Assumir um banco de fomento com o histórico de ataques e questionamentos recentes como aconteceu com o Banco Nacional de Desenvolvimento Ecônomico e Social (BNDES) não é tarefa fácil. Mas aceitar o cargo após ser coordenador da campanha que elegeu Luiz Inácio Lula da Silva e precisando revogar parte da lei das estatais para tomar posse é ainda mais difícil, diz Paula Cristina, da revista IstoÉ Dinheiro. E essa é só uma fração do problema que o petista histórico Aloizio Mercadante enfrentará no comando e gestão do banco que volta à cena com a promessa de garantir óleo nas engrenagens da economia brasileira. Em sua posse no dia 6 de fevereiro, Lula foi claro: “Mercadante, você não faz ideia da fé que coloco em você”. Mas talvez ele faça. E por isso desde dezembro começou a montar seu time com progressistas, desenvolvimentistas e liberais. Aproximou-se de bancos privados em busca de parcerias e ouviu representantes das empresas. Traçou planos transversais com os ministros de Ciência & Tecnologia, Educação, Telecomunicações e Agronegócio. Tudo isso antes mesmo de assumir o posto. Agora, devidamente empossado, ele começa a dar luz ao que chamou de novo momento do banco. “É importante ressaltar que não queremos e não iremos voltar a um padrão de subsídios como no passado”, disse ele.
Ainda assim, Mercadante ressalta a necessidade de entender e melhorar o custo do financiamento quando feito por meio do BNDES. “Precisamos ter uma taxa de juros mais competitiva, sobretudo para PMEs”, afirmou. Na avaliação do presidente, a TLP (Taxa de Longo Prazo, que está em 6,09% em fevereiro) penaliza de forma desproporcional empresas de menor porte e gera distorções que impedem que o banco fomente sua vocação de estimular o desenvolvimento do País. O plano, então, é negociar com o Congresso Nacional novos patamares para o índice.
A questão dos pequenos e médios empresários, até por pedido de Lula, parece estar no centro dessa nova política do BNDES. Até 2013 o banco ficou conhecido por oferecer juros muito baixos para conglomerados financeiros que teriam condições de captar recursos de outras formas. Esse movimento, que estava na origem do que ficou conhecido como As Campeãs Nacionais, fomentou empresas como JBS, Oi, Fibria, Petrobras e as alçou a novos mercados, mas não foi capaz de impedir que algumas delas tivessem problemas financeiros, judiciais e até de corrupção. Essa fase, segundo Mercadante, acabou. “Olhamos para trás e vemos que o mundo, o Brasil e o BNDES mudaram. E ao olhar para frente sabemos ser preciso continuar construindo um país mais próspero moderno e industrializado.”
Mas e como atender a todos os empresários com um taxa menor que a do mercado privado e com limitação de recursos? Por meio de novas relações, diz ele. Para as micro e pequenas empresas, por exemplo, o plano do BNDES é focar no desenvolvimento de novas tecnologias, e para isso seria preciso buscar parceiros. “Vamos apoiar as micro, pequenas e médias empresas, as cooperativas e a economia solidária, com R$ 65 bilhões por meio de crédito indireto do banco e alavancagem via garantias para o crédito privado”, disse.
INDÚSTRIAS
Quando nasceu, lá em 1952, o então BNDE (sem o S) emprestava recursos sobretudo para as indústrias. Àquela época, diz Mercadante, o Brasil saiu de um país de agrário e monocultor para um país urbano e industrial. Hoje o plano é fazer um movimento semelhante, mas sem ser anacrônico. “Precisamos de visão de longo prazo. Estratégia.” Entre elas, Mercadante cita exportar mais produtos de maior valor agregado. “Hoje, 98% do mercado mundial está fora do Brasil. Para serem competitivas [as empresas] precisam ganhar escala e se integrar às cadeias globais de valor.” Nesse sentido o foco é apoiar o pré-embarque e o pós-embarque de bens e produtos como faz o americano Eximbank.
Para o restante da indústria, o objetivo é estimular pesquisa em direção a menor emissão e poluição e usar isso como baliza para liberação de crédito. “Reindustrialização não é sobre a velha indústria, mas sobre a nova. Essa nova indústria precisa gerar inovação e grande investimento em pesquisa.” Segundo os dados do banco, o segmento das indústrias recebeu, em 2006, 56% dos investimentos do BNDES. Em 2021 essa cifra caiu para 15,9%. Na onda verde e digital, o BNDES também ficará responsável pela gestão de fundos como o da Amazônia e o Fust.
MITOS E VERDADES
E se teve um banco que foi alvo de crítica, fake news e especulações nos últimos anos foi o BNDES. Para reverter essa imagem, Mercadante esclarece mitos. “Desde 2015 o BNDES devolveu mais de R$ 678 bilhões ao Tesouro.” Esses repasses são feitos por meio de quitação de dívida, dividendo e antecipação de contas a pagar. “Pagamos 60% de dividendos para o Tesouro. O BB paga 40%. Queremos o mesmo tratamento.” O BNDES devolveu ao Tesouro, entre 2008 e 2014, 54% do que pegou. “Precisamos de um banco mais atuante e de uma relação de equilíbrio com o Tesouro. Não vamos disputar mercado com o sistema financeiro privado, ao contrário”, disse. “Podemos mitigar riscos, abrir novos mercados, alongar prazos e elaborar bons projetos de investimento privado.” Isso só é possível estando perto dos banqueiros. E, a tirar pela concorrida disputa por cadeira em sua posse — que ia de Pedro Moreira Salles (Itaú) a Luiz Carlos Trabuco (Bradesco) —, essa aproximação está mais que feita.
Entrevista a IstoÉ Dinheiro:
“Da cooperativa de catadores até uma grande empresa, esse banco estará aberto a todos”
Qual o papel do BNDES na nova gestão? Haverá os mesmos perfis de crédito e subsídios passados?
Da cooperativa de catadores até uma grande empresa, esse banco estará aberto a todos. Teremos diretrizes, prioridades. Entre elas Pesquisa & Desenvolvimento de novas tecnologias, indústrias verdes e de baixa emissão de carbono, soluções de energia limpa. Projetos que conversem com o futuro que queremos para o Brasil.
E qual o papel para o BNDES?
O banco precisa estar e apoiar o empresário que olha para o mesmo projeto de País. O que precisamos discutir é a taxa de juros e como fazer com quem ela aperte menos o bolso do empresário menor. Facilitar o acesso. Não queremos nem retomaremos os subsídios.
E, diante de tanto a se fazer, como garantir que as melhores decisões sejam tomadas para empréstimos?
Para isso é vital que o BNDES seja uma instituição plural. Respeito ao pensamento democrático pelas diferentes visões de mundo. O BNDES foi construído por servidores desenvolvimentistas, como Ignácio Rangel e Celso Furtado, e por liberais, como Roberto Campos. Essa dialética entre diferentes pensamentos, feita de modo civilizado e qualificado, contribuiu muito para o sucesso do BNDES. Não há espaço para perseguição. Há espaço para diálogo. Montamos um time com ex-ministros, pesquisadores, acadêmicos, muitos representantes do mercado financeiro. Gente da saúde, da educação, da segurança. Gente do clima, do meio ambiente. Liberais, conservadores, progressistas, desenvolvimentistas. Esse diálogo remonta à origem do BNDES, mas também oxigena a nova economia. A economia que buscamos.
E quais iniciativas formam essa nova economia?
O BNDES precisa apoiar uma transição justa na economia de baixo carbono, bem como promover a inclusão produtiva e a reurbanização inteligente visando construir cidades do futuro. Transitar em uma economia de baixo carbono e empregos verdes, e de baixa emissão é o imperativo que orientará a estratégia do banco. Não há futuro sem preservar a Amazônia e outros biomas. Essa é uma prioridade.
E a relação do BNDES com outros países?
Nosso desenvolvimento passa também pela integração com a América Latina e com o Sul global. O presidente Lula tem toda razão quando diz que o BNDES tem que ser um banco parceiro do desenvolvimento e da integração nacional. O Brasil é mais da metade do PIB, território e população da América do Sul. Estamos irrevogavelmente inseridos nesse contexto regional.
O Brasil é grande, mas será ainda maior quando atuar com seus vizinhos.