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Retrato de dom Pedro I e princesa Leopoldina, pintado por Arnaud Julien Pallière — Foto: Agência Brasil
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sábado 3 de setembro de 2022 às 16:31h

Bicentenário: Historiadores explicam por que Brasil optou pela monarquia em 1822

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A independência do Brasil é singular em relação a todas as histórias de rompimento com o colonizador, especialmente segundo Cinthya Oliveira, do jornal O Tempo, no continente americano. Enquanto os Estados Unidos inauguraram um projeto político com ideais republicanos e iluministas em 1776, e foram seguidos por vários países ao longo das Américas, por aqui a emancipação em 1822 envolveu a manutenção da família real portuguesa no poder. Mas por que, diferentemente dos vizinhos, o Brasil escolheu se tornar um império comandado pela mesma casa dinástica do país que colonizou suas terras por mais de 300 anos?

De acordo com Luiz Carlos Villalta, pesquisador e professor do Departamento de História da UFMG, os anseios aristocráticos dos brasileiros contribuíram muito para a singularidade da nossa independência. Ao trazer para o Rio de Janeiro toda a corte lisboeta em 1808, dom João IV alimentou os desejos da elite colonial de participar da nobreza.

“Funcionários públicos, traficantes de escravos, grandes proprietários de terras do Sudeste, todos esses grupos foram beneficiados de alguma forma pela proximidade com o príncipe regente, dom João, no Rio de Janeiro”, explica Villalta.

A vontade de se tornar barão ou receber uma comenda da Ordem de Cristo acabaram se sobressaindo em relação aos ideais iluministas que circulavam fortemente pelos centros urbanos. “Tem gente que imagina dom João e dom Pedro como tolos, mas eles eram muito espertos, na verdade. Eles perceberam que o Brasil tinha uma sociedade escravista e aristocrática, que os brasileiros tinham anseios por títulos e honrarias, tinham o desejo de serem melhores do que os outros. Por isso, dom João fez uma grande distribuição de comendas e títulos de nobreza”, completa.

Outro anseio também foi fundamental para que a elite apoiasse dom Pedro durante o processo de independência estava na manutenção da escravidão. Uma independência republicana não era necessariamente um sinônimo de abolição (nos Estados Unidos, a escravidão só chegou ao fim após a Guerra de Secessão, encerrada em 1865), mas o discurso contrário à escravização já vinha ganhando forças entre os liberais iluministas.

De acordo com Villalta, o próprio dom Pedro I demonstrava ter ideais abolicionistas, assim como seu mentor, José Bonifácio. “Não era por simpatia aos escravos, não havia ali um fundo humanitário. Mas para eles a escravidão afetava a construção de uma nação, de uma ordem nacional. Bonifácio acreditava que a escravidão contaminava a sociedade. Mas não houve mudança porque boa parte da população não queria o fim da escravidão”, explica.

Protagonismo de um homem só?

Ao longo de 200 anos, se colocou muito protagonismo da independência em dom Pedro I. Mas a história é muito mais complexa. O processo de emancipação do Brasil envolveu pessoas do povo, de acordo com o historiador Breno Gontijo, que mergulhou sobre a Revolução Pernambucana (1817) nas pesquisas de mestrado e doutorado, defendidas na UFMG.

Segundo o pesquisador, um homem apenas não daria conta de garantir a unidade e o processo de independência em um território tão vasto – por meses, tropas de dom Pedro lutaram com grupos de províncias como Bahia, Pernambuco, Pará e Maranhão, que eram contrários a uma independência centrada no Rio de Janeiro.

A importância do príncipe no processo é inegável, mas a emancipação só poderia ser concretizada em um território continental  graças ao engajamento de milhares de pessoas do povo. “Uma narrativa centralizada em um personagem corrobora a ideia errônea de que a história só pode ser feita por grandes homens. Nessa perspectiva, o povo é inerte, não realiza a própria história e aguarda o nascimento daquele que salvará a todos. Assim, indígenas, negros, mulheres, o povo em geral é colocado como silhuetas em um cenário onde se destaca apenas o herói”, explica Gontijo. “Uma narrativa que trate apenas dos caminhos percorridos por dom Pedro I oculta a participação relevante de tantas outras gentes”.

Vale lembrar que, enquanto o imperador e seus aliados atuavam para manter os limites do Brasil e evitar um desmembramento, como aconteceu na América Hispânica, as ideias republicanas continuavam circulando pelos centros urbanos, através de livros e jornais contrabandeados. A emancipação sem rompimento com a família real Bragança acabou silenciando temporariamente um desejo republicano que surgia em diferentes pontos do país.

“Essas notícias acabavam por mostrar aos que aqui habitavam que havia outras formas de governos, outras formas de organização social e eles acabavam por criticar a monarquia portuguesa, a discutir outras formas de organização, como uma República. A nossa história registrou vários desses momentos, como a Inconfidência Mineira, Baiana, a Conspiração dos Suassuna e a Revolução de 1817 iniciada em Pernambuco”, diz Gontijo.

Após a Revolução do Porto

A coroação de Dom Pedro I, em dezembro de 1822, é a finalização de um processo histórico com início em 1808, momento em que a família real portuguesa decide fugir de Lisboa para o Rio de Janeiro, transferindo toda a burocracia para o Brasil. O território antes tratado como colônia agora passava a ter bailes, bancos, repartições públicas, imprensa, universidades, entre outros.

Mas o verdadeiro pontapé inicial para o processo emancipatório acontece em agosto de 1820, data da Revolução Liberal do Porto, em Portugal. Os revoltosos decidiram pela promulgação de uma Constituição e pelo retorno da família real. Dom João volta a Lisboa, aceita comandar uma monarquia constitucional e deixa o governo do Brasil para o filho, sem antes não lhe dar um recado: “Pedro, se o Brasil se separar, antes seja para ti, que me hás de respeitar, que para algum desses aventureiros”.

Meses depois, os constituintes portugueses exigiram que dom Pedro também retornasse a Portugal, provocando um motivo consistente para o rompimento. No dia 9 de janeiro de 1822, o príncipe se negou oficialmente a retornar à Europa – data que ficou marcada como o “Dia do Fico”.

No dia 1º de agosto, dom Pedro conclamava as províncias do Pará, Maranhão, Bahia e Pernambuco a aderirem ao movimento que já contava com a simpatia das províncias sulistas (naquele momento, o Brasil agregava a Cisplatina, onde hoje é o Uruguai). “Nesta data, ele lê o manifesto pelo Brasil e praticamente declara a independência. É um manifesto muito bonito, que ecoa as máximas ilustradas, um texto atual até hoje. É um manifesto que mostra a sensibilidade de dom Pedro”, afirma Luiz Carlos Villalta.

Neste texto, o príncipe pregava que a independência não traria a falência econômica para nenhuma província, garantindo que os territórios do norte não perderiam com o rompimento. “Não temais as Nações Estrangeiras: a Europa, que reconheceu a Independência dos Estados Unidos da América, e que ficou neutra na luta das Colônias Espanholas, não pode deixar de reconhecer a do Brasil, que, com tanta justiça, e tantos meios, e recursos, procura também entrar na grande Família das Nações. Nós nunca nos envolveremos nos seus negócios particulares; mas elas também não quererão perturbar a paz e o comércio livre, que lhes oferecemos; garantidos por um Governo Representativo, que vamos estabelecer”, dizia o manifesto, que pode ser lido na íntegra no site da Câmara dos Deputados.

As províncias ao norte continuariam reticentes, mesmo após o 7 de setembro ou à aclamação do imperador. Muitos preferiam continuar o comércio com Portugal. O processo de independência iniciado no Rio de Janeiro só chegaria definitivamente a todo o território nos meses seguintes. Na Bahia, por exemplo, o processo só seria concluído em julho de 1823. “Quem queria um Brasil unificado era a região centro-sul do Brasil. Outras províncias queriam uma independência fragmentada, como na América Espanhola”, explica Villalta.

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