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A bisneta arquiteta Gleuse Ferreira Nunes de Oliveira, 41 anos, sentada - Foto: Acervo Pessoal
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domingo 13 de novembro de 2022 às 10:17h

Bisneta de Lampião e Maria Bonita lidera novo ‘bando’ da família

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Paulo Serdan, 55, presidente da Mancha Verde, foi pego de surpresa quando advogados o procuraram num dia de julho. Eram representantes da família Ferreira — a família de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, e Maria Gomes de Oliveira, a Maria Bonita.

No Carnaval de 2023, a agremiação paulista, atual campeã, vai levar à avenida o desfile “Oxente: sou xaxado, sou Nordeste, sou Brasil”, que revisita tradições do sertão nordestino, onde nasceu o xaxado, dança do cangaço na qual a espingarda marcava o ritmo da pisada — o nome vem do barulho das alpercatas, o xa-xa, na areia. O que a Mancha Verde não sabia é que a única filha de Lampião e Maria Bonita, Expedita, 90, está viva.

A conversa com os advogados foi amigável, visto que o desfile tem caráter cultural, não comercial. “É nossa família. Nós só queremos ser protagonistas também”, diz a arquiteta Gleuse Ferreira Nunes de Oliveira, 41, bisneta do casal que liderou o cangaço. As informações são de Claudia Castelo Branco, do UOL.

Segundo a publicação, Gleuse tem viajado de Aracaju, onde mora, para São Paulo. Num domingo de novembro, ela chegou ao barracão da Mancha Verde no Bom Retiro carregando Bento, um chihuahua enfeitado com lenço no pescoço. “Muita gente não sabe que existimos. Ou pensam que a gente tá lá no sertão, no meio do mato”, conta, enquanto observa a estrutura de um Lampião gigante. “É esse aqui o meu?”, pergunta — a convite da escola, a arquiteta será responsável pela decoração de um dos carros.

A família Ferreira é pequena, formada por mulheres animadas, aposentadas, viúvas ou solteiras — “o segredo da felicidade”, segundo Expedita. Ela é mãe de Iza, Gleuse, Vera e Deja.

Gleuse, 66, decidiu batizar a filha caçula, a arquiteta, com o próprio nome; e também é mãe de Karla, 43, que mora em Londres. “E a gente só anda agarrada, é uma folia”, dizem. Certa vez, o marido de Expedita foi para o hospital, e um dos médicos não gostou de ver o quarto lotado de visitas. Vera, 67, logo reagiu: “Olha, a gente veio de um bando e vamos continuar em bando aqui dentro”

Outros Carnavais

Ao contrário de cangaceiros nobres do passado, os Ferreira não eram proprietários de terra e não tinham finanças fora do cangaço. Após a morte dos pais, na grota do Angico (SE), Expedita recebeu de herança uma mecha de cabelo de Lampião, morto em 1938. Passou anos escondida e com medo, tanto que o sobrenome só foi para sua certidão em 2016.

O olhar torto ao bando de Lampião mudou na década de 1980, quando se iniciou uma nova leitura da trajetória do cangaço. Hoje, o acervo da família vem sendo trabalhado também sob nova perspectiva. Vera lembra até hoje de uma viagem para São Paulo que fez na adolescência, com a mãe e a historiadora Marta Machado, e encontrou ex-cangaceiros. Todos levantaram-se em respeito à Expedita, o que a fez pensar que o avô não era o vilão que sempre ouviu dizer. Decidiu então ir viver no sertão, em busca de respostas.

No livro “Lampião e Maria Bonita – uma história de amor e balas”, o jornalista Wagner Gutierrez Barreira conta que os antigos cabras de Lampião se renderam em acordos com a polícia, outros abandonaram o cangaço, fugiram ou simplesmente tocaram a vida. A maioria cumpriu pena e muitos receberam indulto nos anos 1950. Na prisão, ganharam fama de tranquilos e alegres. “Quem entrava pro cangaço entrava com um sentimento de Justiça”, observa Gleuse Ferreira, a bisneta.

Diversas versões ficaram famosas sobre o que foi o bando, com relatos e informações contraditórias — muitas delas, fictícias. “[Lampião e Maria Bonita] são personagens que ultrapassam a própria realidade”, comenta o carnavalesco André Machado, 37, exibindo entre suas referências para o Carnaval o livro “Bonita Maria do Capitão”, de Vera Ferreira, a neta.

De herói a vilão, há de tudo no imaginário ao redor de Lampião, incluindo um livro que diz que o sertanejo era gay. Também há controvérsias sobre a origem do apelido de Maria Bonita, mas é fato que foi no semiárido nordestino que Virgulino encontrou Maria de Déa, recém-separada, que abandonou tudo para seguir o amor de sua vida.

Viva o Nordeste

“O Nordeste merece ser celebrado”, comenta Paolo Bianchi, 47, diretor de Carnaval da Mancha Verde, que lembra do primeiro encontro entre as Ferreira e a diretoria no dia 7 de setembro. Parecia que já se conheciam há muito tempo. “Elas perceberam que a Mancha é uma família e sentiram-se acolhidas. Porque também existe um preconceito com escola de samba, a nossa que é vinculada a uma torcida, então?” Para o desfile, a arquiteta levará referências de Piranhas, no sertão de Alagoas, onde as cabeças de Lampião e companhia foram expostas pela primeira vez.

A Imperatriz Leopoldinense, no Rio de Janeiro, é outra escola que levará à avenida (no caso, a Sapucaí) um enredo sobre “visões delirantes dos cordéis nordestinos que contam histórias fantásticas sobre a chegada de Lampião ao céu e ao inferno”.

Entre Rio e São Paulo, o bando estará muito à vontade na caatinga entre xique-xiques, mandacarus e facheiros cenográficos. “O Carnaval é uma coisa gigantesca, vejo como oportunidade para as pessoas conhecerem minha avó”, afirma Gleuse, que confessa ficar incomodada ao ouvir que muita gente desconhece que Expedita existe.

A família palpita, principalmente Vera. Ela logo apontou que os tons terra não eram muito usados pelos cangaceiros, que preferiam azul. “Tinha muita coisa colorida. Muitos lenços. Os bornais [bolsas carregadas no corpo] eram todos decorados. Tem gente que fala que o ‘biso’ foi o estilista, mas não foi. Foi Dadá [companheira do cangaceiro Corisco]. Todo mundo era muito enfeitado. Muitos brincos, anéis, colar”, diz Gleuse.

Além das escolas de samba, o advogado da família, Alex Ferreira, 32, conversou com estúdios que estão com novos projetos envolvendo Lampião e Maria Bonita — entre eles, uma série documental. Eles também não sabiam que a família existia. “Existem. São mulheres de classe média, esclarecidas e que moram em Aracaju. Nós reforçamos isso nas conversas. Não para impedir, mas para proteger os interesses da família.”

Gleuse, que vem estudando licenciamento, defende que atividades assim devem ser impulsionadas, mas muitas empresas já utilizaram comercialmente a imagem do casal sem nunca procurá-las. Desde março, o escritório Candido Dortas, de Aracaju, representa as Ferreira. Há cerca de um mês, elas conseguiram a autorização do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) para comercializar a marca da família, liderada pela bisneta. “Devem achar que ando por aí vestida de Maria Bonita ou com um facão no bolso”, brinca.

A história de Lampião e Maria Bonita continua viva, mas entre as Ferreira paira uma preocupação sobre a continuidade da família: nenhuma das três bisnetas tem filhos. “Se acabar, acabou. Pronto”, diz Expedita, bastante pragmática. Na verdade, hoje ela está mais preocupada em aprender o samba-enredo da Mancha Verde para 2023.

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