, diz ela, que complementa que é necessário entender classe social, renda, estilo, coisas que a pessoa gosta de fazer e outras informações sobre o indivíduo para tentar prever a opinião política dele.

‘Situação lamentável’

Diretor da Quaest, o professor e cientista político Felipe Nunes disse à BBC News Brasil que a consultoria tem, desde que começou a trabalhar com pesquisa para as eleições de 2022, preocupação com subnotificação relacionada a eleitores de Bolsonaro. Ele reconhece um risco de transformar a participação nas sondagens em um gesto político.

“Embora seja lamentável esse tipo de situação, há ferramentas estatísticas capazes de lidar com isso”, respondeu.

Nunes explicou que a Quaest pergunta em quem o eleitor disse ter votado no segundo turno de 2018. “Temos monitorado essa variável desde o começo do projeto, e vamos intensificar esse monitoramento agora incluindo a pergunta sobre em quem o eleitor votou no primeiro turno. Isso vai nos permitir identificar se a amostra tem ou não tem esse tipo de eleitor representado”, disse.

Esses dados, segundo ele, indicam que não houve esse problema até aqui. Mas ele reforça que a empresa vai “intensificar o controle dessa situação no campo”.

Ele argumentou, ainda, que tem um controle “muito grande” sobre a taxa de não resposta. “Somos a única empresa que coleta dados de quantas tentativas são necessárias para conseguir uma entrevista. Ao longo do último ano, aumentou a média de tentativas para se conseguir uma entrevista. Mas não temos dados de outras eleições para comparar e saber se é um movimento normal pelo volume de pesquisas ou algo específico desta eleição”, afirmou.

Nunes disse, ainda, que a legislação brasileira impede os institutos de trabalharem com margens de erro maiores. “Somos obrigados a informar antes da realização do campo a margem de erro estimada. Mas todos sabemos que isso subestima as margens reais. A Quaest começou a publicar os dados com margem de erro por sub-grupo justamente para tentar avançar esse debate. Mas ninguém prestou atenção nisso e continuamos a ver jornalistas assumindo que as estimativas publicadas são 100% precisas, o que não é verdade.”

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