Ao contrário das famosas marchinhas de carnaval que entoam “Paz e amor, guerra, não senhor”, governadores e prefeitos têm usado a maior festa popular do Brasil como palco de disputa, já mirando as eleições de 2026. Em pelo menos cinco estados — Rio de Janeiro, Pernambuco, Bahia, Maranhão e Espírito Santo —, trocas de farpas e impasses marcam a rivalidade entre os gestores públicos.
As tensões envolvem governadores e prefeitos de capitais que almejam disputar o Executivo estadual no próximo ano, antecipando o confronto eleitoral. Enquanto se desentendem, os prefeitos também aproveitam o momento para projetar seus vices, que podem herdar a cadeira na prefeitura.
Um dos embates mais emblemáticos ocorre entre a governadora de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), e o prefeito do Recife, João Campos (PSB). A disputa entre os dois rivais da política local ganhou novos capítulos com a estrutura para a festa de carnaval na capital. A prefeitura instalou o tradicional polo de shows “Marco Zero” na praça homônima, principal ponto da folia recifense, enquanto o governo estadual ergueu, a cem metros dali, um palco próprio, batizado de “Pernambuco, meu país”, gerando insatisfação entre aliados de Campos.
Interlocutores próximos ao prefeito criticaram a governadora por não investir no evento municipal e, em vez disso, criar um espaço concorrente. Além disso, afirmaram que a estrutura do governo prejudica o corredor de emergência do Marco Zero, aumentando o risco de aglomeração. Do lado do governo estadual, o discurso oficial é o de valorização dos artistas locais, que, segundo fontes próximas ao Palácio das Princesas, estariam excluídos da programação oficial da prefeitura.
Embora João Campos tenha adotado um tom conciliador em coletiva de imprensa, dizendo que não entraria no “bloco da intriga”, seus aliados não pouparam as críticas.
— Este projeto “Pernambuco, meu país” poderia estar em qualquer outro município que não tem o suporte do carnaval. Recife já tem várias atrações. Aqui não tem público, muita gente nem sabe desse palco — afirmou o vereador Júnior de Cleto (MDB).
Em paralelo, o prefeito tem buscado dar visibilidade ao vice Victor Marques (PCdoB). Ele tem anunciado iniciativas da gestão, como a limpeza das ruas entre os principais blocos.
No Maranhão, o governador Carlos Brandão (PSB) e o prefeito de São Luís, Eduardo Braide (PSD), protagonizam um enredo semelhante, mas com maior distanciamento físico. Enquanto Brandão organiza a festa na Avenida Litorânea, Braide comanda a programação no centro histórico.
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No último dia 22, um artista que se apresentou no palco da prefeitura anunciou sua participação na festa estadual. A menção gerou desconforto nos bastidores, segundo apurou O GLOBO.
Para a cientista política Luciana Santana, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), as disputas refletem o peso econômico e político do carnaval em determinados estados.
— O que está em jogo são as eleições de 2026 e a configuração do cenário político. O carnaval é uma oportunidade para prefeitos e governadores se posicionarem e ganharem visibilidade — avalia.
Farpas trocadas
Na Bahia, o clima de confronto entre o prefeito de Salvador, Bruno Reis (União), e o governador Jerônimo Rodrigues (PT) é mais explícito. Durante todo o mês de fevereiro, Reis acusou o governo estadual de ignorar a prefeitura nas tratativas sobre o carnaval e afirmou que não tentaria mais contato para discutir a festa. Jerônimo Rodrigues, por sua vez, minimizou as críticas e disse que irá se reunir com o prefeito após o carnaval para tratar de pautas como o metrô e a segurança pública.
— É possível que logo após o carnaval a gente faça uma reunião com o prefeito para tratarmos de temas como o metrô, o VLT e outras agendas importantes, como saúde e segurança pública — afirmou.
Apesar das tensões, ambos participaram juntos da cerimônia de entrega das chaves da cidade ao Rei Momo, solenidade que marca o início oficial da folia. Reis é próximo do ex-prefeito ACM Neto, adversário histórico do grupo petista na Bahia.
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No Rio, o prefeito Eduardo Paes (PSD) aproveitou o período para dar visibilidade ao seu vice, Eduardo Cavaliere (PSD), seu sucessor no cargo caso decida concorrer ao governo do estado em 2026. Cavaliere desfilou ao lado de Paes na lavagem da Marquês de Sapucaí, palco dos desfiles das escolas de samba.
Paes e o governador Cláudio Castro (PL) também têm disputado no quesito investimentos. Enquanto Castro anunciou o maior investimento da história, de R$ 90 milhões, sendo R$ 40 milhões apenas para as escolas do grupo especial, o prefeito destinou R$ 25,8 milhões para os mesmos desfiles. Paes deve disputar a eleição contra o indicado de Castro, o presidente da Alerj, Rodrigo Bacellar (União).
Em Vitória, sinalizações recentes do prefeito Lorenzo Pazolini (Republicanos) foram interpretadas pelo grupo político do governador Renato Casagrande (PSB) como uma tentativa de capitalizar com os desfiles das escolas de samba, que ocorrem uma semana antes do feriado oficial. Vídeos divulgados por Pazolini destacaram, por exemplo, a organização municipal.
A estratégia, porém, não saiu como o planejado. No domingo passado, Pazolini foi agredido ao tentar intervir em uma confusão envolvendo um homem armado e uma segurança durante o desfile, o que ofuscou a repercussão do evento. O prefeito levou um golpe no rosto e chegou a cair no chão.