quarta-feira 26 de junho de 2024
Os deputados Cabo Gilberto (PL-PB) e Guilherme Boulos (PSOL-SP) discutem duante sessão do Conselho de Ética da Câmara que arquivou processo sobre suspeita de "rachadinha" contra André Janones (Avante-MG) - Lula Marques - 5.jun.24/Agência Brasil
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sexta-feira 7 de junho de 2024 às 06:05h

Baixaria na sessão do caso Janones simboliza atual nível da Câmara dos Deputados

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O palco não poderia ser o mais adequado, o Conselho de Ética, órgão conhecido por colocar panos quentes nas mais variadas faltas de decoro de parlamentares. O que se viu na sessão desta quarta-feira (5) representa um microcosmo do atual nível da política na Câmara dos Deputados como um todo.

O relato frio é o de que André Janones (Avante-MG), político que liderou parte da campanha digital de Lula (PT) em 2022, escapou de processo por suposta “rachadinha” após o também lulista Guilherme Boulos (PSOL-SP) sugerir o arquivamento do caso, o que acabou ocorrendo por 12 votos a 5.

As cerca de duas horas e meia de sessão, porém, apresentaram muito mais do que isso: gritos, xingamentos, ameaças, intimidações físicas e até deputado se vangloriando por matar gente deram a tônica de baderna, que não se resumiu apenas à quase troca de socos e pontapés dentro da sessão, mas a uma perseguição pelos corredores da Câmara.

Fora o ringue ao vivo, outros dos males atuais da política também se fizeram presentes: debates rasos, pouquíssima familiaridade com regras ou com o que está sendo discutido, corporativismo, acordos intramuros, hipocrisia e performances pensadas e executadas para lacração em redes sociais.

A história dessa sessão do Conselho de Ética da Câmara dos Deputados no dia 5 de junho de 2024 começa algumas semanas antes.

Pré-candidato à Prefeitura de São Paulo, Boulos apresentou um curtíssimo parecer pelo arquivamento do caso sustentando que a suspeita de “rachadinha” se refere a fato anterior ao mandato de Janones, logo, não haveria por que falar em quebra do decoro parlamentar se Janones nem parlamentar era.

Ocorre que o áudio em que o congressista pede a devolução dos salários de assessores e a própria investigação do caso no Supremo Tribunal Federal, deturpada pelo parlamentar do PSOL em seu parecer, indicam que ele já estava de posse do mandato.

Boulos foi questionado pela Folha sobre esses pontos por mais de uma vez e nunca deu resposta. Na sessão do conselho, seus adversários preferiram tentar lhe imputar a pecha de defensor da “rachadinha” e ninguém o questionou especificamente sobre as discrepâncias de seu relatório.

A tropa de choque bolsonarista que lotou o Conselho de Ética mesmo sem integrar o órgão estava direcionada a outros objetivos: alvejar a imagem de Janones, o adversário da campanha e arquirrival das redes sociais, e fustigar a pré-campanha de Boulos.

O Conselho é composto por 21 deputados titulares, mas 44 registraram presença. Com apenas uma exceção —o petista Rogério Correia (MG)—, todos os outros “forasteiros” eram bolsonaristas.

Foram eles Abilio Brunini (PL-MT), Delegado Éder Mauro (PL-PA), Delegado Paulo Bilynskyj (PL-SP), Julia Zanatta (PL-SC), Junio Amaral (PL-MG), Nikolas Ferreira (PL-MG), Pastor Marco Feliciano (PL-SP), Rodolfo Nogueira (PL-MS), Zé Trovão (PL-SC), Sargento Fahur (PSD-PR) e Mauricio Marcon (Podemos-RS).

Além dos deputados, ganhou assento na sala o pré-candidato do PRTB à Prefeitura de São Paulo, Pablo Marçal, que de celular nas mãos teve direito ao seu bate-boca pessoal com Boulos após esse chamá-lo de “coach picareta”.

Nenhum bolsonarista demonstrou constrangimento pelo fato de que o tema que eles usavam para atacar de forma virulenta —e quase física— Janones, a suspeita de “rachadinha”, tem na família Bolsonaro um de seus maiores símbolos.

Coube ao deputado Cabo Gilberto (PL-PB), suplente do conselho, ler voto divergente, a favor do prosseguimento do caso, exemplo quase solitário de parlamentar que ao menos tentou promover alguma argumentação técnica.

Nos discursos e xingamentos fora dos microfones, termos com “palhaço” (de Nikolas a Janones), “Moleque de rede social” (de Rogério Correia a Marçal) e “cachaceiro” (de Marcos Polon a Lula) precederam a fala de defesa de Janones —segundo a qual se a tese de cassação para crimes anteriores ao mandato valesse, tinha deputado ali que perderia o mandato por ter agredido namorada, assaltado banco e matado pessoas.

Nesse momento, Éder Mauro, ex-delegado de polícia que já declarou ter matado “muita gente”, levantou o dedo, arrancando risos de colegas.

A vitória do aliado de Lula na comissão ocorreu não só com o apoio da esquerda, mas dos partidos de centro e de direita que compõem a base do governo, tudo mediante suspeita de acordão para livrar o aliado.

“Defender o Janones é pagar uma conta. A conta de quem trabalhou na campanha de 2022 com uma série de acusações de fake news para proteger o Lula. Estão pagando o preço possivelmente de uma candidatura a prefeito para não deixar um dos seus para trás”, disse, por exemplo, Abilio Brunini.

Após o anúncio do resultado, bolsonaristas foram para frente da bancada onde estava Janones para proferir xingamentos contra o parlamentar, que devolveu os chamando de “gado”. A seguir, chamou Nikolas para resolver a questão no braço do lado de fora e o resultado pode ser visto nos vários vídeos feitos na ocasião.

Depois de muito empurra-empurra e ameaças de agressão, a arenga se transportou para fora da sala, seguindo pelos corredores da Câmara, com Nikolas e Janones novamente ameaçando ou tentando se pegar, não estivessem ali os policiais legislativos para contê-los.

E não parou por aí. Nas redes, Janones discutiu ainda com vários opositores e, ao final, postou pedido de desculpas à comunidade LGBTQIA+ por ofensas homofóbicas contra Nikolas.

Já o bolsonarista postou vídeo em que conclama as pessoas a entrar na política porque, em suas palavras, “isso aqui está um lixo”.

Boulos, que saiu da sala do conselho antes do anúncio do resultado da votação de seu relatório, não estimulou o assunto em suas redes.

Mesmo tendo dito a frase por outros motivos, talvez Gustavo Gayer (PL-GO) tenha sido profético ao afirmar, na primeira fala da sessão deste dia 5, que “o Brasil vai olhar para essa votação de hoje”.

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