Nem o sexo, nem doenças pré-existentes. No Brasil, a baixa escolaridade é o principal fator de risco para o declínio cognitivo em idosos, de acordo com um estudo publicado na revista The Lancet Global Health.
“É algo paradoxal: para evitar o declínio cognitivo associado ao envelhecimento, o mais importante é investir em educação no início da vida. Tudo está conectado”, comenta Eduardo Zimmer, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e líder do estudo.
O declínio cognitivo é caracterizado pela redução das funções cerebrais, como queda da memória, linguagem ou raciocínio. É comum que ele aconteça em certa medida após os 50 anos, mas há fatores que aumentam as chances, bem como a intensidade da condição. Quadros de demência também são marcados por essa diminuição, porém de um modo que interfere nas atividades diárias.
Depois da escolaridade, os principais fatores de risco para a população brasileira apontados no estudo, realizado com apoio do Instituto Serrapilheira, são sintomas de saúde mental, falta de atividade física, tabagismo e isolamento social.
Recorte nacional
Os pesquisadores usaram inteligência artificial e tecnologia de machine learning para analisar os dados de mais de 41 mil pessoas de países da América Latina (Brasil, Colômbia, Equador, Uruguai e Chile).
Para avaliar especificamente a população brasileira, foram estudados os dados de 9.412 participantes do Estudo Longitudinal da Saúde dos Idosos Brasileiros (ELSI-Brasil). Segundo Zimmer, a tecnologia cruzou informações como incidência de declínio cognitivo, situação socioeconômica e nível educacional.
“Nós reunimos os dados e os fatores de risco conhecidos e colocamos dentro do algoritmo. Então, perguntamos a ele quais os maiores fatores de risco associados com declínio cognitivo. Assim, ele pôde desenvolver a resposta”, relata.
A análise foi motivada pela consideração de que, enquanto estudos da América do Norte e Europa indicam idade, sexo (mulheres são mais suscetíveis) e algumas doenças como principais fatores de risco para a queda da cognição, no Sul global os motivos poderiam ser diferentes, dada a realidade social e econômica distinta.
Por que a escolaridade?
Em 2022, uma pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) destacou que o tempo de educação formal tinha impacto na demência no Brasil. A baixa escolaridade também é listada entre os 14 fatores de risco modificáveis para a demência, definidos por uma comissão de especialistas da revista The Lancet.
Ao que tudo indica, o mesmo vale para o declínio cognitivo. De modo geral, estudos apontam que a educação formal proporciona estímulos que contribuem para a construção da “reserva cognitiva”. Assim, acredita-se que idosos com maior escolaridade tenham rotas compensatórias que minimizam prejuízos causados às vias de ativação dos neurônios por lesões degenerativas, por exemplo.
“É como se a educação fosse um exercício para o cérebro”, diz Zimmel. O especialista ilustra essa relação da seguinte forma: imagine a comunicação entre dois neurônios, A e B. Para o primeiro acessar uma informação do segundo, ele terá de buscá-la, fazendo um caminho dentro do cérebro, por meio das sinapses. Quanto mais uma pessoa estuda, mais caminhos são traçados em seu cérebro para essa comunicação. Assim, ela terá diversas vias para acessar a informação.
“Já o sujeito que não foi escolarizado terá um único trajeto possível. Se, com o passar do tempo, ele perder essa conexão, não irá mais conseguir buscar a informação e a memória que está no neurônio B”, compara.
Mas os achados valem apenas para a educação formal? De acordo com o pesquisador, o novo estudo analisou apenas a relação com a educação clássica, mas há pesquisas que propõem que outras formas de estimulação do cérebro podem ter efeitos benéficos.
“São exemplos: ler, praticar exercícios que envolvam cognição, aprender coisas novas e estudar novas línguas”, comenta o cientista. Ele ressalta, no entanto, que os potenciais benefícios ainda precisam ser mais estudados para que os efeitos sejam comprovados.
Políticas públicas
No Brasil, aproximadamente 8,5% da população com 60 anos ou mais tem algum tipo de demência, o que equivale a cerca de 2,71 milhões de casos, de acordo com o Ministério da Saúde. A projeção para 2050 é de 5,6 milhões de indivíduos com a condição no País.
Diante disso, para Zimmer, o ponto mais importante da pesquisa é reunir informações específicas sobre a população brasileira para pensar as melhores ações no contexto nacional.
“A informação que costumamos usar para desenvolver políticas públicas voltadas à saúde cerebral são, em sua maioria, aquelas desenvolvidas no Norte global. Essa é uma área que ainda tem poucos estudos na América Latina”, analisa.
“Precisamos entender o cérebro do brasileiro melhor. Dessa forma, poderemos garantir uma maior qualidade de vida para a população.”