O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, defendeu a participação de ministros da Corte em eventos internacionais ou do empresariado e sustentou que existe um “preconceito contra a livre iniciativa”. A fala ocorreu nesta terça-feira, durante encontro na Academia Brasileira de Letras (ABL), no Rio de Janeiro. As informações são do jornal, O GLOBO.
— Os ministros do Supremo participam de eventos com advogados, no Ministério Público, visitam comunidades indígenas, recebem sindicalistas, parlamentares, representantes de moradores de rua, todo mundo tem interesse no Supremo — disse Barroso.
— Estar no Judiciário é estar sujeito a críticas. Ninguém viaja com passagens pagas pelo Supremo, apenas o presidente da Corte em representação institucional do STF — completou.
Em outro momento, Barroso afirmou que algumas decisões da Corte atrapalharam o combate à corrupção no Brasil.
— O Supremo anulou o processo contra um dirigente de empresa estatal que tinha desviado alguns milhões porque as alegações finais foram apresentadas pelos réus colaboradores e pelos réus não colaboradores na mesma data, sem que isso tivesse trazido nenhum prejuízo. Também acho que atrapalhou o enfrentamento à corrupção — disse o ministro, sem citar nominalmente Aldemir Bendine, ex-presidente da Petrobras que foi condenado pela Lava-Jato por corrupção e lavagem de dinheiro em 2018, mas teve sua condenação revista em agosto de 2019 pelo STF
Barroso acrescentou que “houve decisões do Supremo em matéria de enfrentamento à corrupção que não corresponderam à expectativa da sociedade”, mas ressaltou que o fato de discordar não o permite “tratar com desrespeito a posição das pessoas que pensam de maneira diferente”.
O ministro foi um dos principais defensores da Lava-Jato no STF. Entre as decisões consideradas contrárias à operação referenciadas por Barroso nesta terça-feira estão o fim da prisão em segunda instância e a anulação de sentenças em razão da ordem da fala de delatores no processo.
Barroso também mencionou a submissão do afastamento do então senador Aécio Neves ao Senado. À época, o hoje presidente do STF disse no julgamento que havia indícios “induvidosos” de crimes cometidos por Neves, que foi acusado de corrupção passiva e obstrução da Justiça, por pedir e receber R$ 2 milhões da JBS, além de ter atuado no Congresso e junto ao Executivo para embaraçar as investigações da Lava-Jato. A decisão colegiada da Corte, porém, acabou derrubada pelo Senado.
Por outro lado, o presidente da Corte ressaltou decisões da Corte com as quais concorda, mesmo que tenham provocado reações na sociedade. O ministro citou a equiparação da homofobia ao crime de racismo, o reconhecimento da união civil entre casais homoafetivos, a liberação de pesquisas com células-tronco embrionárias e a autorização de aborto para fetos anencéfalos.
Barroso apontou que “a importância de um tribunal não pode ser aferida em pesquisa de opinião pública, porque existem na sociedade interesses conflitantes e sempre haverá queixas e insatisfações”.
Defesa do sistema eleitoral
Barroso também afirmou que não existe chance do que “está acontecendo hoje na Venezuela” ocorrer no Brasil. A declaração ocorreu enquanto o ministro citava o posicionamento contrário da Corte em relação ao retorno do voto impresso no país — bandeira levantada pelo bolsonarismo nas eleições de 2018 e 2022.
— O Supremo atuou intensamente contra a volta do voto impresso, que sempre foi o caminho da fraude no Brasil. Não tem nenhuma chance do que está acontecendo hoje na Venezuela ocorrer no Brasil ou algum tipo de denúncia como a que Donald Trump fez na eleição (americana) em que perdeu (2020). Aqui a votação é eletrônica e o código fonte é aberto um ano antes. Qualquer um pode fiscalizar — disse Barroso.
A autoridade eleitoral venezuelana proclamou oficialmente o presidente Nicolás Maduro vencedor das eleições de domingo, cujo resultado não foi reconhecido pela oposição e foi questionado por vários países, incluindo o Brasil, devido à falta de transparência do processo. A Venezuela usa sistema eletrônico para apurar votos e cédulas físicas para auditar o resultado.
O ministro também se posicionou de forma contrária à criminalização do aborto, afirmando que “não é uma boa política pública”. A fala ocorreu em meio ao debate acerca do projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao crime de homicídio, inclusive em caso de estupro.
— O Supremo terá que decidir sobre esse assunto novamente no futuro. Tenho tentado levar a ideia de que é possível ser contra o aborto e isso não se confunde com prender a mulher. Preciso pautar isso em algum momento, mas não gostaria de pautar contra a compreensão da maior parte da população brasileira — ressaltou o ministro.
Críticas ao Supremo
Ao abordar a atuação do Supremo, Barroso citou o crescimento da midiatização da Corte — resultante de decisões durante a pandemia da Covid-19 — e de ataques contra os ministros.
— De 2018 para cá não podemos mais sair sozinhos na rua por causa de um espírito de agressividade e alguns trogloditas. O país mudou. Tem quem crie situações para filmar e colocar nas redes sociais. O mundo passou a ser assim. Eu lamento, mas não é culpa do Supremo também — afirmou.