Caminhar pelas ruas dos quatro bairros que estão afundando por causa da mineração de sal-gema em Maceió traz a sensação de que se anda em um cenário de pós-guerra.
Há casas destruídas, ruas vazias e muros pichados com frases de dor, revolta, saudade e lembranças. O fenômeno criou uma “cidade fantasma” em uma área central e forçou dezenas de milhares de pessoas a abandonarem os bairros.
A fama dos bairros fantasmas ganhou o país e se tornou uma atração para turistas que visitam Maceió. “As pessoas perguntam muito sobre os bairros quando faço city tour pela cidade”, diz o presidente do Sindicato dos Guias de Turismo de Alagoas, Marconni Moreira.
Ele conta à BBC News Brasil que nem guias, nem empresas fazem esse “passeio”, mas admite que a procura tem sido cada vez maior. “Gente do Brasil inteiro que pergunta quando levo os turistas para o Mirante do Farol e conto a história do bairro”, diz.
Ao todo, segundo a prefeitura de Maceió, 64 mil pessoas moram nas áreas e foram ou ainda serão retiradas da região.
O problema do afundamento dos bairros em Maceió começou a ser percebido em 2018; durante uma forte chuva, houve um tremor de terra que resultou em danos em alguns imóveis e nas ruas.
O primeiro local a registrar rachaduras em casas e fissuras nas ruas foi o bairro do Pinheiro, um dos mais tradicionais da cidade, que abrigava moradores de classe média na área central da cidade.
Depois, a instabilidade foi sentida em outros bairros: Bebedouro, Bom Parto e Mutange. O bairro do Farol, vizinho ao Pinheiro, também teve uma pequena parte de suas casas afetada.
O processo de desocupação começou de forma voluntária, com famílias deixando o bairro do Pinheiro ainda em 2018, após rachaduras aparecerem em imóveis. A região era residencial, com alguns comércios locais. O bairro tinha casas e prédios de classe média e alguns de luxo, que foram inteiramente desocupados. Um hospital também precisou mudar dali.
Em janeiro de 2019, o governo federal liberou, pela primeira vez, recursos para pagar o aluguel de vítimas. O valor mensal do auxílio foi de R$ 1.000.
Em maio de 2019, a CPRM (Serviço Geológico do Brasil) apresentou um relatório apontando a mineração como causa do afundamento e, com mais estudos posteriores, viu que extensão do problema era maior e ampliou o mapa de risco para, além do Pinheiro, os bairros de Bebedouro, Bom Parto e Mutange – todos também residenciais.
Esses novos bairros atingidos eram ocupados por moradores de classe média baixa e pobres, e os imóveis também precisaram ser desocupados por riscos de afundamento abrupto do solo.
O Mutange hoje, por exemplo, está totalmente inabitado.
Os três bairros incluídos após os estudos ficam às margens da lagoa Mundaú, onde está a maioria das minas de sal-gema perfuradas pela Braskem. É nessa região que há um risco maior, já que com o afundamento a água da lagoa começou a invadir os imóveis. Nem mesmo o trem passa mais pelo local.
Depois de quase um ano de pesquisas, o Serviço Geológico do Brasil apontou que o afundamento do solo tinha relação com a mineração da empresa Braskem, que abriu 35 minas no subsolo para extração de sal-gema durante quatro décadas.
A Braskem chegou a rebater o laudo inicialmente, mas depois recuou e passou a bancar os custos dos aluguéis e mudanças de moradores. Hoje, ela tem um plano de desocupação que paga indenizações a moradores e comerciantes e realiza obras para fechamento das mina (veja mais detalhes abaixo).
Após o caso ganhar repercussão, a Braskem anunciou a paralisação preventiva da extração de sal. Com isso, foi interrompida também a produção na fábrica em Maceió.
“Fiquei chocada com o que vi”
Na ausência de passeios formais pelas áreas fantasma, turistas e curiosos vão por conta própria conhecer a região afetada.
De Manaus, Camila Santana, de 30 anos, veio a Maceió em setembro e quis ver de perto o que aconteceu.
“Fiquei extremamente chocada. Não esperava que tantos bairros tivessem sido atingidos. É muito triste ver nas paredes das casas as mensagens que remetem às histórias das pessoas que construíram uma vida ali e que tinham identificação com aquele lugar. Você sente um pouco a dor das pessoas”, conta.
“Senti vontade de ver essas ruas e casas, quis olhar para o bairro fantasma. Achei que existia uma coisa ou outra funcionando por lá, mas não, ali só existe o silêncio e as paredes gritando a história das pessoas. Apesar de ser um capítulo trágico na história de Maceió e do Brasil, é importante sempre lembrar para que não se repita. Nunca vi algo parecido nos lugares que andei. É algo que atiça nossa curiosidade.”
O empresário Nijauro Filho, de 52 anos, dono da única padaria em funcionamento na região, assiste ao vai e vem dos curiosos.
“Já veio gente de Salvador, de São Paulo, de vários locais. Sempre tem alguém vindo e parando aqui na padaria para perguntar sobre como está o bairro”, explica.
Segundo Nijauro, os turistas normalmente vão de carro e não costumam parar, já que o bairro está vazio. “Eles passam olhando, tirando fotos. Acho que sentem medo porque o Pinheiro está deserto”, diz.
Nijauro Filho herdou o estabelecimento do seu pai, de mesmo nome, que morreu durante a pandemia. Era ele quem morava no andar de cima da padaria – hoje desocupado.
“Antes disso vendíamos 2 mil pães por dia; hoje só chega a no máximo 500. Ainda bem que forneço para eventos e consigo pagar as contas”, diz.
A maioria da clientela é de moradores que viviam na região. O empresário nunca se mudou dali por avaliar que os valores oferecidos para que ele abandonasse o imóvel não cobririam seus custos.
“Não vale a pena. Prefiro continuar aqui. Só para desmontar o maquinário gastaria mais do que estão oferecendo”.
Imóveis demolidos
O publicitário Alexandre Almeida, 59 anos, morador de Recife, resolveu visitar os bairros fantasmas durante uma viagem a Maceió. “Tive um misto de indignação, raiva e tristeza. A cada momento que vamos andando pelos escombros e entendendo a história, vamos tendo esses sentimentos acordados”, diz.
“Eu já sabia de certa forma o que tinha acontecido e eu tive vontade de ir (à região) para sentir de perto o que é uma sensação de uma cidade fantasma.”
Hoje, dezenas de ruas da cidade estão interditadas, sem previsão de volta, e imóveis que foram depredados estão sendo demolidos.
Ainda não se sabe o que será feito com a área, já que é necessário estabilizar o solo para garantir segurança de trânsito de pessoas da região.
Em nota, a Braskem explicou que em dezembro foi assinado um termo com o Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público Estadual (MPE) com três frentes de atuação: sociourbanística, ambiental, e de monitoramento e estabilização.
Esse acordo prevê ações que incluem diagnóstico e, posteriormente, medidas de reparação, mitigação ou compensação dos possíveis impactos ambientais, além de reparação urbanística, preservação do patrimônio histórico e cultural, ações de mobilidade urbana e indenização por danos coletivos.
As ações serão definidas em conjunto com as autoridades e em consulta à população.
Criado em dezembro de 2019, o Programa de Compensação Financeira e Apoio à Realocação registrou, até 22 de outubro, 13.982 imóveis desocupados, de um total de 14.425 identificados em áreas de risco.