Contos dos Orixás adapta os mitos e lendas sobre as divindades da África Ocidental, com respeito às tradições dos povos Yorubás. Lançamento será na terça-feira (22).
Filmes, animações e séries de heróis como Pantera Negra, Cyborg (Teen Titans) e Luke Cage ascenderam debates sobre a representatividade entre os heróis nos últimos anos. Como instrumento para reforçar o empoderamento negro nas histórias em quadrinhos (HQs), o quadrinista baiano Hugo Canuto criou os “Contos dos Orixás”.
Parte de um projeto que adapta os mitos e lendas sobre as divindades da África Ocidental, as histórias retratam os orixás em linguagem artística e com respeito às tradições dos povos Yorubás – civilização existente no continente africano, onde ficam atualmente a Nigéria e partes do Benin e do Togo.
Entre os protagonistas das HQs, por exemplo, está o Rei Xangô, o senhor do trovão. A história conta ainda com Obatalá (outro nome para Oxalá), que criou o mundo com a ajuda dos irmãos. Orixás guerreiros como Ògún, o senhor do ferro, e Oxóssi, o caçador, também são retratados.
De acordo com Canuto, a jornada para criar os Contos dos Orixás teve uma inspiração: “O legado das civilizações africanas que moldaram minha terra de origem, a Bahia e sua ancestralidade, representadas aqui pelos Itan, conjunto de narrativas ligadas aos Orixás, arquétipos milenares de força, coragem e sabedoria”.
Para construir o projeto, o quadrinista trabalhou por cerca de dois anos e meio, ao lado de sacerdotes, acadêmicos e outros autores que compartilharam saberes. Além do estudo, ele fez cursos de língua e cultura Yorubá, e usou como referência obras de Pierre Verger, Edson Carneiro e Lydia Cabrera.
Apesar das referências aos elementos ligados aos orixás, como por exemplo: Oxum, a rainha dos rios e cachoeiras; Iansã, a senhora dos ventos e tempestades, e Yemanjá, a senhora das águas, os Contos dos Orixás não se tratam diretamente de uma obra religiosa.
“Os contos não falam sobre o Candomblé, a Umbanda, Santeria ou Ifá, seus ritos, fundamentos iniciações e segredos, mas buscam fazer um recorte respeitoso com foco na cultura Yorubá, assim como os mitos e histórias dos orixás”.
No planejamento inicial, as histórias tinham 60 páginas. Hoje, a revista tem o dobro de folhas, no formato americano de HQs. A publicação dos Contos dos Orixás começou a ser viabilizada de forma independente, a partir de um financiamento coletivo, o chamado “crowdfunding”.
“Ao longo do tempo de produção, senti a necessidade de ampliar o conteúdo para contar a história que desejava. Assim, dobramos o tamanho da revista, tendo a versão final o total de 120 páginas. Isso exigiu mais tempo na elaboração, visto que, do roteiro até a arte, o processo se deu de maneira autoral”, contou Hugo.
O projeto foi disponibilizado na plataforma Cartas e, com o apoio e iniciativa do público, até a publicação desta reportagem, já havia arrecadado 784% da meta que era de R$ 20 mil [a campanha já arrecadou R$ 144.867 ]. Quem deseja apoiar o quadrinista pode fazer contribuições a partir de R$20. As recompensas vão desde revistas impressas e exemplares autografados a ilustrações e outros itens.
Entre os protagonistas das HQs, por exemplo, está o Rei Xangô, o senhor do trovão — Foto: Hugo Canuto/Reprodução
Durante a primeira campanha, em 2017, o quadrinista subsidiou, em R$25, o preço de 500 exemplares para os apoiadores. O valor do quadrinho atualmente é de R$45.
As duas primeiras tiragens tiveram cerca de quatro mil exemplares, e foram lançadas em pré-venda na Comic Con Experience (CCXP), em dezembro do ano passado. O lançamento oficial será na noite de terça-feira (22), com uma palestra e noite de autógrafos no Teatro Sesi, no bairro do Rio Vermelho, em Salvador.
“Nosso projeto possui um braço social, que busca fazer da arte um instrumento de transformação”.
“Assim, em ambas as campanhas, determinamos que uma parte dos exemplares seja doada para terreiros, instituições de ensino e de promoção da cultura afro-brasileira, na Bahia, Rio de Janeiro e São Paulo”, explicou Hugo.
Como parte do braço social que envolve Canuto e os Contos dos Orixás, exemplares da revista foram distribuídos para educadores, que também costumam usar as 16 artes da representação dos orixás, principalmente em Salvador.
“No geral, a maioria usa as imagens disponibilizadas na página e, de maneira orgânica, aplicam em suas disciplinas de história, geografia, artes”, ponderou.
“O trabalho se tornou um instrumento natural de empoderamento e afirmação por parte do público, o que muito nos alegra”.
Além do uso nas escolas, as histórias também estão sendo utilizadas como referência em livros didáticos, citadas em teses universitárias e expostas em alguns países, como Estados Unidos e Inglaterra.
“O mais importante é que está presente nas casas e, principalmente, no coração do público, servindo ao seu maior propósito: ser instrumento de empoderamento, reflexão e transformação de percepções sobre o grande legado das civilizações africanas e sua descendência na formação histórica, cultural e espiritual do povo brasileiro”.