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domingo 8 de janeiro de 2023 às 08:05h

Aumento do número de ministérios significa mais gastos?

NOTÍCIAS, POLÍTICA


Governo Lula terá 37 pastas, 14 a mais que gestão Bolsonaro. Para especialistas, porém, mais ministérios não implica em mais custos – e questão tem muito mais a ver com a eficiência do uso dos recursos públicos.

Com 37 pastas, 14 a mais do que na gestão anterior, a configuração ministerial do novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se tornou segundo a Deutsche Welle, alvo de críticos, que apontam um suposto aumento de gastos com a máquina pública. Ex-ministro da Casa Civil do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o senador Ciro Nogueira (PP-PI) afirmou, em uma série de tuítes, que o incremento de salários dos novos ministros poderia impactar em até R$ 2 bilhões as despesas públicas. Já Rui Costa (PT), sucessor de Nogueira na Casa Civil, disse que a reestruturação, com transformações de secretarias em ministérios, como foi o caso do Planejamento, é apenas formal, sem inchaço de servidores ou novos gastos.

De acordo com especialistas em administração pública e gastos governamentais ouvidos pela DW Brasil, a discussão vai muito além de uma simples conta de padaria. Encargos e salários de cargos que antes eram de secretários e foram elevados a status de ministros, por exemplo, terão incremento. Mas, segundo os economistas, essa diferença é muito pequena. O que importa, segundo eles, é como será a eficiência da administração pública.

“Dividir em mais ministérios não significa perda nem ganho de eficiência”, explica o especialista em contas públicas e consultor Murilo Paiva. Ele lembra que, no início do governo Bolsonaro, quando se criou a figura do superministério da Economia, a subordinação de pastas como Planejamento e Fazenda e a centralização excessiva dificultou a execução de diversas políticas econômicas.

“Ao mesmo tempo, fragmentar demais também pode tornar a gestão confusa, porque mais de um ministério vai tratar de um ou mais temas correlatos, o que pode gerar uma espécie de choque”, complementa Paiva.

Ferramenta de governança

Comparado com países da Europa ou da América do Norte, o número de 37 ministérios soa exagerado. Nos Estados Unidos, são 15 departamentos, que têm status de ministérios, e oito pastas com status de gabinete. Na Alemanha, o atual governo do chanceler federal Olaf Scholz tem 18 ministérios.

Esses países, no entanto, têm sistemas e tipos de governo diferentes do presidencialismo de coalização da política brasileira, que visa acomodar o apoio de diferentes partidos em cargos ministeriais. No caso do governo Lula, o amplo espectro partidário se reflete na Esplanada, com acomodações que vão desde a esquerda, com partidos como o PCdoB no Ministério da Ciência e Tecnologia, até o União Brasil, de direita e formado pela fusão de PL e DEM, no Turismo e nas Comunicações.

De acordo com a professora e pesquisadora em administração pública e governo da Fundação Getulio Vargas (FGV) Gabriela Spanghero Lottas, a distribuição de cargos é central para conseguir apoio no Congresso e aumentar a base partidária. Ela ressalta que os governos Bolsonaro e Lula têm operações, nesse mecanismo, bastante distintas.

“O governo Bolsonaro começou a gestão tentando não construir coalizões. Sua base de apoio era pequena, ele não tinha agendas claras prioritárias (além do desmantelamento) e governou os primeiros dois anos sem fazer muitas coisas. Quando o governo começou a sofrer mais críticas e ameaças de impeachment, o presidente teve que buscar apoio no Congresso e o fez por meio do orçamento secreto, aumentando a distribuição de recursos orçamentários para congressistas em troca de apoio”, diz Spanghero Lottas, que acrescenta que o orçamento secreto, que foi recentemente considerado inconstitucional pelo STF, comprometeu, com a dependência do Legislativo, a transparência do governo e a capacidade de proposição de agendas

Para ela, a estratégia do governo Lula é a cessão de cargos para a construção das coalizações. “Claramente, Lula fez uma composição ministerial que permite a ele tanto garantir maior governabilidade quanto priorizar temas e públicos que o elegeram. Isso explica, em parte, o aumento no número de ministérios. Mas isso não gerará automaticamente aumento de gastos, tudo depende da coordenação e da capacidade de ter eficiência”, explica a pesquisadora da FGV.

Orçamento engessado

Vale lembrar que os gastos federais a cada ano, no Brasil, são regulados pela Lei Orçamentária Anual (LOA), aprovada pelo Congresso no ano anterior. Para a execução de 2023, a LOA foi votada durante o governo Bolsonaro, mas contou com articulação da equipe de Lula para a aprovação. Há diferenças entre os valores aprovados e os que são executados durante a vigência, mas distorções podem gerar mais despesas e déficit, o que causa desgaste na aprovação do Orçamento do ano seguinte.

Para este ano, o Orçamento prevê R$ 369,4 bilhões para gastos com pessoal e encargos sociais em todos os Poderes, com o Executivo correspondendo a 75,5% desses valores. É um aumento de 8,3% ao que foi autorizado para o ano passado, R$ 343,7 bilhões. O número para 2023, no entanto, é próximo ao autorizado para 2021, R$ 363,6 bilhões. Além disso, atualmente, essas despesas correspondem a 3,5% do PIB, mesmo percentual da LOA de 2022 e o mais baixo em 22 anos.

Para o professor do programa de pós-graduação em Administração da Unicamp e especialista em gasto público Johan Hendrik Poker Júnior, a destinação livre do orçamento público fica hoje apenas por volta de 8% do total – percentual que estava destinado ao orçamento secreto. “O resto já tem destinação por lei. Se alguém quiser aumentar o gasto não dá, porque a arrecadação não vai aumentar e ele não tem como sair da peça orçamentária que foi aprovada”, ressalta Hendrik.

Ele lembra que os primeiros governos de Lula, mesmo com mais de 30 ministérios, sempre tiveram um gasto menor promocionalmente ao PIB do que as gestões que o sucederam. Segundo Nota Técnica Conjunta Nº 5/2022, sobre a LOA de 2023, “despesas primárias com pessoal e encargos sociais passaram de 3,8% do PIB em 2014 para 4,3% do PIB em 2017, mantendo-se próximo a esse nível até 2020”.

Segundo Hendrik, essa comparação entre número de ministérios e o de gastos públicos acabou se tornando refém de um discurso eleitoral na campanha de 2018. “Isso foi usado mais como uma espécie de rotulação que foi dada ao governo Dilma pela campanha de Bolsonaro, pra dizer que número de ministérios é volume de gastos, mas não funciona desse jeito, porque não é uma estrutura que é flexível”, acrescenta.

Para Spanghero Lottas, da FGV, tampouco deve haver um aumento expressivo de cargos comissionados – ou mesmo a realização de concursos para a contratação de mais servidores efetivos. “Tirando os cargos de ministros novos, geralmente os demais cargos comissionados permanecem relativamente constantes. O mesmo acontece com servidores públicos – a criação de ministérios não gera automaticamente novos concursos e em geral os ministérios novos trabalham com servidores públicos ‘emprestados’ de outras áreas”, diz a pesquisadora, destacando que é mais importante haver um trabalho harmônico e em conjunto entre as pastas, que evite ineficiência e sobreposição. “Isso é muito mais impactante que a questão de criação de cargos, que em geral tem pouco efeito”, conclui.

Gestão de recursos

Para exemplificar a má gestão de recursos, o especialista em gestão pública Murilo Paiva cita o caso do Auxílio Brasil, cujo redesenho feito às pressas para atender aos interesses eleitorais de Bolsonaro prometeu R$ 600 para cada beneficiário, mesmo com a proposta orçamentária prevendo uma média de R$ 405 no valor individual dos pagamentos. Com isso, a dotação orçamentária para o programa, que voltou a se chamar Bolsa Família sob a gestão Lula, passou dos R$ 105 bilhões para R$ 175 bilhões, o que incluiu não só esse aumento nominal no benefício, mas também adicionais para crianças por família, por exemplo.

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